Como
sempre, Bolsonaro tentou transferir uma responsabilidade que é majoritariamente
de seu governo. E ainda tratou países europeus como receptadores de produtos
roubados.
O presidente Jair Bolsonaro usou a mais recente cúpula do Brics para atacar os países europeus que criticam a política ambiental de seu governo. Não eram nem a hora nem o lugar apropriados para isso, mas Bolsonaro jamais se preocupou com esses detalhes protocolares que regem a relação civilizada entre os países, especialmente quando se trata de exercitar sua diplomacia da pirraça. No entanto, é difícil saber que interesses do Brasil foram defendidos por Bolsonaro quando este, em seu dialeto peculiar e claramente de improviso, decidiu denunciar “países que tenham importado madeira de forma ilegal da Amazônia”, ressaltando que “alguns desses países são os mais severos críticos ao meu governo tocante a essa Região Amazônica”.
A
manifestação de Bolsonaro, em lugar de aplacar as críticas, prejudica ainda
mais o Brasil. Expõe a precariedade da fiscalização e da aplicação da lei sobre
a extração de madeira, acentuada durante o atual governo – que trata a
preocupação ambiental como entrave ao “progresso”.
Em
primeiro lugar, a maior parte da madeira extraída da Amazônia, cerca de 90%, é
vendida no próprio mercado brasileiro. Ou seja, o problema é majoritariamente
local e demanda uma ação firme das autoridades daqui mesmo, e não de outros
países, para combater os madeireiros ilegais. Em segundo lugar, foi o próprio
governo de Bolsonaro que afrouxou a fiscalização e as exigências burocráticas
sobre o comércio de madeira, o que facilitou sobremaneira a exportação
irregular.
Os
países importadores de madeira brasileira não têm como saber se o produto que
estão comprando com papelada aparentemente em ordem é ilegal. Nenhuma tábua
entra em navio sem documentação oficial do governo brasileiro, emitida pelos
órgãos fiscais e ambientais competentes.
Em
março passado, o governo Bolsonaro eliminou a exigência de autorização
específica para a exportação. Desse modo, ficou mais fácil “esquentar” madeira
extraída de forma criminosa, sobretudo em reservas ambientais e indígenas.
Estima-se que 90% da madeira exportada pelo Brasil possa ser, na prática,
ilegal.
Essa
é precisamente uma das principais razões pelas quais vários países europeus vêm
pressionando o Brasil a melhorar seus controles sobre o desmatamento. Em quase
todo o mundo, mas particularmente na Europa, os consumidores cobram de seus
governos que só autorizem a compra de produtos de outros países se houver
certeza de que sua produção envolveu as melhores práticas ambientais. No caso
da madeira brasileira, em razão da leniência do governo em relação aos
madeireiros, a desconfiança é crescente.
Assim,
se o interesse de Bolsonaro fosse mesmo melhorar a imagem do Brasil e calar os
críticos, o primeiro passo seria acionar a máquina do Estado, que ele comanda,
para fazer valer a legislação ambiental brasileira, que é exemplar. Em lugar
disso, preferiu, como sempre, transferir a terceiros uma responsabilidade que é
majoritariamente de seu governo. E ainda tratou países europeus, importantes
clientes da indústria e da agricultura brasileiras, como receptadores de
produtos roubados.
Sugerir
que países como Alemanha e França são cínicos ao criticar a política ambiental
do Brasil enquanto compram madeira ilegal é tão imprudente quanto inútil, razão
pela qual a única serventia do discurso improvisado de Bolsonaro no Brics só
pode ter sido a de excitar os camisas pardas bolsonaristas nas redes sociais,
tristonhos com a surra eleitoral que seu líder levou no domingo passado.
O
resultado prático da bravata bolsonarista é que provavelmente as exigências
europeias para autorizar a compra de madeira brasileira, que hoje já são
bastante duras, ficarão muito mais rigorosas, reduzindo o mercado para os madeireiros
que trabalham dentro da lei e que têm nas exportações seu principal ganho em
valor agregado. Atabalhoado como sempre, o presidente colocou no mesmo patamar
empresários corretos e desmatadores criminosos. Dessa confusão, Bolsonaro
espera extrair dividendos políticos – e o faz, como sempre, à custa do País.
Inflação, nova luz amarela – Opinião | O Estado de S. Paulo
Analistas
do mercado destacam alta de preços em reunião virtual com diretores do BC.
Mais
uma luz amarela, risco de inflação em alta, chama a atenção dos analistas do
mercado financeiro. O assunto foi destaque em reunião virtual de técnicos do
setor com diretores do Banco Central (BC), segundo participantes citados
pelo Estado. Cresce, portanto, a insegurança em relação a 2021. Uma nova
interrogação junta-se a três grandes preocupações – quanto à evolução da
pandemia, ao manejo das contas públicas e à sustentação da retomada econômica.
Até quando a autoridade monetária poderá manter em 2% os juros básicos?
Juros
moderados, muito importantes para a gestão e para o controle da dívida pública,
um dos pontos mais vulneráveis da economia brasileira, dependem de confiança.
Mas a preciosa confiança pode sumir, facilmente, se indicadores vitais
parecerem sair de controle. Diretores do BC têm repetido a advertência: os
juros subirão se o Executivo descuidar de sua credibilidade. Credibilidade,
nesse caso, envolve um claro compromisso com a responsabilidade fiscal.
A
insegurança quanto às contas públicas pode afetar a expectativa de inflação e
ao mesmo tempo elevar os chamados juros estruturais. Qualquer desses fatos pode
forçar o BC a mexer na taxa básica de juros, a Selic. Haverá uma perda para o
Tesouro, uma complicação a mais para qualquer política do governo e, é claro,
um entrave a mais para a recuperação da economia, porque também o crédito a
empresas e consumidores será afetado.
Mas
a reunião entre analistas e diretores do BC evidenciou mais um temor. A
inflação pode estar avançando mais do que se esperava mesmo sem uma clara
ruptura, até agora, do quadro fiscal. A alta de preços acelerou-se, há alguns
meses, puxada por grandes aumentos de preços da alimentação. Mas a tendência de
maiores altas já tem sido observada em outros grupos de preços, como têm
mostrado os últimos indicadores.
O
novo quadro já afetou as estimativas do mercado, como indica a pesquisa Focus,
do BC, realizada com base em consultas a instituições financeiras e
consultorias. Pela mediana das projeções, chegará a 3,25%, no fim do ano, a
inflação oficial, medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). Quatro semanas antes o cálculo apontava 2,65%. No
mesmo intervalo, a alta projetada para 2021 passou de 3,02% para 3,22%. Na
reunião com diretores do BC, no entanto, um dos analistas citou projeções acima
de 3,75%, meta fixada oficialmente para este ano.
A
meta de inflação para 2021 é de 3,50%. Por enquanto, as estimativas do mercado
e do BC apontam evolução de preços compatível com esse objetivo. Se as
expectativas piorarem, a política de juros será afetada. Mesmo com a
expectativa de inflação abaixo da meta, o mercado já projeta juros básicos de
2,75% no fim do próximo ano. Diretores do BC têm reafirmado, no entanto, a
intenção de manter a taxa de 2% enquanto a inflação projetada permanecer compatível
com o objetivo oficial – ou enquanto sobreviver a confiança na gestão das
contas públicas.
O
aumento da inflação é atribuível a vários fatores. Os preços, no caso dos
alimentos, foram pressionados pelas cotações dos produtos exportados, pelas
mudanças na demanda interna e pela forte valorização do dólar.
A
demanda interna foi alterada pelo maior volume de compras para consumo
doméstico, por causa do distanciamento social, e pelo auxílio emergencial
(milhões puderam viver com menor aperto financeiro). Não houve escassez de
produtos, mas o efeito da maior procura foi sensível.
O
terceiro grande fator, a alta do dólar, refletiu principalmente a ação do
governo. Investidores e dólares foram afastados pela política ambiental e pelas
dúvidas e temores decorrentes das atitudes de um presidente negacionista,
voltado para o conflito e centrado em objetivos pessoais. Também as incertezas
sobre a política fiscal e a evolução da dívida pública são explicáveis por esse
comportamento. A tudo isso se junta, agora, uma atenção maior à inflação, até
há pouco um assunto pouco preocupante. O presidente Bolsonaro, tudo indica,
segue olhando para outro lado.
Um juiz e suas rebeldias – Opinião | O Estado de S. Paulo
Magistrado
do Amapá agiu como os três Poderes e afastou diretorias da Aneel e do ONS
Em
um Estado Democrático de Direito, ninguém detém poder absoluto. As competências
estão distribuídas entre Legislativo, Executivo e Judiciário. E as respectivas
autoridades têm atribuições específicas. De vez em quando, no entanto, veem-se
rebeldias. Autoridades que, ignorando o limite entre o que podem e o que não
podem fazer, despacham como se fossem os Três Poderes juntos.
Foi
o que se viu no Amapá. No dia 13 de novembro, o juiz da 2.ª Vara Cível da
Justiça Federal do Amapá determinou que, em razão dos apagões de energia
elétrica, a população do Estado teria direito a receber mais duas parcelas do
auxílio emergencial de R$ 600.
Como
se sabe, o auxílio emergencial em função da pandemia do novo coronavírus foi
resultado de um projeto de lei proposto pelo Executivo federal e aprovado pelo
Congresso. A concessão do auxílio envolveu decisões políticas importantes, com
efeitos sobre o Orçamento e as finanças públicas. Tais decisões não são da
competência do Poder Judiciário, e sim de autoridades eleitas pelo voto
popular.
Nada
disso, no entanto, foi empecilho para que o juiz, vendo a situação dramática da
população de seu Estado, determinasse mais dois pagamentos de R$ 600 aos
cidadãos do Amapá. Não se sabe a razão de terem sido apenas dois. Por que não
foram três, quatro ou seis meses adicionais de auxílio emergencial pela
situação precária de energia do Estado? São as idiossincrasias próprias de
decisões absolutas. O critério é ditado pela cabeça de quem manda fazer o que
não pode.
O
ativismo da Justiça do Amapá, no entanto, foi adiante. No dia 19 de novembro, o
mesmo juiz determinou o afastamento por 30 dias da diretoria da Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e dos diretores do Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS). Segundo o magistrado, o objetivo da medida é impedir a
interferência dessas autoridades na investigação relativa às circunstâncias e
causas do blecaute.
Na
decisão, o juiz diz que houve “completa omissão” ou, no mínimo, negligência dos
órgãos reguladores no sistema de energia do Amapá, atingido por dois apagões
nas últimas semanas. O primeiro, causado por um incêndio em uma subestação de
energia da capital Macapá, deixou 14 dos 16 municípios do Estado no escuro.
Quando ocorreu o segundo apagão no dia 17, o abastecimento de energia ainda não
tinha sido regularizado.
“O
lamentável blecaute ocorrido no Estado-membro do Amapá é – diz a decisão
judicial – reflexo de um autêntico ‘apagão de gestão’ provocado por uma
sucessão de ‘governos federais’ que negligenciaram quanto ao planejamento
adequado de políticas públicas de produção, transmissão e distribuição de
energia elétrica, deixando o sistema entregue a própria sorte e em mãos de
grupos políticos e econômicos que se unem estritamente para fins de
enriquecimento ilícito, tratando o povo como ‘rebanho bovino’ e não como
sujeitos de direitos.”
Enquanto
cidadão, o magistrado pode discorrer sobre as causas da situação da energia em
seu Estado. O problema, no entanto, é o que ele entende que pode fazer como
juiz. No dia 19, ele achou que devia suspender de suas funções por um mês as diretorias
da Aneel e do ONS. Surge, então, a pergunta. Diante de fatos tão graves, por
que ele não incluiu também o presidente da República e o ministro de Minas e
Energia na ordem de suspensão pelo período de um mês?
O
senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi o autor da ação civil pública pedindo
o afastamento das diretorias da Aneel e do ONS. Em sua conta no Twitter, o
senador comemorou a decisão. No mínimo, é de advertir que Aneel e ONS cuidam de
outros Estados além do Amapá. O que será da energia do restante do território
nacional com essas entidades acéfalas?
É
preciso respeitar as competências de cada Poder. Por mais que certas decisões
possam aparentar eficiência, o caminho para serviços públicos de qualidade deve
ser trilhado dentro das margens do Estado Democrático de Direito. Sem exceções,
sem rebeldias.
É preciso moderar a esperança nas novas vacinas – Opinião | O Globo
Pesquisas
dão razão a otimismo, mas não podemos ser precipitados e acreditar que a
pandemia acabou
Os
resultados de pesquisas com vacinas divulgados nos últimos dias deixaram o
planeta e o mercado em polvorosa. A perspectiva de que a vida volte ao normal
tem estimulado muitos a descuidar das normas sanitárias que têm permitido
controlar a pandemia. Mas, embora as razões para otimismo sejam reais, é
preciso moderar a esperança. Por vários motivos.
Primeiro,
as vacinas que anunciaram resultados positivos — uma da americana Pfizer, da
alemã BioNTech e da chinesa Fosun; a outra da americana Moderna — oferecem
desafios de produção e distribuição nada triviais. Estão baseadas numa
tecnologia pioneira, até agora jamais aprovada, que usa o próprio material
genético do vírus (RNA-mensageiro) para despertar a reação imune no organismo
humano. Ela permite maior precisão (daí as taxas altas de eficácia) e maior
produtividade (menos quantidade por dose).
Levar
apenas oito meses até tal produto é, por si só, um feito científico
espetacular. Mas fabricação e logística trazem problemas de outra ordem. A
Pfizer reduziu pela metade a expectativa de produzir 100 milhões de doses até o
fim do ano. Fala em 45 milhões até janeiro, suficientes para vacinar 22,5
milhões (metade americanos). O maior problema é a necessidade de transporte
abaixo de 70 oC negativos. Nenhum país tem refrigeração para isso, e a solução
oferecida (recipientes de gelo seco) jamais foi usada em larga escala.
Segundo
motivo para cautela: por enquanto, temos apenas comunicados das empresas com o
resultado da última fase das pesquisas. Será preciso que publicações
científicas e autoridades sanitárias os examinem para autorizar o uso
emergencial, que fábricas produzam centenas de milhões de doses e que elas
cheguem ao destino íntegras.
Terceiro,
de nada adianta haver uma vacina para poucos, com doses caríssimas. Ela será
incapaz de conferir o grau necessário de imunidade coletiva para que o vírus
pare de circular e a pandemia seja debelada. Por isso mesmo, quando houver
vacina aprovada, é preciso que os critérios de distribuição sejam justos. No
Brasil, a experiência do SUS em campanhas de vacinação traria alguma
tranquilidade, não fossem os desvarios do governo Bolsonaro.
Quarto,
os testes, ainda que bem-sucedidos, não excluem a chance de problemas futuros.
Depois da terceira fase são raros, mas não impossíveis. Basta lembrar a vacina
contra o rotavírus da Wyeth, retirada do mercado 14 meses depois de aprovada,
em virtude de efeitos adversos invisíveis nos testes finais.
Nunca
a pesquisa de vacinas foi tão necessária. E nunca foi tão veloz. Isso é ótimo.
Deverá haver, nas próximas semanas, vários anúncios de novas vacinas. O Brasil
já tem acordos para distribuir duas das mais avançadas (a da Universidade de
Oxford com a anglo-sueca AstraZeneca e a da chinesa Sinovac). Há, portanto,
motivos para sermos otimistas. Mas não podemos ser precipitados, acreditar que a
vacina estará aí amanhã e que a pandemia já acabou. O risco de relaxar as
normas sanitárias é o quadro piorar muito antes de melhorar.
Bolsonaro
não tem como fugir da responsabilidade por madeira ilegal – Opinião | O Globo
Em
vez de culpar os outros países, presidente deveria era tratar de combater o
desmatamento
O
presidente Jair Bolsonaro semeou discórdia durante a cúpula do Brics, na última
terça-feira, ao dizer que apresentaria, nos próximos dias, uma lista de países
que criticam o Brasil por desmatamento e compram madeira extraída ilegalmente
da Amazônia. Segundo Bolsonaro, a PF desenvolveu uma técnica que permite
rastrear a origem do produto apreendido. “Creio que, depois dessa manifestação,
essa prática diminuirá e muito nessa região.” Ontem desistiu da lista e citou
apenas a França.
O
discurso, diante dos líderes de Rússia, Índia, China e África do Sul, não
poderia ser mais patético. Primeiro, por tentar exportar um problema que é seu,
fruto de sua política ambiental desastrosa. Segundo, porque é uma confissão
constrangedora de que não consegue conter o desmatamento na Amazônia, ao
permitir que parte da madeira seja levada para o exterior.
A
questão fica ainda pior quando se sabe que a política ambiental tóxica do
ministro Ricardo Salles afrouxou a fiscalização e facilitou a exportação de
madeira de origem ilegal. Há até uma ação, movida por ONGs, pedindo o
restabelecimento das normas anteriores. Pelas novas regras, os documentos são
emitidos pelas próprias madeireiras. É um convite à fraude. Essa foi apenas
mais uma, entre tantas “boiadas” passadas por Salles nestes quase nove meses de
pandemia.
O
discurso de Bolsonaro na cúpula apenas chamou a atenção para o absurdo. O
trabalho de desmonte da legislação e dos órgãos ambientais — hoje totalmente
aparelhados pelo bolsonarismo — tem sido conduzido com esmero por Salles, o
ministro incendiário escolhido para o Meio Ambiente.
A
bem da verdade, Bolsonaro nunca escondeu sua visão destrutiva. Mesmo antes de
tomar posse, deixou claro que sua pólvora estava reservada para os órgãos
ambientais, não para madeireiros e garimpeiros clandestinos. “Não vou mais
admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMBio.
Essa festa vai acabar”, disse ele em fins de 2018.
Antes
de fazer discursos infantis, Bolsonaro deveria usar as técnicas avançadas da PF
para rastrear o desmatamento ilegal na Amazônia e punir os responsáveis. Até
porque, pelas estimativas disponíveis, 80% desse material abastecem o mercado
interno. Só 20% são exportados, principalmente para Europa e Estados Unidos.
Por
que, se a PF sabe quem compra madeira ilegal, não autua quem vende? Porque
combater a prática, que devasta a imagem do país no exterior, desagradaria a um
nicho eleitoral relevante: grileiros, madeireiros e garimpeiros que destroem a
Amazônia. Bolsonaro acha que o inimigo está lá fora. Está aqui mesmo.
Pela diversidade – Opinião | Folha de S. Paulo
Eleição
trouxe avanços modestos para presença de negros e mulheres na política
Neste
ano, por força das circunstâncias, a divulgação dos resultados das eleições
municipais ocorreu na semana em que se celebra o Dia da Consciência
Negra. A voz das
urnas trouxe avanços nessa matéria, ainda que muito modestos.
Entre
os prefeitos eleitos no primeiro turno, 32% se declararam pretos ou pardos,
contra 67% que se descreveram como brancos. Em 2016, as proporções haviam sido
de 29% e 70,4%, respectivamente. Na população como um todo, os negros (pretos e
pardos) somam 56%.
No
caso das mulheres, outra minoria majoritária (elas constituem 52% da
população), os avanços são ainda mais acanhados. As eleitas no primeiro turno
representam 12,1% do total de prefeitos já escolhidos. Em 2016 haviam sido
11,7%.
Os
números parecem menos frustrantes quando se observam os maiores centros
urbanos, onde as mudanças culturais ocorrem antes. Aí, a presença de mulheres e
negros com chances na disputa se amplia. São 20 candidatas em segundos turnos,
ante 6 em 2016.
Nas
outras corridas, 32 negros marcam presença, 10 a mais que há quatro anos —a
quantidade de cidades envolvidas é quase a mesma, 57 agora e 55 no ciclo
anterior.
A
diversidade tem valor intrínseco. Numa sociedade multicultural como é a
brasileira, não há razão para que membros de todos os grupos sociais, étnicos e
religiosos não estejam presentes em todas as áreas e tenham participação em
todos os níveis hierárquicos.
As
proporções não precisam necessariamente refletir as da demografia, já que
talentos e apetites humanos de fato variam. Mas cumpre garantir que, se alguém
deixa de perseguir o que já considerou seu objetivo, não o faz por causa de
discriminação ou preconceito.
A
diversidade também tem valor instrumental. É crescente o corpo de estudos a
mostrar que, quando diferentes pessoas, com diferentes perspectivas, trabalham
sobre os mesmos problemas, a solução encontrada pelo grupo é melhor.
Assim
se aprimora, por exemplo, o desempenho de empresas —e não é diferente na
política, na ciência, nas artes. A questão é como promover a diversidade.
Cotas
como a de candidaturas femininas, há muito aplicadas, não bastaram para um
equilíbrio de gênero maior —embora seus defensores possam argumentar que, sem
elas, os números talvez fossem piores. Não devemos esperar resultados muito
diferentes do recém-adotado mecanismo para o financiamento de candidaturas de
negros.
Quando
os legisladores decidem votar regras relativas a costumes é porque as mudanças
na sociedade já estão em curso. Bom exemplo vem dos paulistanos que, sem réguas
demográficas, acabaram de eleger dois
vereadores transexuais.
Segunda rodada – Opinião | Folha de S. Paulo
Datafolha
mostra vantagem de Covas sobre Boulos; há chance de debate racional
Como
parecia provável, o prefeito Bruno Covas saiu na frente no segundo turno da
disputa municipal paulistana. Segundo
pesquisa Datafolha, o tucano teria hoje 58% dos votos válidos, ante
42% do oponente Guilherme Boulos (PSOL).
O
resultado é um retrato da largada para a disputa, restando alguns fatores
determinantes que estão por entrar em cena. Um dos mais relevantes é a
propaganda eleitoral de rádio e televisão, que tem reinício nesta sexta-feira
(20).
Na
campanha do primeiro turno, como se sabe, Covas teve ampla vantagem em relação
a Boulos nessa frente. Enquanto o postulante do PSDB contou com quase 7 minutos
diários no horário obrigatório, o psolista teve apenas 34 segundos à sua
disposição; foram 29 inserções diárias contra 2.
Para
o embate final, as regras preveem divisão igualitária. Estão definidos oito
dias com 25 inserções de 30 segundos na programação das emissoras e 10 minutos
diários, divididos em dois blocos, para cada candidato no horário eleitoral.
Ainda
que não seja garantia de melhor desempenho, a mudança na exposição pode em tese
beneficiar Boulos, que foi suplantado em todas as áreas da cidade e teve
dificuldades em atrair setores de renda e escolaridade mais baixas.
Estão
marcados também debates em diversos veículos, nos quais os oponentes terão a
oportunidade de confrontar propostas. Tais duelos já começaram e, até aqui, têm
se sobressaído pelo tom respeitoso e civilizado, atributos que se tornaram mais
raros em anos recentes.
Imprescindível,
ainda, será observar e aferir os efeitos dos apoios políticos que Covas e
Boulos costuram para reforçar suas posições —bem como a real inclinação de
parte do eleitorado a acatar as indicações de partidos e lideranças que ficaram
ausentes da reta final.
O
grau de convicção plena manifestado pelos entrevistados em sua escolha chega,
nesta reta final, a idênticos 82% entre os eleitores de ambos os candidatos.
São
Paulo tem pela frente um pleito com novidades de interesse, como a presença de
dois competidores relativamente jovens (Covas, 40, e Boulos, 38) e de um
partido, o PSOL, que faz sua estreia como principal representante das forças à
esquerda, interrompendo a tradicional hegemonia petista.
Um
segundo turno sem a presença de aventureiros e adeptos da difamação favorecerá,
espera-se, a discussão racional e serena dos desafios da maior cidade do país.
Bolsonaro usa o descaso ambiental como arma política – Opinião | Valor Econômico
As
ações desastradas de Bolsonaro destroem rapidamente os poucos alicerces que o
Conselho da Amazônia tenta construir
Ao
atribuir a terceiros a culpa pela negligência ativa de seu governo em relação
ao ambiente, o presidente Jair Bolsonaro acaba quase sempre por revelar as
imensas falhas que se abriram na fiscalização e vigilância na área desde que
assumiu o poder. A última “denúncia” ocorreu em plena reunião do Brics (Brasil,
India, China, Rússia e África do Sul) quando, sabe-se lá por quais razões, o
presidente revidou “ataques injustificáveis” ao Brasil e acusou países europeus
de comprarem madeira brasileira extraída ilegalmente. O interesse das nações
presentes na questão é nulo, e mais que nulo o de antagonizar os europeus.
As
ações desastradas de Bolsonaro têm várias consequências, como destruir
rapidamente os poucos alicerces que o Conselho da Amazônia tenta construir para
melhorar um pouco a imagem do governo na questão, e apontar com frequência o
responsável último pelas decisões nocivas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles. Salles escolheu um par para comandar o Ibama, o subprocurador Eduardo
Bim, que publicamente pedira votos para Bolsonaro no segundo turno das
eleições. O capítulo no qual Bolsonaro promete revelar resultado de
investigações da Polícia Federal sobre compra por europeus de madeira ilegal
tem a ver com a atuação de Bim.
Em
14 de dezembro, a direção do Ibama transformou em um papel qualquer o Documento
de Origem Florestal, licença obrigatória para transporte de produtos florestais
nativos, - com acesso aberto, após registro, por contadores, responsáveis
técnicos e prestadores de serviços. Pelo despacho, o portador do DOF, em caso
de fraudes, não poderia ser responsabilizado, a menos que se provasse que tinha
“ciência quanto ao ilícito”. “Entendimento” posterior da Diretoria de Proteção
Ambiental estabeleceu depois que o portador do DOF também não poderia ter sua
carga apreendida.
O
salvo conduto foi depois estendido à exportação, para a qual era necessária uma
autorização do Ibama. Essa exigência foi revogada por Bim no Carnaval, contra
parecer de 5 técnicos do Ibama. Com a desorganização da fiscalização do Ibama,
patrocinada por Salles, exportadores de madeira queixaram-se no início do ano
de que sem a autorização, suas cargas “passaram a ser retidas nos portos de
destino”.
A
autorização do Ibama funcionou como um selo de confiança de que a madeira
extraída o fora de maneira legal e de acordo com a lei. Em vez de a
restabelecer rapidamente, Bim acabou com ela. Como a madeira estava sendo
exportada sem autorização, governos dos EUA e da Europa notificaram o Brasil
desse estranho procedimento. O então responsável pelo Ibama no Pará, Walter
Magalhães Júnior, cometeu o excêntrico ato de conceder “autorizações
retroativas” para cargas que já haviam deixado portos brasileiros sem elas. Foi
promovido em abril para coordenador de fiscalização.
Desde
que Bolsonaro chegou ao governo e Ricardo Salles ao ministério, o Ibama se
desarticulou, com cargos de comando entregues a dezenas de policiais militares
sem a menor familiaridade com a área. O Tribunal de Contas da União, em
processo conduzido pelo ministro substituto André de Carvalho, há pouco
considerou “irregularidade grave, passível de autuação” a nomeação para o Ibama
de pessoas que não tem as qualificações exigidas por um decreto do próprio
governo Bolsonaro.
Na
lista estão o diretor de Proteção Ambiental, o policial Olímpio Guimarães, o
ex-PM aposentado Walter Magalhães Junior, coordenador-geral de Fiscalização do
Ibama - demitido no dia 4 - e seis superintendentes regionais, a maior parte da
região amazônica. Ontem, a direção do ICMBio nomeou para a chefia do Parque
Nacional dos Lençóis Maranhenses o PM aposentado, José Vieira Rodrigues,
assessor de segurança da Câmara Municipal de Barreirinhas.
Os países europeus, que não compram madeira, só podem exercer sua tarefa de vigilância se o Brasil fizer a sua corretamente. Eles estão no escuro quanto à origem legal ou ilegal da mercadoria, o que os tem levado a apertar suas legislações (também para carne, soja e outros produtos) para coibir as práticas de desmatamento na Amazônia e não se associarem a elas. São naturais aliados do Brasil se o objetivo for coibir a extração ilegal e predatória. A melhor maneira do Brasil se proteger é impedir que ela seja feita e, se o for, que não deixe o país. Bolsonaro vai apontar o dedo para fora, mas atos de seu governo tornaram imensamente mais fácil um negócio bilionário clandestino que prosperava mesmo com obstáculos - que caíram.
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