Inconformados
com a redemocratização não descansarão enquanto não realizarem sua obra
deletéria.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, disse que “milícias digitais entraram em ação tentando desacreditar o sistema” de votação e apuração eleitoral, referindo-se aos ataques virtuais sofridos pela Justiça Eleitoral no primeiro turno das eleições municipais. E o ministro foi além: disse que “há suspeita de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições, clamam pela volta da ditadura e muitos deles são investigados pelo Supremo Tribunal Federal”.
Trata-se
de grave revelação, que demanda investigação policial e punição exemplar dos
envolvidos. A suspeita levantada pelo ministro Barroso mostra que estamos
diante de um atrevido repto à democracia.
A
estratégia desses criminosos é simples: semear a dúvida sobre as instituições
democráticas para desmoralizá-las aos olhos dos cidadãos, fortalecendo o
discurso autoritário dos que pretendem governar diretamente com o “povo”, sem a
intermediação do establishment político-partidário.
A
suspeita sobre a lisura do sistema de votação é central nessa estratégia. Os
inimigos da democracia a levantam para questionar a legitimidade do resultado
da eleição se este lhes for desfavorável. A rigor, segundo essa narrativa, nem
haveria necessidade de eleição, pois o único resultado possível de qualquer
consulta popular, desde que não haja “fraude”, é a vitória incontestável dos
liberticidas.
Ou
seja, se o vencedor da eleição não fizer parte dessa gangue será imediatamente
desqualificado como representante do povo e será denunciado como preposto do
“sistema”, supostamente desenhado para impedir, por meio de maquinações e
conspirações, que a vontade popular seja realizada.
Esse
embuste obviamente nada tem a ver com democracia. Oposição é fundamental num
regime democrático, mas deixar de reconhecer a legitimidade da vitória
eleitoral de um adversário é coisa bem diferente: significa negar a alternância
do poder, sem a qual tiranos se perpetuam.
Parece
sintomático, assim, que o presidente do TSE tenha mencionado que os suspeitos
do ataque ao sistema da Justiça Eleitoral sejam extremistas que “clamam pela
volta da ditadura”, pois esse parece ser o fulcro do plano original desses
marginais que o bolsonarismo trouxe ao centro da política nacional.
Os
inconformados com a redemocratização do Brasil não descansarão enquanto não
realizarem sua obra deletéria. As manifestações contra o Supremo Tribunal
Federal e contra o Congresso ao longo do governo de Jair Bolsonaro foram apenas
um aperitivo do que essa gente é capaz. A criação de um clima de desconfiança
generalizada, que esgarça laços de solidariedade e inviabiliza a democracia, é
o passo seguinte.
Por
isso, é reconfortante saber que a Justiça Eleitoral não somente manteve intacto
o sistema de votação, reconhecidamente um dos mais seguros do mundo, como
reagiu rapidamente ao ataque que sofreu e indicou de maneira clara que tipo de
ideologia criminosa o motivou. Os brasileiros devem saber que suas eleições são
limpas, de modo que não pairem dúvidas sobre a legitimidade dos eleitos.
Para
que a democracia seja preservada, contudo, é preciso que Jair Bolsonaro, na
condição de chefe de Estado, pare de questionar a confiabilidade das urnas
eletrônicas, como fez seguidas vezes desde que chegou ao poder e tornou a fazer
depois das eleições de domingo passado – como a justificar a acachapante
derrota que sofreu.
A
mudança de comportamento do presidente é especialmente necessária ante a
suspeita de que houve, nas palavras do ministro Barroso, uma “orquestração”
contra o sistema eleitoral e as instituições – ou seja, o ataque teria sido
realizado apenas com o intuito de alimentar a narrativa segundo a qual o
sistema não é confiável – e que essa “orquestração” teria como protagonistas
conhecidos manipuladores das redes sociais. Cabe então a Bolsonaro
desvincular-se dessa trama, expressando sua confiança no sistema; se não o
fizer, estará se prestando ao vergonhoso papel de cúmplice da trama.
Direita 'versus' direitos na EU – Opinião | | O Estado de S. Paulo
Governos
da Hungria e da Polônia travam plano de retomada da União Europeia.
Desafiada pela extrema direita, a União Europeia (UE) vive uma nova crise interna, com risco de paralisia de seus planos de retomada econômica e de combate à covid-19. Os governos da Hungria e da Polônia bloquearam a aprovação do orçamento comunitário para 2021-2027. O bloqueio travou também o fundo de recuperação. O veto foi um protesto contra a exigência de compromisso com o Estado de Direito para ter acesso ao dinheiro. Os dois governos, assim como o do presidente Donald Trump, estão entre os poucos até hoje contemplados pelo presidente Jair Bolsonaro com alguma demonstração de afinidade e simpatia.
O
compromisso com o Estado de Direito é exigência imposta pelo Parlamento
Europeu. Antes disso, a Comissão Europeia, braço executivo do bloco, havia
apontado, em relatório oficial, sinais preocupantes nos dois países.
Dificuldades para punir a corrupção em altos escalões foram mencionadas com
destaque em relação à Hungria. No caso da Polônia, o balanço realça o
enfraquecimento do sistema de Justiça, os problemas no combate à corrupção, as
limitações da liberdade de imprensa e o desequilíbrio entre os Poderes.
As
ênfases podem variar, mas, de modo geral, essas deficiências têm sido notadas
nos dois países. Problemas semelhantes têm sido notados em áreas da Europa
Oriental anteriormente subordinadas à influência soviética. Nem sempre a
cultura dos direitos e da democracia tomou o espaço antes ocupado pela
orientação soviética. Em alguns casos, o autoritarismo migrou para a direita e
assim se tornou palatável para figuras da extrema direita das Américas.
As
novas ameaças à democracia foram indicadas no primeiro Relatório Anual
sobre o Estado de Direito publicado no fim de setembro pela Comissão
Europeia. Muitos países do bloco têm altos padrões de Estado de Direito, mas
“também existem desafios importantes”, informou em nota a Comissão, ao anunciar
o documento.
Ainda
segundo a nota, “cada cidadão merece ter acesso a juízes independentes,
beneficiar-se de meios de comunicação livres e pluralistas e confiar no
respeito a seus direitos fundamentais”. Mas essas condições nem sempre foram
verificadas durante o levantamento. É relevante ter uma visão geral dos
problemas e de suas interligações, disse a Comissária de Valores da UE, Vera
Jourova, ao comentar os “desafios importantes” mencionados no relatório. Essas deficiências,
acrescentou, “muitas vezes se fundem num coquetel intragável”.
O
veto apresentado na segunda-feira passada impediu a aprovação de um pacote de
750 bilhões de euros, projetado para facilitar a recuperação depois da crise de
2020 e para reforçar as ações de combate à pandemia.
O
acordo sobre as condições para a liberação de recursos havia sido formalizado,
na semana passada, entre o governo alemão, em nome da maioria dos governos
nacionais, e o Parlamento Europeu.
O
impasse a respeito do orçamento plurianual e do pacote de recuperação é mais
que um problema financeiro. É um tropeço numa experiência política voltada para
a valorização da democracia e da cooperação regional. Essa história começou
pouco depois de encerrada a 2.ª Guerra Mundial, quando a Europa cuidava das
feridas e tentava, ao mesmo tempo, criar os alicerces para um futuro de paz e
de integração.
A
criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, oficializada em 1950, foi o
primeiro passo. Em 1957 foi instituída pelo Tratado de Roma a Comunidade
Econômica Europeia, o Mercado Comum Europeu.
O
Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 1993, ampliou os objetivos
da integração. Novos acordos multiplicaram as possibilidades de cooperação
produtiva, comercial, científica tecnológica, num ambiente de livre circulação
de pessoas, padrões básicos de direitos e objetivos ambientais comuns. A
valorização dos direitos e liberdades foi sempre a base mais importante dessa
experiência – até a instalação da extrema direita em alguns dos últimos países
admitidos no bloco. O impasse com os governos da Polônia e da Hungria é o
exemplo mais claro desse novo obstáculo.
O Brasil cada vez mais isolado – Opinião | O Estado de S. Paulo
Na
Cúpula do Brics, Bolsonaro reforça narrativas que isolam ainda mais o País.
O presidente Jair Bolsonaro ainda não assimilou bem a derrota de seu ídolo, o presidente norte-americano, Donald Trump, e não compreende as mudanças no cenário internacional que advirão da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden. Ou talvez já enxergue Trump como um ex-presidente e creia ser seu herdeiro como o novo porta-voz do antimultilateralismo. É o que se depreende da participação do presidente brasileiro na 12.ª Cúpula do Brics. Seja qual for o caso, se Bolsonaro não mudar sua forma de governar, o Brasil ficará cada vez mais isolado no mundo.
Na
reunião de cúpula com os presidentes Xi Jinping, da China, Cyril Ramaphosa, da
África do Sul, Vladimir Putin, da Rússia, e o primeiro-ministro da Índia,
Narendra Modi, Bolsonaro voltou a dizer que o Brasil é vítima de
“injustificáveis ataques” em relação à proteção da Floresta Amazônica, dando a
entender que inconfessas motivações políticas e comerciais se sobrepõem às
evidências científicas que revelam que, de fato, o desmatamento e as queimadas
ilegais têm aumentado em grande medida porque o governo federal tem sido
leniente no combate aos crimes ambientais.
Ao
seguir negando a existência do problema, Bolsonaro interdita os canais para o
diálogo e a cooperação que são essenciais para a proposição de soluções, tanto
no ambiente doméstico como no exterior. O País só perde com isso.
O
presidente brasileiro usou a cúpula para acusar países críticos à política
ambiental de seu governo de importarem madeira extraída ilegalmente da
Amazônia. “Estaremos revelando nos próximos dias países que têm extraído
madeira de forma ilegal. E alguns desses países são os mais severos críticos ao
meu governo no tocante a essa Região Amazônica. Creio que depois dessa
manifestação (a divulgação da lista) que interessa a todos, por que não dizer,
no mundo, essa prática diminuirá em muito”, disse Bolsonaro.
Fato
é que o mercado brasileiro de madeiras é marcado por ilegalidades, sobretudo no
que se refere à exportação. Entretanto, para que não caia ainda mais em
descrédito, seria bom se Bolsonaro, de fato, já houvesse apresentado a lista e
as evidências das acusações que fez desta vez. Ocorre, porém, que o presidente
tem o pernicioso hábito de denunciar sem apresentar evidências ou provas.
Convém lembrar que em março o presidente disse que provaria “em breve” que as
eleições de 2018 foram fraudadas. Até hoje não se tem notícia das provas da tal
“fraude” na eleição que o consagrou.
Sem
constrangimento ou autocrítica, Bolsonaro também atacou a Organização Mundial
da Saúde (OMS) pelo que chamou de “politização do vírus”, em referência à
condução da pandemia de covid-19. Ora, se há alguém que politizou a emergência
sanitária em defesa de seus interesses políticos foi o presidente brasileiro,
emulando o discurso de seu ídolo Trump.
Sem
citar Jair Bolsonaro, o presidente chinês, Xi Jinping, fez um contraponto
durante seu discurso na Cúpula do Brics, não apenas em defesa da OMS, mas
também em prol da cooperação entre as nações como meio apto a superar a crise
sanitária e arrefecer as tensões comerciais. A propósito, Bolsonaro defendeu
mudanças na Organização Mundial do Comércio (OMC). “A reforma da OMC é
fundamental para a retomada do crescimento econômico global”, afirmou. A este
respeito, não está errado.
É
lamentável a posição que hoje o País ocupa no concerto das nações, praticamente
um pária internacional pela má condução da pandemia e pela beligerância de
Bolsonaro em relação à agenda ambiental. Em entrevista ao jornal O Globo e
à TV Globo, o ex-presidente Barack Obama reconheceu que, “no passado, o Brasil
foi líder em relação a isso (a definição de políticas de preservação do meio
ambiente) e seria uma pena se deixasse de ser”. O País já não é essa liderança.
Obama foi apenas elegante.
Com
a autoridade que conquistou em seus oito anos na Casa Branca, Obama ofereceu
uma saída para o País. Em sua visão, a eleição de Joe Biden “é uma oportunidade
de redefinir” a relação entre o Brasil e os EUA e o lugar do País na nova ordem
global. O caminho está dado.
Governos precisam se preparar para segunda onda de Covid – Opinião | O Globo
Pelo
menos 15 estados já mostram tendência de aumento no número de infecções pelo
novo coronavírus
São
inequívocos os sinais de que uma segunda onda de Covid-19 se aproxima, enquanto
o Brasil não se livrou ainda da primeira. Após um período de estabilidade ou
queda na maior parte dos estados — o que contribuiu para que os brasileiros
relaxassem na prevenção —, os números voltam a preocupar. Segundo o último
boletim do sistema InfoGripe, da Fiocruz, 15 das 27 unidades da Federação têm
pelo menos uma região com tendência de alta. O Imperial College de Londres
informou ontem que a taxa de contágio voltou a subir no país e está acima de 1,
patamar que caracteriza epidemias em expansão.
Nos
dois estados que concentram o maior número de infecções e mortes — São Paulo e
Rio —, os hospitais soaram o alarme. Na segunda-feira, o governo paulista
verificou crescimento de 18% nas internações por Covid-19 nas redes pública e
privada. Na capital fluminense, 97% dos leitos para Covid-19 nas UTIs
municipais estavam ocupados na semana passada. Nas unidades federais e
estaduais, a taxa beirava os 80%. A situação nos hospitais particulares não é
muito diferente.
A
segunda onda já é realidade na Europa e nos Estados Unidos. Governos precisam
se preparar. Autoridades que se precipitaram, ao desmontar hospitais de
campanha e ao desativar leitos para Covid-19, devem rever estratégias. Da mesma
forma, os planos de flexibilização que permitiram a reabertura de quase todas
as atividades precisam ser reavaliados à luz dos novos números. Mesmo que a
letalidade não seja comparável à do início da pandemia, o exemplo europeu
mostra que a segunda onda também pode ter impacto dramático no sistema de
saúde.
O
governo federal não se moverá. Fiel ao negacionismo, ao desprezo pela Ciência e
pela vida, o presidente Jair Bolsonaro já disse que o Brasil “tem que deixar de
ser um país de maricas”e enfrentar a doença de peito aberto. Noutra ocasião, se
referiu à possibilidade de uma segunda onda como “conversinha”. Em seu estilo
belicoso, ao discursar ontem na cúpula do Brics, Bolsonaro criticou a OMS,
disse que ela pratica um “pretenso monopólio do conhecimento” e precisa de
reformas .
Governadores
e prefeitos têm autonomia para adotar medidas de restrição levando em conta o
melhor para a população. Para afastar o risco de quarentenas desastrosas para a
economia, precisam ter mais rigor com distanciamento e uso de máscaras,
implantar testagem e rastreamento intensivos. Sobretudo, não devem atrelar as
decisões ao fim do segundo turno — o vírus não respeita calendário eleitoral.
Em
meio à preocupação, as pesquisas com vacinas trazem esperança. Pfizer/BioNTech
e Moderna divulgaram números de eficácia animadores na fase final de seus
testes (90% e 95%, respectivamente). Há outros estudos promissores. Mas,
enquanto as vacinas ainda são uma promessa, não se pode agir como se a pandemia
tivesse acabado. Falta pouco, mas ainda é preciso manter a disciplina e a
paciência. Governadores e prefeitos sabem o que fazer. Só precisam agir.
Naufrágio eleitoral do PT permite renovação da esquerda nas urnas – Opinião | O Globo
Com
massacre em São Paulo e baixa adesão nacional, o partido sofre por ainda
depender da figura de Lula
A
eleição municipal não foi boa para o PT, maior partido da esquerda brasileira e
um dos protagonistas da política nacional desde a redemocratização. Embora, nos
votos para prefeito, a situação não tenha sido tão dramática (ficou estável,
com 6,8% do total, ante 6,6% em 2016), o partido perdeu 75 das 254 prefeituras
que tinha, queda de 30%. No reduto paulista, reduziu-se a apenas duas vitórias
no primeiro turno. Na cidade de São Paulo, que já governou três vezes, o
candidato petista, Jilmar Tatto, ficou num humilhante sexto lugar, com 8,6% dos
votos. Na leitura mais generosa, a legenda não reagiu ao mergulho no precipício
de 2016, depois de ter recebido o aval de 16,6% do eleitorado em 2012.
O
desgaste do PT — resultado dos 13 anos no poder, mensalão, petrolão e do
descalabro econômico do governo Dilma Rousseff — abriu espaço a novas
lideranças da esquerda, algumas com o beneplácito do próprio Lula. Um exemplo é
Guilherme Boulos, do PSOL. Com apenas 17 segundos no horário eleitoral, passou
ao segundo turno contra o atual prefeito paulistano, Bruno Covas. Outro é
Manuela D’Ávila, candidata do PCdoB em Porto Alegre, que vai ao segundo turno
contra o candidato do MDB, Sebastião Melo.
Em
abril de 2018, do alto do carro de som no Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo, no comício de “resistência” que patrocinou antes de ser preso, Lula
ungiu os dois como novas lideranças da esquerda. Manuela e Boulos disputaram a
eleição presidencial e tiveram exposição nacional. No dia 29, ela defenderá a
tradição da esquerda gaúcha, enquanto ele, líder de sem-tetos paulistano,
tentará sair do gueto da Zona Oeste, onde é o preferido de artistas,
intelectuais e frações da classe alta.
Mesmo
no Recife, onde a petista Marília Arraes passou ao segundo turno, ela
enfrentará outro nome de esquerda, João Campos, do PSB, filho de Eduardo
Campos, morto em desastre aéreo na campanha de 2014. Os dois são primos. Ela,
neta de Miguel Arraes; ele, bisneto. Fazem parte de uma linhagem tradicional na
esquerda pernambucana. A disputa não ofusca a renovação estadual nesse campo
político.
Dois
cenários são possíveis para a esquerda depois destas eleições. No primeiro, o
futuro passa longe do PT, e partidos como PSOL ou PCdoB conquistam maior
expressão nacional a partir dos governos locais que conseguirem obter. No
segundo, para manter o domínio, o PT precisa reagir e se renovar. O desafio é
superar a figura de Lula, sobre a qual recai a sombra do maior escândalo de
corrupção desvendado na história brasileira — e da qual o petismo ainda
depende. Não será trivial. Criado em 1980 em torno dele, o PT nunca deu espaço
a discordâncias com o chefe. Nem ele fez sucessor interno. O preço vem sendo
pago nas urnas.
Repique paulista – Opinião | Folha de S. Paulo
Aumento
das internações por Covid-19 ocorre em momento particularmente delicado
São
inquietantes os indicadores recentes da evolução da Covid-19 no estado de São
Paulo. Como um avião que arremete por não encontrar boas condições de pouso, o
número de internações provocadas pela doença voltou a subir nas redes pública e
privada após ter passado por período de queda sustentada.
De
acordo com o Info Tracker, sistema de monitoramento desenvolvido por
pesquisadores da USP e da Unesp, os hospitais municipais da capital tiveram, de
7 a 13 de novembro, elevação de 9% nas internações. Na Baixada Santista, o
aumento foi de 23%, e na região norte da Grande São Paulo, de 37%.
Ademais,
ao menos seis instituições particulares paulistanas registraram, em diferentes
proporções, alta das hospitalizações no início de novembro. No estado, segundo
dados oficiais, a média diária de internações em razão da doença cresceu quase
18% na última semana, passando de 859 para 1.009.
Embora
seja prematuro falar em nova onda de Covid-19, o repique da enfermidade
preocupa por ocorrer num momento
particularmente sensível do sistema de saúde.
De
um lado, os leitos públicos estaduais destinados aos acometidos pelo Sars-CoV-2
têm sido desativados. De outro, a rede privada registra grande ocupação de
pacientes de outros males que haviam adiado cirurgias e diferentes
procedimentos no auge da epidemia.
A
causa mais provável do fenômeno é o relaxamento das medidas preventivas
—isolamento, uso de máscaras e distanciamento físico— por parte da população.
Um
comportamento mais permissivo pode ser explicado pela desinformação; em boa
medida, entretanto, algum relaxamento de regras e condutas, depois de tanto
tempo, seria inexorável.
Desde
meados de outubro, regiões em que residem 76% dos paulistas passaram à fase
verde do plano que define os estágios para a volta do comércio e de outros
serviços. Penúltima etapa das restrições, ela permite a reabertura controlada
de quase todas as atividades, inclusive cinemas e teatros.
Não
à toa, o governo estadual, que inicialmente negou o recrudescimento da
epidemia, logo mudou o discurso e corretamente suspendeu a passagem de novas
áreas a essa fase, prevista para esta semana.
O
quadro atual gera ainda mais apreensão devido à chegada das festas de fim de
ano, quando os deslocamentos e reuniões familiares podem vir a ocasionar novos
surtos. Já se tem notícia, inclusive, de grandes festas programadas para
ocorrer no litoral.
Não
é o momento de abandonar os cuidados. Da população, espera-se responsabilidade
e compreensão do momento atípico vivido; das autoridades, vigilância e firmeza,
além de uma atitude previdente.
Cordão sanitário – Opinião | Folha de S. Paulo
Forças
acertam em distinguir entre seu papel institucional e o governo Bolsonaro
O
que se convencionou chamar de ala militar da administração Jair Bolsonaro
compreende perspectivas e interesses heterogêneos. Entre fardados do serviço
ativo, em particular, transparece o incômodo com a visão de que governo e
caserna formam um corpo único.
A
responsabilidade, obviamente, é daqueles oficiais-generais que emprestaram
credibilidade a um capitão reformado conhecido por sua indisciplina. Não foi,
convém destacar, um apoio unânime —a adesão ao projeto bolsonarista teve sua
maior intensidade no Exército e menor na Aeronáutica.
Mas
a bênção dada ao candidato pelo Alto-Comando do Exército em 2018 e a
consequente ocupação de postos-chave do governo por militares cimentou a união.
O
presidente usou a carta fardada por diversas vezes, chegando ao paroxismo das
insinuações golpistas do primeiro semestre deste ano, ora moduladas pela
composição com o centrão enquanto a Justiça cercava a família de Bolsonaro.
Os
militares foram recompensados. Gastos em seus programas foram preservados, e
uma reforma previdenciária e de carreira sob medida foi entregue a eles. Além
de 9 de 23 ministros, 2.900 membros da ativa estão no governo, e o número mais
que dobra se forem contados os da reserva.
Mas
o mal-estar com o presidente se acentuou após atritos com setores ideológicos
do gabinete e, mais recentemente, com a declaração destrambelhada sobre a
necessidade de “ter pólvora” diante do risco de sanções ao Brasil após a
vitória de Joe Biden nos EUA.
Foi
com grande atraso que o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, explicitou na
semana passada o óbvio —que lugar de fardado não é na política,
e ela não deve adentrar nos quartéis, como pontificou em debate público.
Mensagem do
mesmo teor foi assinada no sábado (14) pelo ministro Fernando
Azevedo, da Defesa, e pelos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. “O
único representante político das Forças Armadas, como integrante do governo, é
o ministro da Defesa”, afirma-se no documento conjunto.
É
bem-vindo esse cordão sanitário, a despeito de militares da ativa —como o
ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello— permanecerem em cargos importante
da administração federal.
Quanto
mais clara a distinção entre a missão institucional das Forças e a agenda do
ocupante do Palácio do Planalto, melhor para o país.
Corte do auxílio emergencial já leva a aumento da pobreza – Opinião | Valor Econômico
É
insensato retirar a rede de proteção em momento em que a economia ainda patina
No
momento em que se discute o futuro do auxílio emergencial, estudo do
pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), Daniel Duque, dá a
dimensão eloquente do impacto positivo do benefício, que não só ajudou a tirar
a economia do abismo em que mergulhou, como também teve o efeito poderoso de
reduzir a pobreza para o menor patamar em nada menos do que 40 anos. A redução
do auxílio dos R$ 600 iniciais para os R$ 300 atuais já está pondo a perder
parte dessa conquista. A eventual extinção pura e simples do benefício, sem
nada que beneficie ao menos parte da população vulnerável, em um ambiente de
emprego ainda escasso e educação insatisfatória, representaria uma séria volta
atrás.
O
levantamento de Daniel Duque mostrou que a concessão do auxílio emergencial
levou a pobreza, em agosto, para a menor taxa desde a década de 1980. A faixa
da população na extrema pobreza, que vivia com menos de US$ 1,9 por dia, de
acordo com a definição do Banco Mundial, caiu para 2,3%, o equivalente a 4,8
milhões de pessoas. Os números são praticamente metade dos registrados em maio,
um dos momentos mais agudos da crise, quando 4,2% da população viviam em
extrema pobreza, ou 8,8 milhões de pessoas.
Já
o segmento considerado pobre, com renda diária inferior a US$ 5,5 também pelo
parâmetro do Banco Mundial, era de 18,4% da população, ou 38,9 milhões de
pessoas em agosto, bem abaixo dos 23,7% de maio, ou 50 milhões de pessoas.
A
pobreza voltou infelizmente a aumentar agora em setembro, com o corte do
auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300. A taxa da extrema pobreza subiu para
2,5% da população, englobando 5,2 milhões de pessoas, ou 400 mil a mais do que
no mês anterior. Enquanto a faixa vivendo na pobreza aumentou para 19,4% da
população, equivalente a 41,1 milhões de pessoas, ou nada menos do que 2,2
milhões a mais - a população de Manaus ou quase uma Belo Horizonte.
Os
indicadores foram calculados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) Covid, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A deterioração dos índices deve piorar nas contas de
outubro em diante uma vez que, em setembro, algumas pessoas ainda receberam o
auxílio emergencial mais elevado. Em entrevista, o pesquisador Daniel Duque
disse que a situação dos mais pobres será na prática ainda pior em consequência
do aumento da inflação, que vem atingindo principalmente os alimentos.
Apesar
de as pesquisas brasileiras a respeito do tema terem variações de metodologia e
abrangência ao longo do tempo, o Ibre/FGV avalia que o pagamento do auxílio
emergencial reduziu a miséria da população em agosto ao menor nível desde o
início da década de 1980. A área rural da região Norte não era bem coberta e o
levantamento passou a ser realmente nacional em 2004. Até então, o melhor
momento havia sido em 2014, quando a população em extrema pobreza representava
4,5% do total ou pouco mais de 9 milhões de pessoas, e viviam abaixo da linha
da pobreza 22,8%, ou 46,2 milhões.
Depois
disso, dois anos de recessão no fim do governo da presidente de Dilma Rousseff
deterioraram o quadro, levando a extrema pobreza a afligir 13,3 milhões de
pessoas ou 6,5% da população, e a pobreza, 52,2 milhões, ou 25,5% em 2016, para
então começar uma lenta recuperação. Depois disso, a taxa da extrema pobreza
ficou estável em 6,5%, mas como a população aumentou, mais pessoas caíram na
armadilha. Assim, o total de extremamente pobres era de 13,7 milhões em 2019 ou
400 mil a mais do que em 2016. Já os pobres recuaram para 24,7% em 2019, mas
somavam 52,1 milhões de pessoas, apenas ligeiramente abaixo do número de 2016.
Compreensivelmente é impossível manter para sempre o auxílio emergencial com a abrangência e o calibre iniciais até por conta da frágil situação fiscal. Mas também não se pode ignorar o impacto positivo do benefício da retomada do nível de atividade. É igualmente insensato retirar a rede de proteção em momento em que a economia ainda patina e o mercado de trabalho custa a reagir. Dados mais recentes da Pnad Contínua de agosto mostram uma taxa de desemprego de 14,4% no trimestre encerrado em agosto, bem acima dos 11,7% do fim de 2019. A perspectiva é que vai aumentar ainda mais, antes de diminuir. Assim, uma solução para a situação demanda uma atuação em várias frentes, incluindo a educação.
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