sexta-feira, 20 de novembro de 2020

César Felício - Esteios da governabilidade

- Valor Econômico

Partidos que crescem não vão disputar Presidência

As eleições municipais registraram crescimento dos seguintes partidos na malha de prefeituras espalhada pelo país: PP (de 495 para 682), PSD (de 537 para 650), DEM (de 266 para 459), PL (de 294 para 345) e Republicanos (de 103 para 208). Estes cinco partidos somaram 1.695 conquistas em 2016. Foram 2.344 agora, ou 38% a mais.

Em comum, estes partidos têm a característica de estarem vocacionados para as eleições de caráter local e parlamentar. Não são legendas para disputar a Presidência, salvo às vezes fornecendo o nome para vice em alguma chapa, como fez o PP em 2018 e o DEM em 2010, acompanhando os candidatos tucanos. O PP não lança candidato próprio à Presidência desde 1994, quando ainda se chamava PPR. o DEM não o faz desde 1989, ocasião em que era o PFL. PSD, PL e Republicanos jamais o fizeram. São, portanto, coadjuvantes, e não protagonistas do jogo presidencial.

Os partidos que tradicionalmente são atores da eleição maior tiveram encolhimento de malha. O MDB (candidaturas próprias em 1989,1994 e 2018) caiu de 1.035 para 773. O PSDB minguou de 785 para 512. O PDT deslizou de 331 para 311. O PSB despencou de 403 para 250. E o PT saiu de 254 para 179. Somados, recuaram de 2.808 para 2.025, queda de 28%. A conta pode mudar um pouco com o segundo turno, mas nada que altere o eixo da Terra.

Sem legenda, Bolsonaro não fixou em lugar algum o bolsonarismo. Esta foi uma eleição em que o coração governista ficou de fora, salvo uma ou outra incursão desastrada do presidente por alguma eleição local.

O resultado da eleição tomado pelo atacado, ou seja, pela soma da quantidade de prefeituras conquistadas pelas grandes siglas, mostra uma diminuição da polarização e do efeito nacional sobre as eleições locais, que já não era lá muito grande.

Mesmo sendo bastante tênue, a polarização nacional ainda assim se refletia na competição pelas prefeituras. PT e PSDB viveram ciclos de crescimento nas bases municipais enquanto monopolizavam as eleições presidenciais, entre 1994 e 2014. Agora não há mais o corte entre bolsonarismo e antibolsonarismo. Nem como efeito da eleição de 2018, nem como projeção do que pode ser a escolha para o Legislativo e a presidencial em 2022.

Essa desideologização do pleito de 2022, em linhas gerais, indica uma tendência importante de PP, PSD, DEM, PL e Republicanos terem bancadas muito grandes depois da eleição que acontecerá dentro de dois anos. Passarão com louvor pelo teste da cláusula de barreira e darão cartas no próximo governo.

É no sentido de facilitar a governabilidade e o de darem alguma musculatura a quem tem pouca que estes cinco partidos serão muito disputados para alianças na próxima eleição presidencial.

PP e Republicanos já indicaram de forma claríssima a possibilidade de apoio a uma candidatura presidencial de Bolsonaro. É comentada a hipótese do presidente se filiar a um desses dois partidos.

A adesão ao bolsonarismo é muito menor em relação ao DEM e PSD. O DEM herdará o governo de São Paulo caso o tucano João Doria dispute a Presidência, o que não é pouco. O presidente da sigla, ACM Neto, sequer coloca à mesa um nome próprio para negociar alianças de 2022, o que é sugestivo. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, coloca alguns, para valorizar o passe, e daí citou em entrevista à “Folha” os senadores Antonio Anastasia e Otto Alencar.

Os partidos que mais amealharam prefeituras podem dar ossatura para Bolsonaro e Doria na eleição presidencial de 2022, mas obviamente não lhes fornecem os votos para se elegerem. A dinâmica presidencial é outra. Permitem antever apenas, no caso de vitória de um ou de outro, base parlamentar relativamente tranquila para governar.

Pode-se perguntar onde está o MDB nesta análise. O MDB é um esteio da governabilidade que esmaece. Tinha 1.194 prefeitos depois das eleições de 2008, às vésperas de fechar a parceria Dilma/Temer vencedora de duas presidenciais. Era 35% maior do que hoje. O MDB hoje é mais uma entre as legendas que se candidatam a fiel de balança.

O jogo da esquerda é disputado nas grandes cidades. Guilherme Boulos mudou de patamar na política nacional, ainda que perca a eleição paulistana, como é provável. O PT não poderá olhar mais o Psol com a condescendência de um irmão mais velho, como faz hoje. Se José Sarto ganhar em Fortaleza, o PDT e Ciro Gomes se preservam do vexame das apostas erradas no Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo.

O duelo entre Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB) pela Prefeitura do Recife terá consequências na eleição presidencial de 2022. A vitória de Marília tende a ameaçar a hegemonia do PSB no governo de Pernambuco e deste modo situar a sigla de modo definitivo no antipetismo. Pode ser uma boa notícia para Ciro.

Ganhando ou perdendo em Porto Alegre, Manuela d’Ávila será uma estrela a brilhar com força no PCdoB, partido condenado a morrer pela cláusula de barreira. É provável que o PCdoB, com o governador do Maranhão Flávio Dino à frente, procure uma incorporação branca a alguma sigla de esquerda ou centro-esquerda mais capacitada a sobreviver. PT parece o caminho mais natural, mas de nenhum modo é a única saída que resta.

E Luciano Huck? O apresentador de TV e candidato a ser um presidenciável pouco ou nada tem a ver com as eleições municipais. Sua possível candidatura dependerá do fracasso de outros atores. Huck se viabiliza caso tudo ou quase tudo dê errado para Doria e Bolsonaro. Vencida esta peneira, ele procurará os esteios da governabilidade já mencionados.

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