Teria
sido nessa passagem festiva do 2019 para o 2020 que o Covid se espalhou,
contaminando cidadãos distraídos pela alegria nas praças, nas ruas,
em clubes, nos estádios e até em residências particulares. Gente chegando e
saindo. Resultado, no Brasil: dos mais de 5,8 milhões diagnosticados, 160 mil
morreram. Com o isolamento, 5 milhões de empregos desapareceram. O Produto
Interno Bruto caiu 9,7 %, e o endividamento público aproxima-se de 100% desse
mesmo PIB. Os investimentos despencaram em 73%, e a Lei do Orçamento de
2021 encontra-se presa no Congresso. Anuncia-se para abril sua aprovação. Há um
vácuo aí nesse meio.
A
pandemia acelerou o uso de tecnologias substitutivas do trabalho
convencional e dos processos produtivos. O número de empresas nas áreas
tecnológicas ganhou velocidade a ponto de o governo acreditar que, em 2021, o
PIB vai reverter a atual tendência de queda. Registros da Confederação Nacional
do Comércio indicam, entretanto, que nos últimos 12 meses foram fechadas
próximo de 12 milhões de vagas de trabalho. No mundo, projeta-se para os
próximos cinco anos a perda de 85 milhões de empregos, substituídos por
essas inteligências artificiais. Por aqui, o número de beneficiários do
auxílio emergencial em alguns estados brasileiros já é maior do que o de
empregados com carteira assinada.
O
mercado de trabalho formal no Brasil representa pouco mais de 50 milhões de
empregos. O Banco Central constata que 68% das grandes e médias empresas aceleraram
a automação dos processos e tarefas, mesmo sabendo que somente 36,9% dos
trabalhadores tem habilidades digitais e apenas 16,5% tem educação avançada. O
empreendedorismo informal, de subsistência, cresceu de fato, mas não o suficiente.
A saída
desse cenário vai ser muito difícil. Daí a importância do auxílio
emergencial. Mas, é complicado. O governo vem tentando reduzir os valores.
Passou da ajuda individual de R$ 600,00 para R$ 400,00, depois para R$
200,00. A seguir, o Congresso rejeitou a proposta alternativa de R$ 300, e a
aumentou o auxílio para R$ 500. A ajuda do Governo, com a instituição
temporária do tal de coronavoucher, não apenas tirou milhões da pobreza absoluta
como alimentou uma inibida dinâmica comercial, sobretudo, nas áreas mais pobres
do Nordeste.
Ninguém
se lembrou do alerta de Luiz Gonzaga: “Uma esmola para o homem que é são, ou
lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
A
situação não é tão simplória assim como dizia o rei do baião. Existe, de fato e
historicamente, uma vulnerabilidade tolerada ou mal assistida. Josué de
Castro chamou-a de “geopolítica da fome”. No Brasil, convive-se com ela,
ignorando-a. Milhões não tem nenhuma renda. A ajuda criada no governo Fernando
Henrique e ampliada pelo governo Lula, encostou Bolsonaro na parede, ao ter
agravados, pela pandemia, os índices de pobreza no País. Mas, tem prazo
no Orçamento para acabar. O caso é que por estas bandas, o temporário
torna-se sempre permanente. Tirar a ajuda, que chega a representar 40 % do
PIB em alguns municípios e 80 da renda familiar no interior do Nordeste,
poderá fazer milhões de brasileiros retornar ao estado de carência anterior
à pandemia.
A
questão é se existe na política fiscal elasticidade para tanto. Não faltaram,
nessas eleições defensores do rompimento com o teto dos gastos públicos.
Estudos da Universidade Federal de Pernambuco demonstram que o custo total do
auxílio emergencial deve chegar a R$ 260 bilhões até o final de 2020. O segredo
está em descobrir quem vai pagar a conta. O governo está de olho nos segmentos
produtivos e financeiros. A euforia das festas de fim de ano cede aos poucos à
preocupação do que poderá ocorrer em seguida. Efetivamente, só em abril se
saberá do rombo nas contas públicas.
Para o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, teoricamente, a saída da
crise tende a ser mais inclusiva, com governos de todo o mundo reforçando suas
políticas sociais. A formulação ampara-se em diálogos com a sociedade. Mas o
que se vê por aqui é a ressurreição da voracidade especulativa sobre os preços,
aproveitando-se desse cenário angustiante para o cidadão, frágil para o Governo
e até desonroso para o País.
Não há samba que resista, nem mesmo o da grande Portela.
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