Por Maria Cristina
Fernandes | Valor Econômico
SÃO PAULO - Debruçado há três décadas sobre o sistema eleitoral brasileiro, o professor da Fundação Getulio Vargas do Rio, Jairo Nicolau, diz que as eleições municipais se realizam sob as melhores regras da história. Não tem dúvidas de que o fim das coligações nas eleições proporcionais oferecerá um maior controle do eleitor sobre o resultado das urnas e depuração do quadro partidário no Legislativo. A maioria das Câmaras de Vereadores do país reduziu o número de partidos lá representados. E, com isso, a hiperfragmentação da Câmara dos Deputados, quesito em que o Brasil se mantém no pódio mundial há muitos anos, também deve se reduzir. Por isso mesmo, já se iniciou um movimento para ressuscitar as coligações proporcionais.
Presença frequente em todas
as discussões de reforma política no Congresso Nacional nos últimos anos, onde
sempre advogou pelo fim das coligações proporcionais, Nicolau não acreditava
mais que o dispositivo cairia quando, finalmente, em 2017, sua extinção foi
constitucionalizada. Por isso, não se surpreendeu ao saber do movimento,
liderado pelos pequenos partidos, pela volta do mecanismo. É a sobrevivência de
sua representação na Câmara dos Deputados que está em jogo - “É um vexame
nacional se vier a acontecer”.
Essas legendas viram a
redução de seus exércitos de vereadores, com os quais contam para sua
recondução. Nas contas de Nicolau, 15 partidos não chegaram a 2% dos votos para
vereador em 15 de novembro. É esta a cláusula de desempenho para 2022. Com
isso, o tema já entrou na barganha dos pequenos partidos na disputa pela Mesa
da Câmara. Em alguns deles a discussão já é aberta - o apoio estará
condicionado ao compromisso dos candidatos à Mesa com a flexibilização das
regras. Não é um acordo fácil de ser operacionalizado. Até porque os partidos
com mais chances de levar a presidência da Câmara estão entre aqueles mais
beneficiados pelo fim das novas regras: PP, DEM, MDB e Republicanos.
Jairo Nicolau vê com
ceticismo a proposta da federação de partidos como alternativa à coligação. Ao
contrário desta, a federação vai além da conjuntura eleitoral e prevê a atuação
conjunta dos partidos também ao longo da legislatura. O dispositivo já foi
derrotado na Câmara. Para não ser uma burla à coligação, diz Nicolau, teria que
ser uma federação nacional, de canto a canto do país, o que confronta as
contingências regionais dos partidos.
O fim das coligações não é
o único retrocesso que pode advir das eleições municipais. O atraso na contagem
dos votos, amplificado pela militância de extrema direita, deu asas a teorias
conspiratórias de fraude eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro retomou a
defesa do voto impresso e encontrou guarida em parlamentares como o presidente
da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nicolau acompanhou de perto o tema quando o
TSE, na gestão Gilmar Mendes, promoveu debates sobre o aprimoramento do
processo eleitoral. Os engenheiros presentes alertaram para a inviabilidade
técnica da alternativa pelo potencial de problemas que as impressoras podem
causar. No limite, diz, o TSE poderia fazer a impressão do voto por amostragem.
Outra mudança aventada que Nicolau teme é a do voto pelo aplicativo. A questão chegou a ser levantada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, antes dos problemas com a apuração. Animado com a boa aceitação do registro da ausência no local de votação pelo aplicativo do TSE, ao qual se atribui, somado à pandemia, o aumento na abstenção, o ministro foi adiante e disse que o Brasil, um dia, também poderia votar pelo aplicativo. A mudança, diz o professor, não poderá ser feita sem anuência legislativa, uma vez que abre portas para a adoção paulatina do voto facultativo. E não apenas. Ameaça o sigilo do voto. “Não é fantasioso imaginar que se formem filas nos currais eleitorais para se ‘ensinar’ o eleitor a votar”, diz. É a volta - ou a modernização - do voto de cabresto.
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