sábado, 13 de fevereiro de 2021

Carlos Góes - Os pobres são estratégicos

- O Globo

A resposta à crise econômica iniciada na esteira da pandemia do Coronavírus levou a uma situação inesperada: no meio de uma das piores recessões da história brasileira, os 40% mais pobres viram sua renda subir. O auxílio emergencial, criado por iniciativa do Congresso e da sociedade civil, transferiu renda diretamente para os brasileiros mais vulneráveis e logrou o fato impressionante de reduzir a pobreza nos meses iniciais da pandemia.

Focalizar a política fiscal nos mais pobres como método de combate a recessões tem respaldo da literatura científica. Um estudo experimental de cinco economistas realizado no Quênia comprovou que cada dólar transferido para os mais pobres em um determinado município causava uma expansão econômica de US$ 2,7 naquela cidade, indicando que a transferência tem amplo “efeito multiplicador” de estímulo econômico.

Outro estudo recente, de Owen Zidar, indica que reduzir impostos sobre os 10% mais ricos têm baixo impacto econômico, enquanto reduzir impostos dos mais pobres estimula a economia de forma substancial.

A lógica por trás desses resultados, desenvolvida pela teoria econômica, se explica da seguinte forma. Os mais pobres tendem a ter menor acesso à poupança e ao crédito, de modo que um aumento de sua renda se transforma quase integralmente em consumo.

Já os mais ricos conseguem suavizar seu consumo ao longo do tempo, poupando uma parte maior do aumento de receita para consumir no futuro. Por isso, transferir renda para o primeiro grupo tenderá a levar a um maior impacto econômico imediato.

Neste contexto, o auxílio emergencial brasileiro, que focaliza a transferência nos mais vulneráveis, é superior aos cheques distribuídos pelo governo americano para a maioria da população. Como previsto pela lógica descrita acima, mais de um terço da transferência de renda americana se transformou em poupança, de acordo com estudo de economistas do banco central dos EUA.

Um programa com a abrangência do auxílio emergencial dificilmente tem viabilidade de se tornar permanente (ele é 20 vezes o custo anual do Bolsa Família). Contudo, algumas lições ficam para o futuro.

Primeiro, mesmo em momentos de crise, a virtual eliminação da pobreza extrema no Brasil é uma questão de priorização política. O país já tinha aprendido essa lição, parcialmente, pelo legado do Bolsa Família, que atinge cerca de 14 milhões de famílias, mesmo custando apenas 0,5% do PIB.

Segundo estimativas recentes da OCDE, expandindo a estrutura já existente, seria possível eliminar a pobreza extrema com mais 0,13% do PIB investidos nessa área.

É importante notar, ademais, que é viável realizá-lo sem prejudicar o resultado fiscal do governo, remanejando outras prioridades. Por exemplo, a União gasta anualmente mais de 4,5% do PIB com subsídios, segundo dados do Ministério da Economia. Nesta conta, incluem-se custos como subsídio à educação, à saúde e à pejotização da classe alta; transferências de renda à indústria e ao agronegócio; à Zona Franca de Manaus; e os créditos subsidiados do BNDES.

Remanejar parte destes gastos para a transferência focalizada nos mais pobres seria um modo de melhorar a qualidade do gasto público de forma fiscalmente neutra.

Outra lição é sobre quais políticas devem ser adotadas no estímulo econômico durante uma recessão. O método tradicional de estímulo à demanda agregada utilizado no Brasil tem sido benefícios creditícios e subsídios a setores considerados estratégicos por aqueles que estão no poder.

Após a crise de 2009, por exemplo, o governo reduziu impostos de bens específicos, como geladeiras, fogões, móveis e automóveis. Em geral, a escolha de quais setores são suficientemente estratégicos para receberem o benefício obedece a uma dinâmica mais política que econômica.

Também por isso, avaliações posteriores demonstram que os resultados de parte dessas políticas não se materializou em ganhos econômicos.

Durante esta crise, fez-se, no Brasil, a opção por subsidiar diretamente aquele que é um dos principais objetivos da política pública: o bem-estar e o consumo da população. Os resultados positivos foram claros. Adicionalmente, há outras políticas de subsídio direto que podem despontar como futura alternativa.

Por exemplo, as políticas de subsídio direto ao vínculo empregatício durante recessões, bem sucedidas na Alemanha há mais de uma década, que têm se disseminado para outros países.

Em seu pico, em 2015, a União chegou a gastar 6,7% do PIB (13 vezes o Bolsa Família), anualmente, com subsídios. O que teria acontecido se esses recursos virassem transferência de renda para os vulneráveis e não para as elites? Tradicionalmente, no Brasil, os pobres não são um setor estratégico.

Desta vez, por uma série de acontecimentos fortuitos, escolhemos os pobres como setor estratégico — e a pobreza caiu substancialmente. Esta é a principal lição da pandemia para a política econômica.

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