Nós
brasileiros estamos submetidos a longo sofrimento, a uma dor que se desdobra em
várias aflições neste ano em que “distopia” deixou de ser forte o suficiente
para descrever o que vivemos, virou uma palavra pálida. Quando o país achava já
ter vivido tudo, começam os sinais de que a pandemia vai se agravar. Mais
mortes, mais doentes, mais saudades, mais erros do governo. Como o presidente
se atreve a ser assim tão desrespeitoso com a vida humana, por tanto tempo?
Como o ministro da Saúde consegue ser tão servil a um presidente que ameaça a
saúde pública, pela qual ele deveria zelar?
Quando
o Ministério acerta em uma postagem breve, o recado é censurado. Na
quarta-feira, às 10h44, o aviso do Ministério da Saúde foi de que “não há
vacina, substância ou remédio que previnam” a Covid-19. Portanto, “a nossa
maior ação contra o vírus é o isolamento social e a adesão das medidas de
proteção individual”. O recado foi retirado e substituído por postagens
recomendando apenas o “tratamento precoce”. Pode-se imaginar o que houve. O
presidente enquadrou o ministro. E o general mostrou de novo que para ele
obedecer a uma ordem é mais importante do que cumprir seu dever. Ele está no
comando da área da Saúde no meio de uma pandemia que sangra o país, mas para
Pazuello o importante é o lema: “Ele manda, eu obedeço.”
A
Constituição, à qual o general deve obediência muito maior, estabelece que é
crime impedir alguém de cumprir o seu dever. Releia, ministro, os artigos 196 a
200 da Constituição Federal, que o Brasil escreveu após a ditadura. Aquela que
é o nosso pacto social, nossa Carta Política. Eles definem os direitos e
deveres do Estado na Saúde. As políticas públicas, diz o texto, devem reduzir o
risco à doença e oferecer serviços de proteção. A rede de saúde é regionalizada
e hierarquizada no Sistema Único, o nosso valioso SUS. Deve haver, ao mesmo
tempo, descentralização e direção central. Portanto, é irrenunciável o papel de
coordenação do governo federal. Mas não pode ser, como tem sido com Bolsonaro,
no sentido inverso ao da proteção da saúde. Veja o artigo 200. Está escrito
“executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica”. E lembre-se,
ministro, dos momentos difíceis que passou com o coronavírus no corpo. “Estou
zero bala”, disse ao presidente. Estava não general, estava entrando num túnel
de dúvidas e angústias que muitos brasileiros vivem neste momento. E outros
temem. Sim, temem. Isso não nos diminui, não nos transforma em fracos, como o
presidente diz, com palavras carregadas de preconceito. Quem protege a própria
vida ajuda a proteger a coletividade. O recado sensato do Ministério da Saúde
foi eliminado porque houve, disseram, “erro humano”. O erro foi acertar.
Que
as autoridades, todas elas, releiam o artigo 85 da Constituição, que descreve o
que são os crimes de responsabilidade. O presidente já os cometeu várias vezes,
além de infringir outros códigos. O artigo 2º da Lei 1079, a do impeachment,
diz: “Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são
passíveis da pena de perda de cargo”. Um desses é ameaçar os direitos sociais,
como o da saúde.
Está
havendo um crescimento dos casos de infecção, internação e morte. Ontem, em
entrevista ao Jornal da CBN, o presidente do Conselho Nacional de Secretários
de Saúde, Carlos Eduardo Lula, disse que não dá para enfrentar a segunda onda
sem ter uma coordenação federal nas políticas. Várias questões, segundo ele,
têm que ser “capitaneadas pelo Ministério da Saúde”. O secretário lembrou que
não haverá Natal, nem Ano-Novo, como normalmente vivemos.
Está
sendo duro para todos nós. Cada um sabe a dor de viver o que vive. A solidão, o
distanciamento, as renúncias, a saudade, a expectativa na espera de um exame, a
dor da perda, o luto dos funerais apressados. Os que perderam seus entes
queridos sofrem muito mais. Mas há uma dor coletiva, um sofrimento difuso no
ar.
O Brasil está entrando em uma nova onda de agravamento da doença sem qualquer esperança de que o presidente mude seu comportamento. Estamos passando por um tempo extremo, com um governante que em nenhum momento, nestes duros oito meses, mostrou qualquer empatia pelos que sofrem. E além da falta de solidariedade, Bolsonaro também não entendeu, ainda, o papel do governo federal numa calamidade.
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