A
política no Brasil está no campo da moderna complexidade. As eleições
municipais são um momento decisivo desse processo de ordem-desordem das
relações políticas
Quem
foi aluno de cursinho do falecido professor Manoel Maurício de Albuquerque, um
expurgado do Instituto Rio Branco pelo regime militar, antes de qualquer aula
sobre História do Brasil, aprendia a diferença entre uma totalidade simples e
uma totalidade complexa. Ele desenhava um círculo com quatro traços verticais e
pedia que um dos alunos o descrevesse em voz alta. Depois, desenhava o mesmo
círculo e dispunha os demais elementos na posição da boca, do nariz e dos
olhos. O primeiro representava a totalidade simples; o segundo, a complexa.
Mais Paulo Freire, impossível.
Na
sociologia moderna, a discussão é mais complicada. Newton consolidou o
paradigma cartesiano de totalidade complexa a partir da lei da gravitação
universal. Daí resultam conceitos que buscam separar a mente e o corpo, a
verdade objetiva externa do observador, a estrutura dividida em parcelamentos e
a noção de tempo flecha, entre outros. Trata-se da ideia de que a natureza tem
uma ordem dada e, para decifrá-la, é preciso esquartejá-la em pequenos pedaços,
mensuráveis.
O
moderno paradigma da complexidade é mais complicado, surge da mecânica quântica
e da teoria da relatividade, muda o entendimento da relação entre tempo e
espaço, considera inseparável o sujeito do objeto e usa modelos matemáticos não
lineares. Não existe uma estrutura dada, mas uma tensão entre equilíbrio e
desequilíbrio, auto-organização e caos, com forças de atração e dissipação. O
princípio da separação não morreu, mas é insuficiente. É preciso separar,
distinguir, mas também é necessário reunir e juntar. O princípio da ordem
renasce na ordem-desordem-organização. Morre o princípio da simplificação e da
redução, jamais chegaremos ao conhecimento de um todo a partir do conhecimento
dos elementos de base.
No
exemplo do Maneco, a chave da transformação era a mão de quem reorganizou os
pauzinhos, ou seja, o trabalho direto. Agora, é mais complicado. A crise que
enfrentamos resulta da modernização da sociedade e de suas estruturas de
produção, com novos problemas, como a ressignifição do trabalho na sociedade do
conhecimento, a separação entre o conhecimento e a consciência pela
inteligência artificial, o novo papel das escolas, as novas relações entre a
produção do conhecimento científico e tecnológico com o Estado, as
universidades, empresas, mercado e a sociedade em geral. A tensão resultante de
tudo isso deságua na política, cujas estruturas de representação se originaram
na velha ordem das coisas e têm dificuldades para encontras as soluções. Boa parte
dos problemas que enfrentamos no Brasil resulta desse processo — são de ordem
objetiva — e de nossas seculares desigualdades e injustiças sociais, mas são
agravados pela tentativa de simplificação desses problemas e da busca de
soluções toscas, de um subjetivismo que nega a ciência e se baseiam no senso
comum. A pandemia, por exemplo, resulta de um dos grandes fenômenos da criação:
o encontro de um vírus com uma bactéria, que provoca uma mutação genética.
Desprezar a ciência para enfrentá-la é uma derrota por antecipação.
Já
no Rio de Janeiro, o prefeito Marcello Crivella (Republicanos) conseguiu a
proeza de isolar as lideranças evangélicas, que aparelharam a administração e
fracassaram como modelo para a ideia retrograda de governos teológicos. Tudo
indica que Eduardo Paes (DEM) já está praticamente eleito, com apoio de toda a esquerda,
inclusive do principal líder político do PSol, Marcelo Freixo, o que sinaliza
uma tendência de frente única contra um inimigo comum cuja matriz está na
eleição de Negrão de Lima (PSD), na antiga Guanabara, em 1965, a tática que
ensinou a oposição o caminho para derrotar o regime militar. É uma tendência a
se observar em 2022, principalmente no segundo turno.
Nada, porém, é mais surpreendente do que a disputa no Recife, entre Marília Arraes (PT) e João Campos. (PSB), um embate no campo da esquerda tradicional, entre a neta e o bisneto do ex-governador Miguel Arraes, na qual emerge uma inusitada aliança entre petistas e toda direita pernambucana, para quebrar a longa hegemonia do velho clã pernambucano, apoiando uma liderança dissidente da própria família para implodi-lo. Se levasse em conta essas e outras disputas, e os resultados do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro veria diante de si a travessia de um grande deserto. A complexidade do novo cenário político é como o enigma da esfinge de Tebas: “Decifra-me ou te devoro”. Não se resolve somente reposicionando os pauzinhos.
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