sábado, 14 de novembro de 2020

Raul Jungmann* - Amazônia: decifra-me ou te devoro

- Capital Político 

Dependendo do olhar que se lance sobre a Amazônia Legal, ora ela parece um gigante, ora um anão. Geográfica e fisicamente ela é indiscutivelmente superlativa: 61% do território nacional, com mais de 5.2 milhões de Km2; um terço de todas as florestas tropicais do mundo, 20% da água potável do planeta, idem maior bacia hidrográfica, maior rio, maior banco genético e diversidade.

Se fosse um país, a Amazônia internacional seria o sexto maior em extensão, espalhando-se por nove países sul-americanos. Na outra face da moeda, a região detinha apenas 8% do PIB em 2018, e 12.3% da população total do país, algo como 23 milhões de habitantes – destes, 69% concentrados nas áreas urbanas.

Em 2007, as áreas protegidas (reservas indígenas + áreas ambientais + reservas militares) somavam 209 milhões de hectares, dos quais 53% em situação fundiária incerta, segundo o Imazon.  Em resumo, a gigante Amazônia é um “vazio de poder”, em termos econômicos, populacionais e políticos. Historicamente, apenas em 1953, no segundo governo Vargas, foi criada a SPVEA – Secretaria Para a Valorização Econômica da Amazônia, antecessora da igualmente impotente SUDAM.

A Amazônia sempre foi para o Brasil um “outro” – longínquo, desconhecido, exótico, misterioso. Não sabemos o querer dela; inexiste um projeto nacional para a região. E sua voz, desde sempre, foi pouco audível. A região se caracteriza mais pelo olhar externo sobre ela, do que pela sua voz sobre si mesma.

E não por acaso vêm de fora os ventos da mudança. Globalização e alterações climáticas internacionalizaram definitivamente a região. Mais e mais, o mundo crê que a Amazônia está para o seu futuro como algo capital, em termos de equilíbrio ambiental e sobrevivência humana. A Amazônia é considerada um dos 15 “hot spots” do mundo com impacto  no clima global. O que tende a exacerbar pressões que se chocam com nossa soberania sobre a região.

O desmatamento, queimadas e exploração mineral de terras indígenas no topo das mídias globais, são a expressão mais visível desse entrechoque, que ameaça setores exportadores, podendo levar à perda de mercados e sanções.

Não se iludam, a Amazônia, pela primeira vez estará na agenda presidencial de 2022. Afinal, ela está na agenda do mundo. Ergo, estará na nossa também, como atesta a criação da Coalizão Brasil, Clima Florestas e Agricultura, integrada por mais de 250 empresas do agronegócio, grandes bancos, academia e ONGs.

Decifrar essa esfinge e solucionar a atual e antiga crise, requer um projeto nacional voltado para o desenvolvimento sustentável. Sem este, não há como alinhar a defesa da nossa soberania, a preservação do meio ambiente e as preocupações globais.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Um comentário:

AHIMTB disse...
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