sábado, 14 de novembro de 2020

Míriam Leitão - As contas que os prefeitos verão

- O Globo

As cidades estão com suas contas em situação melhor do que os estados, apesar da pandemia. Mas nem por isso os prefeitos eleitos amanhã ou no segundo turno podem relaxar. O ano que vem será difícil. Neste ano de pandemia, as receitas próprias dos grandes municípios caíram, mas as transferências da União aumentaram e compensaram a queda. O resultado é uma situação boa diante da crise econômica que o país vive. Uma das fontes mais importantes de arrecadação das cidades é o ISS, mas o setor de serviços está se recuperando de forma lenta, incerta e heterogênea.

Para entender como estão as contas das cidades, cujo destino está sendo disputado nas eleições que começam amanhã, conversei com a Secretaria do Tesouro e uma economista especializada no assunto, Vilma Pinto. O que eles disseram vai na mesma direção. Quem olha os números das prefeituras do país pode ficar com a impressão de que está tudo bem e que há base para os planos que os candidatos têm oferecido na tentativa de atrair o eleitor. Serão anos difíceis, na verdade, que vão exigir muito do administrador. As receitas estão no azul, na maioria das capitais, mas a transferência da União deste ano foi um caso excepcional. Ela não se repetirá à frente.

É muito difícil analisar o quadro fiscal dos municípios, explica Vilma, porque a situação é heterogênea, e os critérios de registrar despesas de pessoal são diferentes. Uma das coisas que o Plano Mansueto tentava era uniformizar essas estatísticas de gastos com ativos e inativos. De qualquer maneira, ela analisou a situação das capitais.

— Fiz um gráfico mostrando a evolução da receita tributária própria das capitais e a receita da transferência. A gente consegue ver claramente que houve desaceleração muito forte na arrecadação dos impostos das cidades, puxada pelo ISS, e ao mesmo tempo o aumento do apoio financeiro que a União deu — diz Vilma Pinto, economista licenciada da FGV e hoje assessora da secretaria de Fazenda do Paraná.

No Tesouro, a avaliação também é de que todas as capitais tiveram aumento de receita, “o que para um ano de pandemia é surpreendente”. Houve três canais de socorro às cidades. Aumento do Fundo de Participação dos Municípios, ajuda direta, e alívio financeiro. Mas o relatório enviado pelo Tesouro à coluna registra que “o patamar de despesa de pessoal inspira cuidados”.

Depois de analisar os dados de 4.712 municípios, Vilma Pinto concluiu que as receitas orçamentárias cresceram 0,8% de janeiro a agosto deste ano, sobre o mesmo período do ano passado, em termos reais. Mas enquanto as receitas tributárias caíram 4,9%, com uma perda de R$ 5 bilhões, as transferências da União subiram 19%, cerca de R$ 22 bilhões. Olhando apenas para as contas das capitais, percebe-se no gráfico a “boca de jacaré” que se abriu entre essas duas fontes de receitas. O risco é o que pode acontecer em 2021.

— Ano que vem não teremos essas transferências e com cenário de recuperação mais lenta e sem o apoio da União, qualquer eventual queda de arrecadação terá que ser acomodada por eles próprios — explicou Vilma.

Pelo lado da despesa, o Rio é a única das capitais que gasta mais do que o permitido com pessoal quando se faz a conta pela despesa líquida. Dá 54,8%, quando o limite é 54%. O problema é que cada cidade tem um critério do que desconta do gasto. Na despesa bruta com pessoal ativo e aposentados, o Rio gasta 76,4%. Ou seja, tudo isso só para pagar pessoal.

— No curto prazo vai ser difícil fazer investimentos sociais, os primeiros dois anos serão de arrumação da casa — calcula a economista.

Dependendo do critério, há cidades em situação melhor do que as demais. Pelos dados do Tesouro, Belo Horizonte tem melhor saúde fiscal. Seguida de São Paulo. De qualquer maneira, esse não será um mandato fácil para os vencedores das eleições.

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