Haverá
espaço para relação construtiva, inclusive em meio ambiente e comércio
Para
o Brasil, isto é, para o povo brasileiro, é bom. Para o governo
Jair Bolsonaro,
não tanto. Os leitores talvez não se lembrem da frase do general Juracy
Magalhães: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Pois bem,
neste caso ele teria razão.
Basta
pensar no aquecimento
global. Se não fizer mais nada além de voltar ao Acordo do Clima de
Paris, Joe
Biden já terá feito um bem imenso ao mundo e, portanto, à parte que
nos cabe no planeta comum.
Para
o nosso povo, abandonado pelo próprio governo diante da Covid-19, é
ótimo que o novo presidente tenha a intenção
de prestigiar a ciência na luta contra a pandemia, regressar à
Organização Mundial de Saúde e liderar o esforço mundial por uma vacina.
Também
será excelente para os amantes da liberdade que Biden convoque, como anunciou,
uma Cúpula em favor da Democracia para discutir o aumento do autoritarismo, a
luta anticorrupção e os direitos humanos. Quem
não vai gostar são os que defendem torturadores, os nostálgicos da
ditadura e do AI-5, que querem fechar o Congresso e o Supremo. Para os
democratas, a notícia traz alento e esperança.
Da
mesma forma, só hipócritas obscurantistas lamentarão que o futuro governo dê
impulso às políticas de promoção da igualdade da mulher, aceitação das mudanças
sociais em comportamento sexual, diversidade e LGBT.
Ao contrário, terá o aplauso de todos os que favorecem a emancipação individual
e a evolução da consciência moral da humanidade.
Para
o povo brasileiro, que partilha com o americano a herança racista da
escravidão, a disposição de Biden de superar o racismo estrutural servirá de
estímulo para enfrentarmos nossos fantasmas nessa área. O mesmo vale para a
desigualdade crescente, incomparavelmente mais grave entre nós.
O
interesse do Brasil nem sempre coincide com o do governo Bolsonaro. Exceto para
quem crê que é bom para o país deixar a Amazônia e
o Pantanal serem incinerados por grileiros, madeireiros ilegais, pecuaristas
gananciosos. Ou permitir que garimpeiros envenenem rios e povos
indígenas.
Não
para se alinhar à agenda americana, e sim para realizar as genuínas aspirações
de nosso povo, a eleição de Biden representa oportunidade de mudar, mais que
ameaça. O próprio governo Bolsonaro, se tivesse um mínimo de bom senso, deveria
aproveitar a ocasião para repensar a política
externa e as orientações em meio ambiente e direitos humanos.
Da
parte do democrata Biden, tudo indica que haverá espaço para relação
construtiva com o Brasil, inclusive em meio ambiente e comércio. Do lado do
governo brasileiro, os sinais não são animadores. A ameaça de recorrer
à pólvora para rebater declarações sobre a Amazônia não vai tirar o
sono do Pentágono. Mas revela a tamanha imaturidade de Bolsonaro, que provocará
no exterior misto de espanto e galhofa.
A
eleição de Biden completa o cerco de isolamento internacional de um governo já
com péssimas relações com França, Alemanha, União Europeia, China e boa parte
da América Latina. Diante disso, Bolsonaro tem duas saídas possíveis. Ou
responde com equilíbrio e sensatez, começando por cumprir o dever
de civilidade de felicitar o vitorioso na disputa americana, ou age
como o fanático que redobra a aposta no erro.
Seja
qual for a escolha do governo, o misto de alegria e alívio que saudou a vitória
de Biden traz esperança de que se aproxima
do fim a hora do poder das trevas nos Estados Unidos e, oxalá, no
domínio do seu imitador nos trópicos. E isso é o melhor de tudo para o Brasil!
*Rubens Ricupero, diplomata, ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995); ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar)
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