O
historiador e cientista político ressalta a importância da votação, mesmo
diante de uma crescente crise de representatividade no regime democrático Mílibi Arruda | O Estado de S.Paulo No
dia 15 de novembro, os brasileiros vão às urnas no primeiro turno das eleições 2020 para eleger prefeitos, vice-prefeitos e vereadores de suas
cidades. No País, o voto é obrigatório, mas, além de ser um dever, é também
um direito do cidadão de escolha de seus representantes. “Se você acredita na democracia - que é um regime com defeitos, mas esses defeitos podem ser reduzidos - você acredita no voto”, explica o historiador e cientista político Boris Fausto, de 89 anos. Com pesquisas sobre história política do Brasil no período republicano ele explica que, embora as pessoas possam se frustrar com os eleitos, o voto é relevante porque garante a possibilidade de escolha. Como
exemplo recente da importância
do voto, ele cita as eleições americanas, em que a disposição
a ir votar e a participação nas urnas foram decisivas para o resultado.
“Hoje, o maior exemplo de que se deve votar encontra-se nos Estados Unidos”. Além disso, Fausto aponta que a votação também garante a rotatividade no poder, impedindo que representantes fiquem por tempo indefinido nos cargos. Mas faz uma ressalva: não é só o voto que constitui a democracia. “Outras coisas devem ser adicionadas: os direitos do cidadão, das minorias e menor desigualdade social”. Sobre
a possibilidade de um alto número de abstenções neste pleito, o
historiador diz que a pandemia de covid-19 contribui para o
quadro, porém essa é uma situação que vem de antes. “Os desprestígio das
eleições é algo que tem ocorrido em todo mundo. O Brasil faz parte deste
fenômeno”. Veja
abaixo a íntegra da entrevista com o historiador Boris Fausto: Por que votar? Nesses
dias, falar da importância do voto não é nem olhar para as eleições
municipais, em primeiro lugar, mas é olhar para as eleições americanas. Foi tão
decisivo o voto, a disposição a ir votar que, de certo modo, foi um corte num
governo obscurantista. O
maior exemplo de que se deve votar se encontra, neste momento, nos Estados
Unidos, na votação de minorias que asseguraram a vitória de Joe Biden. Qual é o retrato do País nessas eleições municipais? Essas
eleições têm uma projeção para o futuro, para composição da Câmara dos Deputados em 2022,
por exemplo. Mas, neste momento, o mais importante é o que as pesquisas de
intenção de voto indicam em si como divisão de forças. A
meu ver, as pesquisas estão indicando algo muito importante, que o eleitorado
não está se deixando guiar por caciques políticos, pelo menos nas grandes
capitais. O eleitorado não está se prendendo a apoios deste ou daquele, ou
do presidente da República. Bolsonaro, em primeiro lugar,
ou Lula não são decisivos pro
eleitor de certas capitais - caso de Recife, São Paulo, Rio de
Janeiro e mais algumas. É
um indicação de que temos uma diversidade de escolhas maior do que se
imaginava e que o eleitor está atuando de forma mais independente do que se
imaginava. Mas estou falando tudo isso antes dos resultados. Os resultados,
como se sabe, às vezes deixam a gente falando sozinho. Aqui
no Brasil, pela obrigatoriedade, o voto é um direito ou um dever? Com
a expressão obrigatoriedade, você já está indicando um dos lados do voto.
Sendo obrigatório, o cidadão tem o dever de votar. Se não votar, até incorre
numa multa - que não tem muita significação. Mas, do ponto de vista
institucional, é um dever. Ao
mesmo tempo é um direito do cidadão de escolher seus representantes, por mais
que se frustrem, por mais que errem. Mas muitas vezes acertam. Então o voto,
em países como Brasil, tem a característica de ser ao mesmo tempo um dever e
um direito. A
obrigatoriedade do voto diminui o engajamento dos eleitores com o processo
eleitoral? Eu
não acho que diminua. Essa questão é muito controvertida, da obrigatoriedade
ou não. Mas, sob esse ponto de vista que você colocou, o fato de que o
cidadão é obrigado a dar o voto, ele de alguma maneira tem que fazer uma
escolha. De outro modo, ele fica inteiramente livre de fazer qualquer escolha
e não comparecer à votação. Mas
é claro que, se você estiver num país em que o voto não é obrigatório e,
digamos, 80% de eleitores comparecem à eleição, isso tem mais significação
que um comparecimento ainda maior num país em que o voto é obrigatório. O
número de votos nulos, brancos e as abstenções têm crescido com o passar dos
anos. Como explicar isso? O
desprestígio das eleições é algo que tem ocorrido em todo mundo. O Brasil
participa desse fenômeno, do [aumento de] votos brancos, nulos e não
comparecimento. O que acontece é que esse é um dos problemas centrais que a
democracia está vivendo hoje. Já vivia no passado, mas hoje tem outra
dimensão. O eleitor não se sente representado por aquele em que ele votou e
ele esperava outras coisas. Mas
também não vamos culpar só os eleitos. Vamos culpar também um pouco os
eleitores, que votam porque o amigo pediu, porque simpatizam com não sei
quem, porque fulano é bom cantor ou tem um bom drible, coisas assim. Isso só
gera decepções. Como a pandemia influencia o descrédito nas instituições e na presença nas urnas? Ela
contribui para esse processo. Se você não acredita muito no processo
eleitoral, você não se empenha muito por um candidato, ir a uma seção
eleitoral, por mais que haja cuidados e eu acredito que exista, tem sempre um
certo risco e o temor do contágio. Ou
porque o eleitor cujo o voto é obrigatório diz “vou pagar a multa e não vou”
ou pela questão do grupo de risco, composto em parte por eleitores de mais de
70 anos, cujo voto é facultativo. Então a pandemia contribui sim para a
redução de comparecimento. Para
a democracia, há diferença entre anular o voto ou deixar de votar? É
difícil saber, a cada caso, porque a pessoa se abstém ou anula o voto. Eu
imagino opções, acho que há diferenças e vejo um recorte aí. Se
você vai votar e anula o voto, você vê o lado obrigação - vou cumprir porque
se não vai me dar aborrecimento, algo bem pragmático. Vou lá e anulo porque
não quero votar em ninguém. Antigamente, você podia escrever na cédula
“rejeito candidatos”, “voto
no Cacareco” (rinoceronte do zoológico de São Paulo que foi o mais votado
para vereador em 1959). Hoje, você anula o voto. Agora,
na abstenção, está aquela pessoa que aceita pagar a multa, ou não está na
faixa etária obrigatória ou tem medo da pandemia. Tem outras razões para a
pessoa sequer aparecer. Um
possível alto número de abstenções neste pleito pode deslegitimar os eleitos? Essa
questão da legitimidade vem de longe, não é dessa eleição. As pessoas se
lembram em quem votaram para presidente, mas vai perguntar se se lembram em
quem votaram para vereador. Não estou falando que não há casos de pessoas que
lutaram por um vereador, votaram porque acreditam que vai fazer bem para sua
cidade. Mas,
sobretudo nas grandes cidades, em que você não vota em quem conhece, a grande
maioria não se lembra em quem votou. Eu, por exemplo, consigo lembrar, mas
preciso fazer um esforço de lembrança. Então o problema da representatividade
já vem de longe e o menor comparecimento está inserido nesse processo. De
fato, por que é importante votar? Se
você acredita na democracia e aposta na superioridade do regime democrático -
que tem mil defeitos, mas esses defeitos podem ser reduzidos - você acredita
no voto. Porque através do voto você elege representantes. Pode ser que você
se decepcione depois, mas pode ser que não. E é uma escolha sua. Além
disso, o voto garante a possibilidade de rotatividade de poder. Pelo voto, se
você não gosta, você vota em outra pessoa na próxima eleição. Um político não
pode ficar indefinidamente se elegendo por um sem número de eleições, como
tem acontecido em países da América Latina e em outros
lugares. Tudo
isso, a rotatividade no poder, a representação, é muito importante, e é por
isso que se deve votar. Agora a democracia, é bom que se diga, não se esgota
no voto. Ela não se constitui apenas pelo voto - outras coisas devem ser
adicionadas, como os direitos do cidadão, direitos da minoria, menor desigualdade social em países
como o Brasil. Há quem diga que isso não é matéria da democracia, mas é cada
vez mais. |
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 14 de novembro de 2020
Entrevista | ‘Se você acredita na democracia, acredita no voto’, diz Boris Fausto
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