Muitos
creem que as eleições, nos EUA e aqui, apontam um novo caminho de centro para
2022. Faz sentido, porém, é preciso destacar que moderação política não
significa inação
Marco
Maciel, um dos políticos mais experientes do país, já dizia que uma eleição
começa quando acaba a outra. No momento atual, o debate brasileiro multiplica
esse provérbio: duas eleições recentes estão alimentando a discussão política,
a presidencial americana e a municipal daqui. Inspirados pelo enredo e
resultados de ambas, muitos acreditam que elas apontam um novo caminho para o
pleito de 2022, no qual um novo centro teria grande espaço para conquistar a
Presidência da República. A ideia faz sentido, mas é preciso evitar que ela não
se transforme numa fácil e falsa fórmula eleitoral.
Inspirar-se
efetivamente nessas duas últimas eleições seria buscar o seu sentido mais
profundo, e não ficar na superfície do fenômeno. Se isso for feito, as
descobertas irão além de um receituário para o novo centrismo, em contraposição
ao Centrão e à polarização Bolsonaro versus Lula. Trata-se de entender os
contextos, atores e projetos que deram materialidade à vitória de Joe Biden e
Kamala Harris nos Estados Unidos, bem como as razões do triunfo dos políticos
pragmáticos vencedores das eleições municipais de 2020.
De
maneira sucinta, cinco elementos advêm dessas duas experiências eleitorais como
lições para os que pretendem vencer o presidente Bolsonaro. O primeiro deles é
que o desempenho do governante de plantão é a baliza básica do jogo político,
especialmente quando ele busca a reeleição. No caso americano, a principal
escolha estratégica de Biden foi mirar nos principais erros de Trump,
colocando-se como o seu oposto nestes pontos, algo que foi facilitado pelo
rotundo fracasso federal no combate à covid-19.
Para
quem quiser seguir essa trilha, dois passos são necessários: definir quais são
os pontos mais frágeis de Bolsonaro, centrando o foco neles, e começando a se
construir como oposição a eles. Parece uma obviedade, mas o debate sobre novo
centrismo brasileiro fala pouco de oposicionismo. Lembra-se muito da
característica moderada de Biden - o que é verdade -, porém se esquece que sua
moderação veio a serviço de uma oposição que não foi montada às vésperas da
eleição.
Colocar-se
mais claramente e o mais rápido possível como oposição, especialmente centrando
a crítica nos pontos certos, é fundamental para se definir como um dos projetos
alternativos ao governo Bolsonaro. Provavelmente haverá mais de uma proposta
política em 2022, de modo que quem ficar esperando e apenas dourando a pílula
não terá identidade política junto ao eleitorado. Definitivamente, moderação
política não é inação.
Um
bom exemplo da necessidade de contrapor claramente ao poder vigente vem de um
dos mais brilhantes políticos de centro da história brasileira: Tancredo Neves.
Ele só conseguiu o apoio da sociedade que queria acabar com a ditadura e, ao
mesmo tempo, dos dissidentes do regime porque marcou sua posição contra o então
governante, fez críticas certeiras durantes meses, sem que isso o impedisse de
conversar com todos os lados. Cabe ressaltar que se Bolsonaro perder
popularidade (e isso tem boas chances de ocorrer), mais a população e os
políticos (inclusive governistas) vão começar a buscar alternativas. Qualquer
novo centrismo tem que se mexer, o mesmo valendo para os opositores à esquerda.
Uma
segunda lição que vem das eleições americanas e das disputas aos governos
locais no Brasil é que o desempenho eleitoral depende muito das políticas
públicas, mais fortemente quando há um candidato à reeleição. Muitas razões
explicam a derrota de Trump, um dos poucos presidentes do pós-guerra que não se
reelegeu. Mas é inegável que, quando analisadas as pesquisas de opinião, fica
evidente o fracasso de seu governo. Segundo os eleitores, sua atuação na
pandemia foi desastrosa, a política educacional foi ruim, a criação de empregos
e de um colchão de proteção social diante da crise foi modesta. No computo
final, a maioria do eleitorado preferiu votar olhando para resultados, em vez
de se definir por guerras culturais.
De
maneira inversa, os vitoriosos das eleições nas capitais brasileiras que
buscavam a continuidade do governo tiveram seu sucesso muito atrelado à
aprovação de suas políticas públicas. Daí que quem quiser usar essas lições
eleitorais para pavimentar o caminho contra Bolsonaro precisa definir o atual
governo como um fracasso de políticas públicas - na Educação, Saúde, Meio
Ambiente, Direitos Humanos etc. - e apresentar alternativas simultaneamente
críveis e desejáveis pela população. Esse debate é o terreno mais difícil para
o bolsonarismo.
Dentro
da agenda de políticas públicas, é preciso entender quais são as tendências que
mais vão mobilizar os eleitores. Essa é outra lição, a terceira, para quem
quiser vencer em 2022. A dupla Biden-Harris concentrou-se nas principais
questões que poderiam engajar a maioria dos cidadãos: pandemia, desigualdades,
questão racial, uma política menos polarizada, entre as principais, captando o
espírito da época, o que foi expresso numa diferença de cerca de 5 milhões de
votos.
Quais
serão as principais tendências da eleição de 2022? É muito difícil cravar com
certeza uma lista de prioridades porque em dois anos muita coisa pode
acontecer. Mas parece que o espírito da época que vai marcar a próxima eleição
presidencial vai ter na desigualdade, em suas várias facetas (de renda,
regional, de gênero, racial e de acesso aos serviços públicos), o seu aspecto
central. Além disso, a questão ambiental, ainda mais com a pressão externa,
deve crescer de importância. Por fim, todo mundo quer que a economia ande, pois
ninguém aguenta mais uma estagnação tão longa. Em outras palavras, pauta de
costumes perde força quando o básico falta para a população.
Qualquer
projeto oposicionista vai ter de dizer que com Bolsonaro o Brasil piorou. As
qualidades da moderação centrista podem se sobrepor à polarização, mas esse
grupo precisa estar antenado com as principais preocupações da população,
trazendo respostas aos problemas que afligem à maioria do eleitorado. Em
síntese, um novo centro só vai ganhar do bolsonarismo e da esquerda se
interpretar melhor o espírito da época que vai alimentar as eleições de 2022.
Não basta vender o bom-mocismo.
Além
da compreensão do espírito da época, o sucesso da campanha presidencial no
Brasil vai depender do grau de engajamento de setores estratégicos do
eleitorado. A quarta lição aqui vem mais forte do caso americano, embora o caso
paulistano recente tenha mostrado como Boulos foi muito sagaz em mobilizar o
eleitorado jovem num momento de pouca participação das pessoas em comícios e
afins. Quem quiser ter melhor sorte em 2022 precisará construir uma estratégia
de comunicação envolvente, que atinja os grupos que podem decidir a eleição.
Aliás, é neste ponto que o bolsonarismo tinha vantagem sobre as outras forças
político-partidárias, como ficou claro em seu triunfo em 2018, apesar da dúvida
que há hoje após o fiasco nas eleições municipais.
A
dupla Biden-Harris foi capaz de fazer uma campanha que se colocou contra o
histrionismo de Trump, ao mesmo tempo em que foi criativa e engajadora dos três
grupos mais relevantes para a vitória democrata: os mais jovens, as mulheres e
os negros. Ficam as perguntas: quais serão os setores decisivos na eleição
presidencial de 2022? Como mobilizá-los, tanto na forma como no conteúdo? Essas
duas questões são essenciais para todos os aspirantes à Presidência da
República, sejam de esquerda, direita ou centro. Ser centrista não é uma forma
óbvia de dar conta desses desafios. Criatividade, pluralismo e inserção social
mais profunda serão muito mais importantes.
A
construção das alianças será essencial, por isso fica aqui como a lição que
finaliza o artigo. Entretanto, é engraçado que o debate brasileiro tenha
começado neste ponto, quando deveria lidar com os quatro primeiros para
desaguar neste último. De qualquer modo, a questão central é a seguinte: uma
candidatura fora dos extremos precisa unir candidatos diferentes numa mesma
chapa. Ou seja, se o presidenciável vem do centro ou centro-direita, tem de ter
um vice mais à esquerda, e se vem da centro-esquerda, tem de ter uma companhia
mais ao centro (ou centro-direita). Essa foi a fórmula democrata, que aliás
também procurou construir uma parceria entre dois atores políticos com
características distintas - um homem e uma mulher, um branco e uma negra, um da
costa Oeste e outro da Leste. Isso tem de ser adaptado para as circunstâncias
brasileiras, encontrando que tipos de coisas diferentes devem ser unidas para
produzir uma chapa competitiva.
Em
suma, encontrar uma estratégia para se organizar como oposição ao bolsonarismo,
focar no debate das políticas públicas (calcanhar de Aquiles de Bolsonaro),
entender quais são as tendências predominantes que importam aos eleitores,
construir um modelo de engajamento e comunicação que atue sobre grupos
estratégicos do eleitorado, e, por fim, montar uma aliança presidencial entre
diferentes, são as peça-chave para se ter uma candidatura bem-sucedida em 2022.
Ser de centro ou ter apoio de parcelas importantes do centrismo são
características que podem ajudar nesta tarefa, mas com certeza isso não é
suficiente. Biden entendeu isso, bem como os pragmáticos que venceram as
eleições municipais de 2020.
*Fernando
Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio
Vargas.
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