quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Como agem os inimigos da democracia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Inconformados com a redemocratização não descansarão enquanto não realizarem sua obra deletéria.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, disse que “milícias digitais entraram em ação tentando desacreditar o sistema” de votação e apuração eleitoral, referindo-se aos ataques virtuais sofridos pela Justiça Eleitoral no primeiro turno das eleições municipais. E o ministro foi além: disse que “há suspeita de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições, clamam pela volta da ditadura e muitos deles são investigados pelo Supremo Tribunal Federal”.

Trata-se de grave revelação, que demanda investigação policial e punição exemplar dos envolvidos. A suspeita levantada pelo ministro Barroso mostra que estamos diante de um atrevido repto à democracia.

A estratégia desses criminosos é simples: semear a dúvida sobre as instituições democráticas para desmoralizá-las aos olhos dos cidadãos, fortalecendo o discurso autoritário dos que pretendem governar diretamente com o “povo”, sem a intermediação do establishment político-partidário.

A suspeita sobre a lisura do sistema de votação é central nessa estratégia. Os inimigos da democracia a levantam para questionar a legitimidade do resultado da eleição se este lhes for desfavorável. A rigor, segundo essa narrativa, nem haveria necessidade de eleição, pois o único resultado possível de qualquer consulta popular, desde que não haja “fraude”, é a vitória incontestável dos liberticidas.

Ou seja, se o vencedor da eleição não fizer parte dessa gangue será imediatamente desqualificado como representante do povo e será denunciado como preposto do “sistema”, supostamente desenhado para impedir, por meio de maquinações e conspirações, que a vontade popular seja realizada.

Esse embuste obviamente nada tem a ver com democracia. Oposição é fundamental num regime democrático, mas deixar de reconhecer a legitimidade da vitória eleitoral de um adversário é coisa bem diferente: significa negar a alternância do poder, sem a qual tiranos se perpetuam.

Parece sintomático, assim, que o presidente do TSE tenha mencionado que os suspeitos do ataque ao sistema da Justiça Eleitoral sejam extremistas que “clamam pela volta da ditadura”, pois esse parece ser o fulcro do plano original desses marginais que o bolsonarismo trouxe ao centro da política nacional.

Os inconformados com a redemocratização do Brasil não descansarão enquanto não realizarem sua obra deletéria. As manifestações contra o Supremo Tribunal Federal e contra o Congresso ao longo do governo de Jair Bolsonaro foram apenas um aperitivo do que essa gente é capaz. A criação de um clima de desconfiança generalizada, que esgarça laços de solidariedade e inviabiliza a democracia, é o passo seguinte.

Por isso, é reconfortante saber que a Justiça Eleitoral não somente manteve intacto o sistema de votação, reconhecidamente um dos mais seguros do mundo, como reagiu rapidamente ao ataque que sofreu e indicou de maneira clara que tipo de ideologia criminosa o motivou. Os brasileiros devem saber que suas eleições são limpas, de modo que não pairem dúvidas sobre a legitimidade dos eleitos.

Para que a democracia seja preservada, contudo, é preciso que Jair Bolsonaro, na condição de chefe de Estado, pare de questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas, como fez seguidas vezes desde que chegou ao poder e tornou a fazer depois das eleições de domingo passado – como a justificar a acachapante derrota que sofreu.

A mudança de comportamento do presidente é especialmente necessária ante a suspeita de que houve, nas palavras do ministro Barroso, uma “orquestração” contra o sistema eleitoral e as instituições – ou seja, o ataque teria sido realizado apenas com o intuito de alimentar a narrativa segundo a qual o sistema não é confiável – e que essa “orquestração” teria como protagonistas conhecidos manipuladores das redes sociais. Cabe então a Bolsonaro desvincular-se dessa trama, expressando sua confiança no sistema; se não o fizer, estará se prestando ao vergonhoso papel de cúmplice da trama.

Direita 'versus' direitos na EU – Opinião | | O Estado de S. Paulo

Governos da Hungria e da Polônia travam plano de retomada da União Europeia.

Desafiada pela extrema direita, a União Europeia (UE) vive uma nova crise interna, com risco de paralisia de seus planos de retomada econômica e de combate à covid-19. Os governos da Hungria e da Polônia bloquearam a aprovação do orçamento comunitário para 2021-2027. O bloqueio travou também o fundo de recuperação. O veto foi um protesto contra a exigência de compromisso com o Estado de Direito para ter acesso ao dinheiro. Os dois governos, assim como o do presidente Donald Trump, estão entre os poucos até hoje contemplados pelo presidente Jair Bolsonaro com alguma demonstração de afinidade e simpatia.

O compromisso com o Estado de Direito é exigência imposta pelo Parlamento Europeu. Antes disso, a Comissão Europeia, braço executivo do bloco, havia apontado, em relatório oficial, sinais preocupantes nos dois países. Dificuldades para punir a corrupção em altos escalões foram mencionadas com destaque em relação à Hungria. No caso da Polônia, o balanço realça o enfraquecimento do sistema de Justiça, os problemas no combate à corrupção, as limitações da liberdade de imprensa e o desequilíbrio entre os Poderes.

As ênfases podem variar, mas, de modo geral, essas deficiências têm sido notadas nos dois países. Problemas semelhantes têm sido notados em áreas da Europa Oriental anteriormente subordinadas à influência soviética. Nem sempre a cultura dos direitos e da democracia tomou o espaço antes ocupado pela orientação soviética. Em alguns casos, o autoritarismo migrou para a direita e assim se tornou palatável para figuras da extrema direita das Américas.

As novas ameaças à democracia foram indicadas no primeiro Relatório Anual sobre o Estado de Direito publicado no fim de setembro pela Comissão Europeia. Muitos países do bloco têm altos padrões de Estado de Direito, mas “também existem desafios importantes”, informou em nota a Comissão, ao anunciar o documento.

Ainda segundo a nota, “cada cidadão merece ter acesso a juízes independentes, beneficiar-se de meios de comunicação livres e pluralistas e confiar no respeito a seus direitos fundamentais”. Mas essas condições nem sempre foram verificadas durante o levantamento. É relevante ter uma visão geral dos problemas e de suas interligações, disse a Comissária de Valores da UE, Vera Jourova, ao comentar os “desafios importantes” mencionados no relatório. Essas deficiências, acrescentou, “muitas vezes se fundem num coquetel intragável”.

O veto apresentado na segunda-feira passada impediu a aprovação de um pacote de 750 bilhões de euros, projetado para facilitar a recuperação depois da crise de 2020 e para reforçar as ações de combate à pandemia.

O acordo sobre as condições para a liberação de recursos havia sido formalizado, na semana passada, entre o governo alemão, em nome da maioria dos governos nacionais, e o Parlamento Europeu.

O impasse a respeito do orçamento plurianual e do pacote de recuperação é mais que um problema financeiro. É um tropeço numa experiência política voltada para a valorização da democracia e da cooperação regional. Essa história começou pouco depois de encerrada a 2.ª Guerra Mundial, quando a Europa cuidava das feridas e tentava, ao mesmo tempo, criar os alicerces para um futuro de paz e de integração.

A criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, oficializada em 1950, foi o primeiro passo. Em 1957 foi instituída pelo Tratado de Roma a Comunidade Econômica Europeia, o Mercado Comum Europeu.

O Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 1993, ampliou os objetivos da integração. Novos acordos multiplicaram as possibilidades de cooperação produtiva, comercial, científica tecnológica, num ambiente de livre circulação de pessoas, padrões básicos de direitos e objetivos ambientais comuns. A valorização dos direitos e liberdades foi sempre a base mais importante dessa experiência – até a instalação da extrema direita em alguns dos últimos países admitidos no bloco. O impasse com os governos da Polônia e da Hungria é o exemplo mais claro desse novo obstáculo.

O Brasil cada vez mais isolado – Opinião | O Estado de S. Paulo

Na Cúpula do Brics, Bolsonaro reforça narrativas que isolam ainda mais o País.

O presidente Jair Bolsonaro ainda não assimilou bem a derrota de seu ídolo, o presidente norte-americano, Donald Trump, e não compreende as mudanças no cenário internacional que advirão da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden. Ou talvez já enxergue Trump como um ex-presidente e creia ser seu herdeiro como o novo porta-voz do antimultilateralismo. É o que se depreende da participação do presidente brasileiro na 12.ª Cúpula do Brics. Seja qual for o caso, se Bolsonaro não mudar sua forma de governar, o Brasil ficará cada vez mais isolado no mundo.

Na reunião de cúpula com os presidentes Xi Jinping, da China, Cyril Ramaphosa, da África do Sul, Vladimir Putin, da Rússia, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, Bolsonaro voltou a dizer que o Brasil é vítima de “injustificáveis ataques” em relação à proteção da Floresta Amazônica, dando a entender que inconfessas motivações políticas e comerciais se sobrepõem às evidências científicas que revelam que, de fato, o desmatamento e as queimadas ilegais têm aumentado em grande medida porque o governo federal tem sido leniente no combate aos crimes ambientais.

Ao seguir negando a existência do problema, Bolsonaro interdita os canais para o diálogo e a cooperação que são essenciais para a proposição de soluções, tanto no ambiente doméstico como no exterior. O País só perde com isso.

O presidente brasileiro usou a cúpula para acusar países críticos à política ambiental de seu governo de importarem madeira extraída ilegalmente da Amazônia. “Estaremos revelando nos próximos dias países que têm extraído madeira de forma ilegal. E alguns desses países são os mais severos críticos ao meu governo no tocante a essa Região Amazônica. Creio que depois dessa manifestação (a divulgação da lista) que interessa a todos, por que não dizer, no mundo, essa prática diminuirá em muito”, disse Bolsonaro.

Fato é que o mercado brasileiro de madeiras é marcado por ilegalidades, sobretudo no que se refere à exportação. Entretanto, para que não caia ainda mais em descrédito, seria bom se Bolsonaro, de fato, já houvesse apresentado a lista e as evidências das acusações que fez desta vez. Ocorre, porém, que o presidente tem o pernicioso hábito de denunciar sem apresentar evidências ou provas. Convém lembrar que em março o presidente disse que provaria “em breve” que as eleições de 2018 foram fraudadas. Até hoje não se tem notícia das provas da tal “fraude” na eleição que o consagrou.

Sem constrangimento ou autocrítica, Bolsonaro também atacou a Organização Mundial da Saúde (OMS) pelo que chamou de “politização do vírus”, em referência à condução da pandemia de covid-19. Ora, se há alguém que politizou a emergência sanitária em defesa de seus interesses políticos foi o presidente brasileiro, emulando o discurso de seu ídolo Trump.

Sem citar Jair Bolsonaro, o presidente chinês, Xi Jinping, fez um contraponto durante seu discurso na Cúpula do Brics, não apenas em defesa da OMS, mas também em prol da cooperação entre as nações como meio apto a superar a crise sanitária e arrefecer as tensões comerciais. A propósito, Bolsonaro defendeu mudanças na Organização Mundial do Comércio (OMC). “A reforma da OMC é fundamental para a retomada do crescimento econômico global”, afirmou. A este respeito, não está errado.

É lamentável a posição que hoje o País ocupa no concerto das nações, praticamente um pária internacional pela má condução da pandemia e pela beligerância de Bolsonaro em relação à agenda ambiental. Em entrevista ao jornal O Globo e à TV Globo, o ex-presidente Barack Obama reconheceu que, “no passado, o Brasil foi líder em relação a isso (a definição de políticas de preservação do meio ambiente) e seria uma pena se deixasse de ser”. O País já não é essa liderança. Obama foi apenas elegante.

Com a autoridade que conquistou em seus oito anos na Casa Branca, Obama ofereceu uma saída para o País. Em sua visão, a eleição de Joe Biden “é uma oportunidade de redefinir” a relação entre o Brasil e os EUA e o lugar do País na nova ordem global. O caminho está dado.

Governos precisam se preparar para segunda onda de Covid – Opinião | O Globo

Pelo menos 15 estados já mostram tendência de aumento no número de infecções pelo novo coronavírus

São inequívocos os sinais de que uma segunda onda de Covid-19 se aproxima, enquanto o Brasil não se livrou ainda da primeira. Após um período de estabilidade ou queda na maior parte dos estados — o que contribuiu para que os brasileiros relaxassem na prevenção —, os números voltam a preocupar. Segundo o último boletim do sistema InfoGripe, da Fiocruz, 15 das 27 unidades da Federação têm pelo menos uma região com tendência de alta. O Imperial College de Londres informou ontem que a taxa de contágio voltou a subir no país e está acima de 1, patamar que caracteriza epidemias em expansão.

Nos dois estados que concentram o maior número de infecções e mortes — São Paulo e Rio —, os hospitais soaram o alarme. Na segunda-feira, o governo paulista verificou crescimento de 18% nas internações por Covid-19 nas redes pública e privada. Na capital fluminense, 97% dos leitos para Covid-19 nas UTIs municipais estavam ocupados na semana passada. Nas unidades federais e estaduais, a taxa beirava os 80%. A situação nos hospitais particulares não é muito diferente.

A segunda onda já é realidade na Europa e nos Estados Unidos. Governos precisam se preparar. Autoridades que se precipitaram, ao desmontar hospitais de campanha e ao desativar leitos para Covid-19, devem rever estratégias. Da mesma forma, os planos de flexibilização que permitiram a reabertura de quase todas as atividades precisam ser reavaliados à luz dos novos números. Mesmo que a letalidade não seja comparável à do início da pandemia, o exemplo europeu mostra que a segunda onda também pode ter impacto dramático no sistema de saúde.

O governo federal não se moverá. Fiel ao negacionismo, ao desprezo pela Ciência e pela vida, o presidente Jair Bolsonaro já disse que o Brasil “tem que deixar de ser um país de maricas”e enfrentar a doença de peito aberto. Noutra ocasião, se referiu à possibilidade de uma segunda onda como “conversinha”. Em seu estilo belicoso, ao discursar ontem na cúpula do Brics, Bolsonaro criticou a OMS, disse que ela pratica um “pretenso monopólio do conhecimento” e precisa de reformas .

Governadores e prefeitos têm autonomia para adotar medidas de restrição levando em conta o melhor para a população. Para afastar o risco de quarentenas desastrosas para a economia, precisam ter mais rigor com distanciamento e uso de máscaras, implantar testagem e rastreamento intensivos. Sobretudo, não devem atrelar as decisões ao fim do segundo turno — o vírus não respeita calendário eleitoral.

Em meio à preocupação, as pesquisas com vacinas trazem esperança. Pfizer/BioNTech e Moderna divulgaram números de eficácia animadores na fase final de seus testes (90% e 95%, respectivamente). Há outros estudos promissores. Mas, enquanto as vacinas ainda são uma promessa, não se pode agir como se a pandemia tivesse acabado. Falta pouco, mas ainda é preciso manter a disciplina e a paciência. Governadores e prefeitos sabem o que fazer. Só precisam agir.

Naufrágio eleitoral do PT permite renovação da esquerda nas urnas – Opinião | O Globo

Com massacre em São Paulo e baixa adesão nacional, o partido sofre por ainda depender da figura de Lula

A eleição municipal não foi boa para o PT, maior partido da esquerda brasileira e um dos protagonistas da política nacional desde a redemocratização. Embora, nos votos para prefeito, a situação não tenha sido tão dramática (ficou estável, com 6,8% do total, ante 6,6% em 2016), o partido perdeu 75 das 254 prefeituras que tinha, queda de 30%. No reduto paulista, reduziu-se a apenas duas vitórias no primeiro turno. Na cidade de São Paulo, que já governou três vezes, o candidato petista, Jilmar Tatto, ficou num humilhante sexto lugar, com 8,6% dos votos. Na leitura mais generosa, a legenda não reagiu ao mergulho no precipício de 2016, depois de ter recebido o aval de 16,6% do eleitorado em 2012.

O desgaste do PT — resultado dos 13 anos no poder, mensalão, petrolão e do descalabro econômico do governo Dilma Rousseff — abriu espaço a novas lideranças da esquerda, algumas com o beneplácito do próprio Lula. Um exemplo é Guilherme Boulos, do PSOL. Com apenas 17 segundos no horário eleitoral, passou ao segundo turno contra o atual prefeito paulistano, Bruno Covas. Outro é Manuela D’Ávila, candidata do PCdoB em Porto Alegre, que vai ao segundo turno contra o candidato do MDB, Sebastião Melo.

Em abril de 2018, do alto do carro de som no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, no comício de “resistência” que patrocinou antes de ser preso, Lula ungiu os dois como novas lideranças da esquerda. Manuela e Boulos disputaram a eleição presidencial e tiveram exposição nacional. No dia 29, ela defenderá a tradição da esquerda gaúcha, enquanto ele, líder de sem-tetos paulistano, tentará sair do gueto da Zona Oeste, onde é o preferido de artistas, intelectuais e frações da classe alta.

Mesmo no Recife, onde a petista Marília Arraes passou ao segundo turno, ela enfrentará outro nome de esquerda, João Campos, do PSB, filho de Eduardo Campos, morto em desastre aéreo na campanha de 2014. Os dois são primos. Ela, neta de Miguel Arraes; ele, bisneto. Fazem parte de uma linhagem tradicional na esquerda pernambucana. A disputa não ofusca a renovação estadual nesse campo político.

Dois cenários são possíveis para a esquerda depois destas eleições. No primeiro, o futuro passa longe do PT, e partidos como PSOL ou PCdoB conquistam maior expressão nacional a partir dos governos locais que conseguirem obter. No segundo, para manter o domínio, o PT precisa reagir e se renovar. O desafio é superar a figura de Lula, sobre a qual recai a sombra do maior escândalo de corrupção desvendado na história brasileira — e da qual o petismo ainda depende. Não será trivial. Criado em 1980 em torno dele, o PT nunca deu espaço a discordâncias com o chefe. Nem ele fez sucessor interno. O preço vem sendo pago nas urnas.

Repique paulista – Opinião | Folha de S. Paulo

Aumento das internações por Covid-19 ocorre em momento particularmente delicado

São inquietantes os indicadores recentes da evolução da Covid-19 no estado de São Paulo. Como um avião que arremete por não encontrar boas condições de pouso, o número de internações provocadas pela doença voltou a subir nas redes pública e privada após ter passado por período de queda sustentada.

De acordo com o Info Tracker, sistema de monitoramento desenvolvido por pesquisadores da USP e da Unesp, os hospitais municipais da capital tiveram, de 7 a 13 de novembro, elevação de 9% nas internações. Na Baixada Santista, o aumento foi de 23%, e na região norte da Grande São Paulo, de 37%.

Ademais, ao menos seis instituições particulares paulistanas registraram, em diferentes proporções, alta das hospitalizações no início de novembro. No estado, segundo dados oficiais, a média diária de internações em razão da doença cresceu quase 18% na última semana, passando de 859 para 1.009.

Embora seja prematuro falar em nova onda de Covid-19, o repique da enfermidade preocupa por ocorrer num momento particularmente sensível do sistema de saúde.

De um lado, os leitos públicos estaduais destinados aos acometidos pelo Sars-CoV-2 têm sido desativados. De outro, a rede privada registra grande ocupação de pacientes de outros males que haviam adiado cirurgias e diferentes procedimentos no auge da epidemia.

A causa mais provável do fenômeno é o relaxamento das medidas preventivas —isolamento, uso de máscaras e distanciamento físico— por parte da população.

Um comportamento mais permissivo pode ser explicado pela desinformação; em boa medida, entretanto, algum relaxamento de regras e condutas, depois de tanto tempo, seria inexorável.

Desde meados de outubro, regiões em que residem 76% dos paulistas passaram à fase verde do plano que define os estágios para a volta do comércio e de outros serviços. Penúltima etapa das restrições, ela permite a reabertura controlada de quase todas as atividades, inclusive cinemas e teatros.

Não à toa, o governo estadual, que inicialmente negou o recrudescimento da epidemia, logo mudou o discurso e corretamente suspendeu a passagem de novas áreas a essa fase, prevista para esta semana.

O quadro atual gera ainda mais apreensão devido à chegada das festas de fim de ano, quando os deslocamentos e reuniões familiares podem vir a ocasionar novos surtos. Já se tem notícia, inclusive, de grandes festas programadas para ocorrer no litoral.

Não é o momento de abandonar os cuidados. Da população, espera-se responsabilidade e compreensão do momento atípico vivido; das autoridades, vigilância e firmeza, além de uma atitude previdente.

Cordão sanitário – Opinião | Folha de S. Paulo

Forças acertam em distinguir entre seu papel institucional e o governo Bolsonaro

O que se convencionou chamar de ala militar da administração Jair Bolsonaro compreende perspectivas e interesses heterogêneos. Entre fardados do serviço ativo, em particular, transparece o incômodo com a visão de que governo e caserna formam um corpo único.

A responsabilidade, obviamente, é daqueles oficiais-generais que emprestaram credibilidade a um capitão reformado conhecido por sua indisciplina. Não foi, convém destacar, um apoio unânime —a adesão ao projeto bolsonarista teve sua maior intensidade no Exército e menor na Aeronáutica.

Mas a bênção dada ao candidato pelo Alto-Comando do Exército em 2018 e a consequente ocupação de postos-chave do governo por militares cimentou a união.

O presidente usou a carta fardada por diversas vezes, chegando ao paroxismo das insinuações golpistas do primeiro semestre deste ano, ora moduladas pela composição com o centrão enquanto a Justiça cercava a família de Bolsonaro.

Os militares foram recompensados. Gastos em seus programas foram preservados, e uma reforma previdenciária e de carreira sob medida foi entregue a eles. Além de 9 de 23 ministros, 2.900 membros da ativa estão no governo, e o número mais que dobra se forem contados os da reserva.

Mas o mal-estar com o presidente se acentuou após atritos com setores ideológicos do gabinete e, mais recentemente, com a declaração destrambelhada sobre a necessidade de “ter pólvora” diante do risco de sanções ao Brasil após a vitória de Joe Biden nos EUA.

Foi com grande atraso que o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, explicitou na semana passada o óbvio —que lugar de fardado não é na política, e ela não deve adentrar nos quartéis, como pontificou em debate público.

Mensagem do mesmo teor foi assinada no sábado (14) pelo ministro Fernando Azevedo, da Defesa, e pelos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. “O único representante político das Forças Armadas, como integrante do governo, é o ministro da Defesa”, afirma-se no documento conjunto.

É bem-vindo esse cordão sanitário, a despeito de militares da ativa —como o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello— permanecerem em cargos importante da administração federal.

Quanto mais clara a distinção entre a missão institucional das Forças e a agenda do ocupante do Palácio do Planalto, melhor para o país.

Corte do auxílio emergencial já leva a aumento da pobreza – Opinião | Valor Econômico

É insensato retirar a rede de proteção em momento em que a economia ainda patina

No momento em que se discute o futuro do auxílio emergencial, estudo do pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), Daniel Duque, dá a dimensão eloquente do impacto positivo do benefício, que não só ajudou a tirar a economia do abismo em que mergulhou, como também teve o efeito poderoso de reduzir a pobreza para o menor patamar em nada menos do que 40 anos. A redução do auxílio dos R$ 600 iniciais para os R$ 300 atuais já está pondo a perder parte dessa conquista. A eventual extinção pura e simples do benefício, sem nada que beneficie ao menos parte da população vulnerável, em um ambiente de emprego ainda escasso e educação insatisfatória, representaria uma séria volta atrás.

O levantamento de Daniel Duque mostrou que a concessão do auxílio emergencial levou a pobreza, em agosto, para a menor taxa desde a década de 1980. A faixa da população na extrema pobreza, que vivia com menos de US$ 1,9 por dia, de acordo com a definição do Banco Mundial, caiu para 2,3%, o equivalente a 4,8 milhões de pessoas. Os números são praticamente metade dos registrados em maio, um dos momentos mais agudos da crise, quando 4,2% da população viviam em extrema pobreza, ou 8,8 milhões de pessoas.

Já o segmento considerado pobre, com renda diária inferior a US$ 5,5 também pelo parâmetro do Banco Mundial, era de 18,4% da população, ou 38,9 milhões de pessoas em agosto, bem abaixo dos 23,7% de maio, ou 50 milhões de pessoas.

A pobreza voltou infelizmente a aumentar agora em setembro, com o corte do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300. A taxa da extrema pobreza subiu para 2,5% da população, englobando 5,2 milhões de pessoas, ou 400 mil a mais do que no mês anterior. Enquanto a faixa vivendo na pobreza aumentou para 19,4% da população, equivalente a 41,1 milhões de pessoas, ou nada menos do que 2,2 milhões a mais - a população de Manaus ou quase uma Belo Horizonte.

Os indicadores foram calculados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A deterioração dos índices deve piorar nas contas de outubro em diante uma vez que, em setembro, algumas pessoas ainda receberam o auxílio emergencial mais elevado. Em entrevista, o pesquisador Daniel Duque disse que a situação dos mais pobres será na prática ainda pior em consequência do aumento da inflação, que vem atingindo principalmente os alimentos.

Apesar de as pesquisas brasileiras a respeito do tema terem variações de metodologia e abrangência ao longo do tempo, o Ibre/FGV avalia que o pagamento do auxílio emergencial reduziu a miséria da população em agosto ao menor nível desde o início da década de 1980. A área rural da região Norte não era bem coberta e o levantamento passou a ser realmente nacional em 2004. Até então, o melhor momento havia sido em 2014, quando a população em extrema pobreza representava 4,5% do total ou pouco mais de 9 milhões de pessoas, e viviam abaixo da linha da pobreza 22,8%, ou 46,2 milhões.

Depois disso, dois anos de recessão no fim do governo da presidente de Dilma Rousseff deterioraram o quadro, levando a extrema pobreza a afligir 13,3 milhões de pessoas ou 6,5% da população, e a pobreza, 52,2 milhões, ou 25,5% em 2016, para então começar uma lenta recuperação. Depois disso, a taxa da extrema pobreza ficou estável em 6,5%, mas como a população aumentou, mais pessoas caíram na armadilha. Assim, o total de extremamente pobres era de 13,7 milhões em 2019 ou 400 mil a mais do que em 2016. Já os pobres recuaram para 24,7% em 2019, mas somavam 52,1 milhões de pessoas, apenas ligeiramente abaixo do número de 2016.

Compreensivelmente é impossível manter para sempre o auxílio emergencial com a abrangência e o calibre iniciais até por conta da frágil situação fiscal. Mas também não se pode ignorar o impacto positivo do benefício da retomada do nível de atividade. É igualmente insensato retirar a rede de proteção em momento em que a economia ainda patina e o mercado de trabalho custa a reagir. Dados mais recentes da Pnad Contínua de agosto mostram uma taxa de desemprego de 14,4% no trimestre encerrado em agosto, bem acima dos 11,7% do fim de 2019. A perspectiva é que vai aumentar ainda mais, antes de diminuir. Assim, uma solução para a situação demanda uma atuação em várias frentes, incluindo a educação.

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