Ministro
Guedes marcou sua gestão por tentar adaptar a realidade a seus devaneios
A Controladoria-Geral da União (CGU) organizou um seminário
sobre Os Desafios da Desestatização há poucos dias. Uma das estrelas do evento
foi Paulo Guedes, que se confessou frustrado por não ter vendido nada, apesar
das promessas de campanha. De fato, é inexplicável que um governo eleito com
uma pauta de desestatização tão clara e com metas tão ousadas tenha feito tão
pouco.
Infelizmente,
não ouvimos um mea-culpa. Sem um bom entendimento dos desafios, não se consegue
traçar um plano para superá-los. Repetindo a cantilena de sempre, atribui aos
acordos políticos no Congresso a
responsabilidade da tibieza do programa. Mas não disse em que exatamente nossos
parlamentares estão atrapalhando.
Como
não há desejo de vender Petrobrás, Caixa ou Banco do
Brasil, muito pouco depende de anuência do Legislativo.
Só a Eletrobrás está pendente. A lista de intenções do governo chama atenção
pela ausência das empresas que não precisam de autorização específica,
como EBC, EPL, Infraero ou Valec.
Ou mesmo, a liquidação de outras, como Hemobrás.
Enquanto
o ministro falava, o Gabinete de Segurança Institucional enviava para
publicação no DOU uma resolução recomendando a criação da Alada – Empresa de
Projetos Aeroespaciais SA. Já será a segunda estatal criada neste governo.
Se
for para achar os inimigos da privatização, Guedes não
precisa atravessar a rua, estão todos na Esplanada dos Ministérios. Cabe a ele,
como presidente do Conselho do PPI, convencer seus colegas a desapegarem de
suas estatais.
Ao
final, não faltou, é claro, a promessa de fazer quatro grandes vendas em 2021.
Semana que vem, ano que vem, 90 dias, tanto faz. Ninguém dá bola mesmo.
Não
fosse o introito, a palestra não teria trazido nenhuma novidade. É ali que
Guedes se revela como historiador. Em tom professoral, inicia explicando por
que temos um Estado tão grande. A razão é ter sido moldado pelos militares, com
objetivo de acelerar o tempo e aprofundar a infraestrutura. E então completa o
raciocínio: “A estrutura de Estado foi montada durante um regime politicamente
fechado... Era até relativamente sofisticado que em vez de ter um, houve um
rodízio de presidentes. Então, ao contrário de alguns lugares onde a gente pode
caracterizar claramente como um regime ditatorial, aqui o Congresso ficou
funcionando, operando, havia uma eleição indireta”.
Guedes
marcou sua gestão por tentar adaptar a realidade aos seus desvarios. São os
trilhões das privatizações, os 40 milhões de testes do amigo inglês ou o mundo
se surpreendendo com o Brasil. Mas, dessa vez, passou de qualquer limite. Pode
fazer a projeção delirante que quiser, mas reescrever a história política do
País não dá. É um desrespeito a quem viveu durante o regime militar; a quem
perdeu parentes para a tortura; aos que foram exilados; aos inúmeros deputados
cassados, assim como ministros do STF; à imprensa que foi calada; aos artistas
censurados; à toda sorte de perseguição que sofreram os que ousaram se colocar
contra esse regime “relativamente sofisticado”.
Sem
falar na herança econômica da hiperinflação, da concentração de renda, da
década perdida e das suspeitas de corrupção que envolviam obras faraônicas,
como a Transamazônica ou as usinas nucleares de Angra.
Ele
pode até ser a favor do golpe e da ditadura, mas não pode fingir que não aconteceu. Impossível
ignorar as atrocidades do governo muito sofisticado de Garrastazu Médici.
Diz
ele que tinha apenas 13 anos quando foi “instalado” o governo militar, muito
jovem para ter percepção ou opinião. Eu nem era nascida quando Getúlio se
matou, nem por isso eu posso afirmar que o presidente morreu de causas
naturais.
Para
quem leu Keynes três vezes no original, deve ser fácil encarar os cinco volumes
de Elio Gaspari. Se tiver com preguiça pode ir direto para o A Ditadura
Escancarada.
Eu
tinha seis anos quando veio o golpe. Com apenas dez, ouvi com meu pai o
discurso de Mario Covas e lembro dele dizendo: “Belíssimo, mas vai
ser cassado”. Logo depois, veio o AI-5. Quem era um adolescente em 64, já era
um homem em 68.
Paradoxalmente,
Guedes falou do ato institucional mais de uma vez em seu mandato. A memória
volta quando lhe convém. Pode ser ato falho de quem acha melhor governar sem
Congresso.
Ao
fim da palestra, prometeu o desfazimento do Estado gigante porque “agora temos
um governo liberal-democrata”. Com um porta voz desses não é à toa que o
liberalismo tem sido tão questionado.
Vade
retro.
***
Um belo resultado dessas eleições e uma boa notícia para os liberais: o aumento da diversidade nas Câmara de Vereadores pelo País.
*Elena
Landau, economista e advogada
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