sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Entrevista | José Álvaro Moisés: Centro moderado volta à cena e esquerda se recupera

José Álvaro Moisés identifica refluxo da onda da “nova política”

 Por Robinson Borges | Valor Econômico (16/11/2020)

 SÃO PAULO - O principal fator político da corrida eleitoral é a reemergência do centro moderado e da esquerda. Em São Paulo, a ida de Bruno Covas (PSDB) e de Guilherme Boulos (Psol) para o segundo turno, além do derretimento de Celso Russomanno (Republicanos), apoiado por Jair Bolsonaro (sem partido), mostram o refluxo da onda da “nova política”.

Esse é o diagnóstico do cientista político José Álvaro Moisés. Para o professor titular da USP, há uma reacomodação dos partidos e de lideranças que têm tradição política. “A pandemia levou a perceberem que você precisa do Estado, da política”, afirma.

Valor: Qual é a avaliação que o senhor faz da eleição no geral e em São Paulo, em particular?

José Álvaro Moisés: Não apenas a onda conservadora e da nova política perdeu impulso, como há reacomodação dos partidos, entre os quais o PSDB, o DEM, o MDB, o PSD. Nessa reacomodação, lideranças que têm tradição política, ao contrário de 2018, têm sucesso. É nesse contexto que vejo o desempenho de Covas. Ele tem se beneficiado pelo que fez em vários aspectos, mas, principalmente, no que diz respeito ao papel da prefeitura no caso da pandemia. E a performance de Boulos foi muito boa. Ele se torna muito competitivo. O resultado tem uma vantagem: vai exigir que o debate sobre o destino da cidade se aprofunde.

Valor: Como o senhor vê a chegada de Boulos ao segundo turno, com um desempenho surpreendente, se consideradas as pesquisas?

Moisés: Boulos cresceu no voto jovem. É provável que Covas tenha perdido parte dos votos dos mais velhos por causa da pandemia. Significa também que se restaura o confronto entre uma posição de centro moderado e de esquerda, como existia entre PSDB e PT. O Psol é uma opção que busca se consolidar na direção da esquerda, sem o ranço hegemonista que caracterizou o PT.

Valor: Covas vai ter de caminhar para a direita?

Moisés: Vai ter que buscar novos segmentos do eleitorado, de Russomanno e de [Márcio] França [PSB].

Valor: Boulos e Manuela D’Ávila (PCdoB), que foi ao segundo turno em Porto Alegre, adotaram tom moderado. Isso os torna mais competitivos?

Moisés: Reflete visão crítica em relação às coisas que aconteceram com o PT. Não adianta radicalizar numa posição que afasta os candidatos de esquerda da mediana dos eleitores. Nesses dois casos, identifico preocupação de deixar claro um compromisso com a democracia. Além dessa marca, [apresentam] uma retomada do objetivo de enfrentar as desigualdades sociais.

Valor: Como o senhor vê a disputa no Rio, entre o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), apoiado por Bolsonaro?

Moisés: O quadro do Rio se aproxima do de São Paulo e se afasta. Ao contrário do que acontece em muitas capitais, Crivella não é o favorito para se reeleger. Isso afasta. O que aproxima? Você tem um candidato que chega bem situado, o Paes. As duas candidaturas [Covas e Paes] se situariam numa posição mais de centro moderada.

Valor: O capital político do presidente diminui? Apoiados seus, como Russomanno, em São Paulo, se saíram muito mal no primeiro turno.

Moisés: O auxílio emergencial oferece base para que eleitores aprovassem, no imediato, a política do presidente. Mas quando o eleitor é colocado numa perspectiva de médio e longo prazos - quem vai governar as cidades -, o resultado é negativo. Vários atores se afastaram de Bolsonaro, e aqueles que ficaram colados sofreram os resultados da avaliação negativa que ele tem nas principais capitais. A meu juízo, relacionada com a condução que deu para a pandemia, mas também para aspectos que se referem ao posicionamento em relação às instituições democráticas.

Valor: O enfrentamento da pandemia está no conjunto de fatores que levou o eleitor a fazer escolhas?

Moisés: Eleição municipal é enraizada em questões locais, mas, quando há crise dessa natureza, se transforma num debate nacional, em que polarizam as posições de prefeitos sobre a ausência de coordenação de enfrentamento pelo governo federal. Isso sensibiliza parte dos eleitores. A pandemia levou a perceberem que você precisa do Estado, da política, de alguém que consolide o Serviço Único de Saúde e que adote novos mecanismos, como a compra da vacinação.

Valor: Uma eventual vitória de Covas teria impacto no projeto presidencial de Doria?

Moisés: Covas é um aliado, mas não é totalmente dependente dele [Doria]. É provável que Doria vá apresentar como vitória dele, do partido, mas representa uma vitória de um segmento do PSDB, que não necessariamente vai concordar com a perspectiva que tinha o governador de levar o PSDB para uma posição mais à direita. Não vejo que tenha consequência do ponto de vista do crescimento do capital político de Doria.

Valor: O senhor acha que houve um cansaço da “nova política”?

Moisés: Em muitas capitais mostra-se que os candidatos à reeleição ou indicados por prefeitos que não podem recorrer têm desempenho positivo. Poderia chamar de certo cansaço do apelo à nova política. Haja vista o que ocorreu no Rio [Wilson Witzel, do PSC foi afastado do governo]. A mesma coisa com o governador [Carlos] Moisés [PSL-SC]. As denúncias da Lava-Jato criaram clima de rejeição da política. Ao mesmo tempo, líderes dos partidos moderados não foram capazes de responder às críticas surgidas desde 2013. Com a experiência do governo Bolsonaro, parte do eleitorado percebeu que não é bem assim.

Valor: Qual é a sua avaliação do desempenho do PT nestas eleições?

Moisés: Em 2016 ficou reduzido a uma capital. O PT também passa por esse processo de reacomodação, mas sofre o rescaldo dos efeitos das denúncias sobre corrupção e sobre os resultados da administração da ex-presidente Dilma Rousseff. Não tem protagonismo capaz de disputar as eleições em São Paulo, no Rio, em Porto Alegre.

Valor: No Recife, a disputa é entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), ambos à esquerda e da mesma família tradicional na política.

Moisés: Campos está num campo mais moderado do que Marília. Nestas eleições há espaço maior do que poderia ser previsível, olhando 2018, para a emergência de um centro moderado, mais à esquerda ou pouco mais à direita.

Valor: Quem se beneficia com os resultados destas eleições para a corrida presidencial de 2022?

Moisés: É mais fácil ver quem perde: Bolsonaro. O PT melhorou, mas ainda não se recuperou. Ganharam o DEM, PSDB, MDB e PSD. O potencial de crescimento da alternativa de centro cresceu.

Valor: Quem representaria essa alternativa ou o espírito do presidente eleito dos EUA, Joe Biden?

Moisés: A maioria dos nomes que se insinuam como candidatos não se envolveu na campanha. Precisamos de alguém como Joe Biden, como você mencionou, capaz de unificar as forças de seu partido e de se dirigir à sociedade como um todo. Mas temos uma crise de liderança, [os presidenciáveis] não mostraram que têm grande movimento. Podem dizer que é delicado, mas a mudança só ocorre se alguém começar a mudar.

Valor: Qual é o impacto das coligações proporcionais?

Moisés: Essa decisão pede que os partidos se definam melhor e que tenham relação mais direta com o eleitor. Não é mais que você coliga cinco partidos, e um que não tem contato com o eleitor se beneficia da eleição. É importante do ponto de vista da revalorização da política e da função de representação que os partidos têm.

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