A resposta à crise econômica iniciada na esteira da pandemia do Coronavírus levou a uma situação inesperada: no meio de uma das piores recessões da história brasileira, os 40% mais pobres viram sua renda subir. O auxílio emergencial, criado por iniciativa do Congresso e da sociedade civil, transferiu renda diretamente para os brasileiros mais vulneráveis e logrou o fato impressionante de reduzir a pobreza nos meses iniciais da pandemia.
Focalizar
a política fiscal nos mais pobres como método de combate a recessões tem
respaldo da literatura científica. Um estudo experimental de cinco economistas
realizado no Quênia comprovou que cada dólar transferido para os mais pobres em
um determinado município causava uma expansão econômica de US$ 2,7 naquela
cidade, indicando que a transferência tem amplo “efeito multiplicador” de
estímulo econômico.
Outro
estudo recente, de Owen Zidar, indica que reduzir impostos sobre os 10% mais
ricos têm baixo impacto econômico, enquanto reduzir impostos dos mais pobres
estimula a economia de forma substancial.
A
lógica por trás desses resultados, desenvolvida pela teoria econômica, se
explica da seguinte forma. Os mais pobres tendem a ter menor acesso à poupança
e ao crédito, de modo que um aumento de sua renda se transforma quase
integralmente em consumo.
Já os mais ricos conseguem suavizar seu consumo ao longo do tempo, poupando uma parte maior do aumento de receita para consumir no futuro. Por isso, transferir renda para o primeiro grupo tenderá a levar a um maior impacto econômico imediato.
Neste
contexto, o auxílio emergencial brasileiro, que focaliza a transferência nos
mais vulneráveis, é superior aos cheques distribuídos pelo governo americano
para a maioria da população. Como previsto pela lógica descrita acima, mais de
um terço da transferência de renda americana se transformou em poupança, de
acordo com estudo de economistas do banco central dos EUA.
Um
programa com a abrangência do auxílio emergencial dificilmente tem viabilidade
de se tornar permanente (ele é 20 vezes o custo anual do Bolsa Família).
Contudo, algumas lições ficam para o futuro.
Primeiro,
mesmo em momentos de crise, a virtual eliminação da pobreza extrema no Brasil é
uma questão de priorização política. O país já tinha aprendido essa lição,
parcialmente, pelo legado do Bolsa Família, que atinge cerca de 14 milhões de
famílias, mesmo custando apenas 0,5% do PIB.
Segundo
estimativas recentes da OCDE, expandindo a estrutura já existente, seria
possível eliminar a pobreza extrema com mais 0,13% do PIB investidos nessa
área.
É
importante notar, ademais, que é viável realizá-lo sem prejudicar o resultado
fiscal do governo, remanejando outras prioridades. Por exemplo, a União gasta
anualmente mais de 4,5% do PIB com subsídios, segundo dados do Ministério da
Economia. Nesta conta, incluem-se custos como subsídio à educação, à saúde e à
pejotização da classe alta; transferências de renda à indústria e ao
agronegócio; à Zona Franca de Manaus; e os créditos subsidiados do BNDES.
Remanejar
parte destes gastos para a transferência focalizada nos mais pobres seria um modo
de melhorar a qualidade do gasto público de forma fiscalmente neutra.
Outra
lição é sobre quais políticas devem ser adotadas no estímulo econômico durante
uma recessão. O método tradicional de estímulo à demanda agregada utilizado no
Brasil tem sido benefícios creditícios e subsídios a setores considerados
estratégicos por aqueles que estão no poder.
Após
a crise de 2009, por exemplo, o governo reduziu impostos de bens específicos,
como geladeiras, fogões, móveis e automóveis. Em geral, a escolha de quais
setores são suficientemente estratégicos para receberem o benefício obedece a
uma dinâmica mais política que econômica.
Também
por isso, avaliações posteriores demonstram que os resultados de parte dessas
políticas não se materializou em ganhos econômicos.
Durante
esta crise, fez-se, no Brasil, a opção por subsidiar diretamente aquele que é
um dos principais objetivos da política pública: o bem-estar e o consumo da
população. Os resultados positivos foram claros. Adicionalmente, há outras
políticas de subsídio direto que podem despontar como futura alternativa.
Por
exemplo, as políticas de subsídio direto ao vínculo empregatício durante
recessões, bem sucedidas na Alemanha há mais de uma década, que têm se
disseminado para outros países.
Em
seu pico, em 2015, a União chegou a gastar 6,7% do PIB (13 vezes o Bolsa
Família), anualmente, com subsídios. O que teria acontecido se esses recursos
virassem transferência de renda para os vulneráveis e não para as elites?
Tradicionalmente, no Brasil, os pobres não são um setor estratégico.
Desta vez, por uma série de acontecimentos fortuitos, escolhemos os pobres como setor estratégico — e a pobreza caiu substancialmente. Esta é a principal lição da pandemia para a política econômica.
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