O diagnóstico de Elimar Nascimento sobre a intensidade, a extensão e as causas da degradação ambiental (artigo intitulado “Adeus ao desenvolvimento” publicado na Revista Será?) é incontestável. No fundamental, concordo com as propostas apresentadas por ele para evitar um grande desastre ambiental ou, na melhor das hipóteses, deter a marcha da insensatez. No entanto, na sua tentativa de defesa da ideia de “decrescimento”, Elimar recorre a uma interpretação equivocada e injusta da proposta de desenvolvimento sustentável. Logo no início do seu artigo, afirma que o desenvolvimento sustentável “contém, necessariamente, a ideia de crescimento econômico, do ponto de vista material e, portanto, de uso de mais energia fóssil”.
O
desenvolvimento sustentável não propõe o crescimento da economia e rejeita
totalmente o uso de mais energia fóssil, embora não exclua a possibilidade de
aumento do produto, desde que limitado pelas condições ambientais. O desenvolvimento sustentável, não custa repetir,
propõe a mudança que leve a um equilíbrio crescente das dimensões econômica,
social e ambiental. Cada uma dessas dimensões define os limites da outra, de
modo que o crescimento da economia só é aceitável se não provocar degradação
ambiental, o que é possível em determinadas condições estruturais e
tecnológicas.
O
que parece evidente nesta controvérsia alimentada em vários artigos da Revista
Será? é uma confusão dos críticos do economicismo que, no limite, terminam
ignorando e desconsiderando os condicionantes econômicos da vida em sociedade.
Reducionismo ambientalista, forma oposta do reducionismo economicista. Algumas
vezes, parece que consideram que a economia é um atrapalho, um inimigo da
qualidade de vida e do bem-estar social, que o Estado é uma entidade descolada
da realidade, que realizaria os investimentos públicos independentemente da
dinâmica da economia. A economia é apenas um meio, ao lado das outras
dimensões, mas é um meio fundamental para elevação da renda e da capacidade de
investimento dos governos na ampliação da oferta de serviços públicos.
Ao
afirmar que “os indicadores ambientais apenas pioraram” desde que surgiu o
conceito, Elimar defende uma nova formulação para substituir o desenvolvimento
sustentável. O conceito ganhou forma, mesmo, em 1992 (e não, nos anos 1970,
como diz ele) e o que importa considerar não é exatamente a mudança provocada
no modelo de desenvolvimento, mas a sua eficácia ao dominar o debate mundial sobre
a crise ambiental e social no planeta. Se é verdade que a crise ambiental está
longe de ser equacionada, não se pode negar avanços importantes na organização
da produção, na reciclagem de produtos e insumos, no tratamento de efluentes,
na substituição de energia fóssil, na recuperação de recursos hídricos e
florestais, em diferentes partes do planeta. E, mais ainda, em algumas decisões
políticas que podem ajudar na contenção do desastre ambiental global,
especialmente o Acordo de Paris. Não custa lembrar, por outro lado, que a
adoção da ideia de desenvolvimento sustentável em cada país e nos acordos
internacionais depende de decisões políticas e não da pertinência e qualidade
das propostas. Ou devemos entender que a proposta de “decrescimento” é tão melhor
e convincente que será adotada pelos governos e assumida pelas instituições
globais?
Segundo
Elimar, os autores da ideia de decrescimento teriam inventado este nome
antipático “para que o establishment não se apropriasse do nome como
fez com o desenvolvimento sustentável”. O que chamam de apropriação do conceito
de desenvolvimento sustentável consiste, a meu ver, precisamente na sua adoção
como uma referência para discussão e definição de políticas e acordos. Tudo
indica que, para se proteger deste establishment, os defensores do
decrescimento esperam que a ideia não saia da academia, do terreno filosófico e
dos círculos fechados da contracultura. Não serão contaminados pelo poder e,
desta forma, nunca irão influenciar de maneira decisiva na formulação de políticas
efetivas de transformação do modelo social e econômico. Para serem capazes de
produzir as mudanças, os conceitos e as ideias têm que ser hegemônicos na
sociedade, ou seja, têm que ganhar espaços na estrutura de poder.
Com
a intenção, generosa, de me poupar de um eventual escorregão, Elimar considera
que eu falei de crescimento econômico em artigo anterior por um descuido. Não,
não foi um descuido. Quando falo em equilíbrio das três dimensões (resultados
combinados nas três) – econômica, social e ambiental – estou entendendo que se
trata de buscar uma síntese na qual é indispensável uma mudança estrutural na
economia, para que garanta a conservação ambiental e uma redefinição da
sociedade para avançar na equidade social.
Prefiro
manter o crescimento econômico (e não a competitividade e a eficiência
econômica) como uma das dimensões do desenvolvimento sustentável porque entendo
que, nos países de baixa e média renda (maioria dos países e parcela
significativa da população mundial), ainda será necessário um crescimento da
economia para que se alcance qualidade de vida e equidade social. Elimar
aproveita o meu “descuido” para falar de uma “prisão da renda“ da qual,
aparentemente, eu não teria conseguido fugir, e completa: a “melhoria da
qualidade de vida não passa necessariamente pelo aumento da renda pessoal,
basta ampliar o acesso a serviços de qualidade que são indispensáveis a uma
vida digna, como saúde, educação, transporte, habitação etc.”. É certo que a
qualidade de vida depende muito mais do acesso aos serviços que da própria
renda pessoal. Mas é certo também que, para esta ampliação da oferta desses
serviços, é necessário um grande volume de investimento (público ou privado)
que não será possível sem uma elevação da renda geral da sociedade que alimenta
as finanças públicas.
Posso
concordar que nos países de alta renda, como a Alemanha e a Noruega, para citar
apenas dois, não é necessário crescimento da renda, embora esta esteja
ocorrendo sem aumento do consumo de energia fóssil. Mas, para melhorar a qualidade
de vida de dois a três bilhões de habitantes do planeta nas próximas décadas
será indispensável a elevação da renda da população e dos governos nacionais. A
vantagem é que houve, nas últimas décadas, um acúmulo de conhecimento, uma
preocupação com o equilíbrio ambiental e o domínio de tecnologias que permitem
orientar este crescimento moderando os impactos ambientais.
Característica
importante da evolução econômica nas últimas décadas e que deve se acelerar no
futuro é a ampliação dos Serviços na estrutura produtiva, principalmente dos
serviços baseados em conhecimento, que não demandam muito insumo e energia e
não geram tantos efluentes como a velha indústria. Entretanto, o que vem
ocorrendo, mais recentemente, é a inserção no consumo de massa de bilhões de
pessoas que saíram da pobreza, principalmente na Ásia (China, em primeiro
lugar) dentro dos velhos padrões produtivos. Causa de uma crescente degradação
ambiental. Como não é absolutamente tolerável a persistência da pobreza e da
marginalização de bilhões de pessoas em todo mundo, é indispensável a elevação
da renda dos países pobres. Entretanto, para evitar que a inclusão desta
população seja acompanhada de uma crescente degradação ambiental, é
indispensável orientar a sustentabilidade do desenvolvimento, submetendo a
economia a padrões compatíveis com o meio ambiente. Este é o grande desafio da
humanidade no futuro: a sustentabilidade do desenvolvimento que, nestes países
pobres, não pode prescindir da elevação da renda, vale dizer, de crescimento da
economia.
*Sérgio C. Buarque, Economista com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.
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