Recentemente,
um trabalho acadêmico mostrou como a cor da pele vai escurecendo na medida em
que se segue da Zona Sul para a periferia no Rio de Janeiro. Mas o estudo não
diz que o número de anos de escolaridade vai diminuindo quando se caminha dos
bairros nobres para os bairros pobres. Não é apenas a cor que escurece, é
também o apagão educacional que vai se intensificando. Não deve haver
analfabeto entre jovens de Ipanema e a maior parte deles estuda ou já concluiu
algum curso superior. Na periferia, ainda é grande o número de analfabetos plenos
ou funcionais, e são raros os que fazem cursos universitários, especialmente os
mais demandados. A perversa geografia do racismo se sobrepõe e decorre da
geografia e do apagão educacional. As pessoas veem a geografia do racismo sem
perceberem que ela deriva do nível educacional a que as populações pobres foram
condenadas. Além dos resquícios da escravidão, a geografia das raças é
consequência da geografia da educação.
O apagão
educacional é a causa do atraso econômico e da desigualdade social. Isso não é
percebido porque o apagão educacional provoca o analfabetismo político, que
esconde a causa de nossos problemas nacionais. Por não perceberem isso, alguns
bem intencionados propõem superar a desigualdade educacional apenas com
incentivos para ingresso no ensino superior, sem cuidar da educação de base
para todos. Não percebem, ou não dizem, que isso beneficiará raríssimos e mesmo
estes não entrarão nos cursos mais procurados e de maior prestígio. E mesmo estes
raríssimos não conseguem acompanhar as exigências de seus cursos, se não
tiveram boa educação de base.
Em
reportagem para o programa Fantástico, da TV Globo, a jornalista Sônia Bridi
apresentou, de forma enfática, a discriminação educacional no Brasil, mostrando
que cada brasileiro, desde cedo, tem acesso a uma das três escadas sociais: uma
tradicional de cimento, que permite a poucos gênios ascenderem com muito
esforço; outra moderna rolante, que leva para cima com pouco esforço; e uma
terceira, moderna rolante, mas que roda no sentido contrário ao propósito da
subida.
A
primeira é a escola sem qualidade em uma cidade tranquila para filhos de pais
com alguma motivação para o estudo dos filhos; a segunda é a escola de
qualidade em bairros protegidos e casas com pais educados; a terceira é aquela
que atende aos meninos e meninas em quase-escolas com pais sem educação, em
bairros sem serviços públicos e com violência.
Estas
três escadas, em funcionamento há décadas, não vão eliminar o apagão. Nem mesmo
um Ministério temos ao qual recorrer, porque nosso Ministério da Educação cuida
do Ensino Superior e do Ensino Profissionalizante, deixando as 200 mil escolas
por conta e responsabilidade dos municípios pobres e desiguais.
Diante
do apagão visível no Amapá, o Brasil inteiro se mobilizou, mas não se mobiliza
para superar o apagão invisível da educação.
A
solução conhecida é deixar uma só escada moderna para todos os brasileiros,
independentemente da renda, do endereço, da cor: um só sistema educacional ao
qual tenham acesso ricos ou pobres, brancos ou negros, habitantes de bairros
nobres ou da periferia, com todas suas escolas com a máxima qualidade, todos
seus professores muito bem remunerados, bem formados e com dedicação exclusiva
ao magistério, contando com edificações completas e equipamentos modernos, em
horário integral.
A
perversa geografia da desigualdade só será vencida quando acabar a mais brutal
das geografias, da desigualdade educacional, a mãe de todas as desigualdades.
Mas isso não ocorrerá enquanto nossos dirigentes, eleitos e eleitores, não perceberem
o apagão educacional que faz do Brasil um buraco negro, que não mostra sua
falta de luz, mantendo o apagão invisível e escondendo as causas que o apaga.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Nenhum comentário:
Postar um comentário