Esse
é o diagnóstico do cientista político José Álvaro Moisés. Para o professor
titular da USP, há uma reacomodação dos partidos e de lideranças que têm
tradição política. “A pandemia levou a perceberem que você precisa do Estado,
da política”, afirma.
Valor: Qual
é a avaliação que o senhor faz da eleição no geral e em São Paulo, em
particular?
José
Álvaro Moisés: Não apenas a onda conservadora e da nova política perdeu
impulso, como há reacomodação dos partidos, entre os quais o PSDB, o DEM, o
MDB, o PSD. Nessa reacomodação, lideranças que têm tradição política, ao
contrário de 2018, têm sucesso. É nesse contexto que vejo o desempenho de
Covas. Ele tem se beneficiado pelo que fez em vários aspectos, mas,
principalmente, no que diz respeito ao papel da prefeitura no caso da pandemia.
E a performance de Boulos foi muito boa. Ele se torna muito competitivo. O
resultado tem uma vantagem: vai exigir que o debate sobre o destino da cidade
se aprofunde.
Valor: Como
o senhor vê a chegada de Boulos ao segundo turno, com um desempenho
surpreendente, se consideradas as pesquisas?
Moisés: Boulos
cresceu no voto jovem. É provável que Covas tenha perdido parte dos votos dos
mais velhos por causa da pandemia. Significa também que se restaura o confronto
entre uma posição de centro moderado e de esquerda, como existia entre PSDB e
PT. O Psol é uma opção que busca se consolidar na direção da esquerda, sem o
ranço hegemonista que caracterizou o PT.
Valor: Covas
vai ter de caminhar para a direita?
Moisés: Vai
ter que buscar novos segmentos do eleitorado, de Russomanno e de [Márcio]
França [PSB].
Valor: Boulos
e Manuela D’Ávila (PCdoB), que foi ao segundo turno em Porto Alegre, adotaram
tom moderado. Isso os torna mais competitivos?
Moisés: Reflete
visão crítica em relação às coisas que aconteceram com o PT. Não adianta
radicalizar numa posição que afasta os candidatos de esquerda da mediana dos
eleitores. Nesses dois casos, identifico preocupação de deixar claro um
compromisso com a democracia. Além dessa marca, [apresentam] uma retomada do
objetivo de enfrentar as desigualdades sociais.
Valor: Como
o senhor vê a disputa no Rio, entre o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e o
prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), apoiado por Bolsonaro?
Moisés: O
quadro do Rio se aproxima do de São Paulo e se afasta. Ao contrário do que
acontece em muitas capitais, Crivella não é o favorito para se reeleger. Isso
afasta. O que aproxima? Você tem um candidato que chega bem situado, o Paes. As
duas candidaturas [Covas e Paes] se situariam numa posição mais de centro
moderada.
Valor: O
capital político do presidente diminui? Apoiados seus, como Russomanno, em São
Paulo, se saíram muito mal no primeiro turno.
Moisés: O
auxílio emergencial oferece base para que eleitores aprovassem, no imediato, a
política do presidente. Mas quando o eleitor é colocado numa perspectiva de
médio e longo prazos - quem vai governar as cidades -, o resultado é negativo.
Vários atores se afastaram de Bolsonaro, e aqueles que ficaram colados sofreram
os resultados da avaliação negativa que ele tem nas principais capitais. A meu
juízo, relacionada com a condução que deu para a pandemia, mas também para
aspectos que se referem ao posicionamento em relação às instituições
democráticas.
Valor: O
enfrentamento da pandemia está no conjunto de fatores que levou o eleitor a
fazer escolhas?
Moisés: Eleição
municipal é enraizada em questões locais, mas, quando há crise dessa natureza,
se transforma num debate nacional, em que polarizam as posições de prefeitos
sobre a ausência de coordenação de enfrentamento pelo governo federal. Isso
sensibiliza parte dos eleitores. A pandemia levou a perceberem que você precisa
do Estado, da política, de alguém que consolide o Serviço Único de Saúde e que
adote novos mecanismos, como a compra da vacinação.
Valor: Uma
eventual vitória de Covas teria impacto no projeto presidencial de Doria?
Moisés: Covas
é um aliado, mas não é totalmente dependente dele [Doria]. É provável que Doria
vá apresentar como vitória dele, do partido, mas representa uma vitória de um
segmento do PSDB, que não necessariamente vai concordar com a perspectiva que
tinha o governador de levar o PSDB para uma posição mais à direita. Não vejo
que tenha consequência do ponto de vista do crescimento do capital político de
Doria.
Valor: O
senhor acha que houve um cansaço da “nova política”?
Moisés: Em
muitas capitais mostra-se que os candidatos à reeleição ou indicados por
prefeitos que não podem recorrer têm desempenho positivo. Poderia chamar de
certo cansaço do apelo à nova política. Haja vista o que ocorreu no Rio [Wilson
Witzel, do PSC foi afastado do governo]. A mesma coisa com o governador
[Carlos] Moisés [PSL-SC]. As denúncias da Lava-Jato criaram clima de rejeição
da política. Ao mesmo tempo, líderes dos partidos moderados não foram capazes
de responder às críticas surgidas desde 2013. Com a experiência do governo
Bolsonaro, parte do eleitorado percebeu que não é bem assim.
Valor: Qual
é a sua avaliação do desempenho do PT nestas eleições?
Moisés: Em
2016 ficou reduzido a uma capital. O PT também passa por esse processo de
reacomodação, mas sofre o rescaldo dos efeitos das denúncias sobre corrupção e
sobre os resultados da administração da ex-presidente Dilma Rousseff. Não tem
protagonismo capaz de disputar as eleições em São Paulo, no Rio, em Porto
Alegre.
Valor: No
Recife, a disputa é entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), ambos à
esquerda e da mesma família tradicional na política.
Moisés: Campos
está num campo mais moderado do que Marília. Nestas eleições há espaço maior do
que poderia ser previsível, olhando 2018, para a emergência de um centro
moderado, mais à esquerda ou pouco mais à direita.
Valor: Quem
se beneficia com os resultados destas eleições para a corrida presidencial de
2022?
Moisés: É
mais fácil ver quem perde: Bolsonaro. O PT melhorou, mas ainda não se
recuperou. Ganharam o DEM, PSDB, MDB e PSD. O potencial de crescimento da
alternativa de centro cresceu.
Valor: Quem
representaria essa alternativa ou o espírito do presidente eleito dos EUA, Joe
Biden?
Moisés: A
maioria dos nomes que se insinuam como candidatos não se envolveu na campanha.
Precisamos de alguém como Joe Biden, como você mencionou, capaz de unificar as
forças de seu partido e de se dirigir à sociedade como um todo. Mas temos uma
crise de liderança, [os presidenciáveis] não mostraram que têm grande
movimento. Podem dizer que é delicado, mas a mudança só ocorre se alguém
começar a mudar.
Valor: Qual
é o impacto das coligações proporcionais?
Moisés: Essa decisão pede que os partidos se definam melhor e que tenham relação mais direta com o eleitor. Não é mais que você coliga cinco partidos, e um que não tem contato com o eleitor se beneficia da eleição. É importante do ponto de vista da revalorização da política e da função de representação que os partidos têm.
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