Outra
coisa que aproxima esquerda e direita no Brasil: a bronca com o mercado. E a
ignorância a respeito dessa obscura entidade, motivo de contradições dos dois
lados.
O
vice-presidente Hamilton Mourão, ao justificar a concessão de um novo auxílio
emergencial, comentou: “Não podemos ficar escravos do mercado”.
Ora,
não é difícil encontrar, entre economistas e investidores — membros do tal
mercado —, quem defenda fortemente o auxílio. Inclusive por razões econômicas.
O auxílio coloca renda na mão das famílias, o que vai movimentar comércio e
serviços, como se verificou no ano passado.
A
ressalva do mercado está na demanda por uma política pública organizada e
permanente — e não um quebra-galho populista.
É
grande a diferença. Uma política bem pensada define com clareza os
beneficiários do programa, mede sua eficácia e, sobretudo, define as fontes de
financiamento, respeitando o controle das contas públicas.
O quebra-galho, esse exigido pelo Centrão e pelo presidente Bolsonaro, é um arranjo de momento para fins eleitoreiros. Simplesmente aumenta o gasto, sem cortar nada em troca. E não dá horizonte aos mais pobres, por ser provisório.
Mais
interessante ainda é que o Centrão pede o auxílio dizendo que já atendeu ao
mercado com a lei da autonomia do Banco Central. Sim, economistas e
investidores gostam da independência do BC.
Quer
dizer que nisso o governo é escravo do mercado?
Sim,
é a resposta, mas não do Mourão, e sim de Fernando Haddad. Para ele e toda a
esquerda, a autonomia significa entregar o BC ao mercado e, pior, aos
banqueiros.
Trata-se
de equívoco e contradição, pelo outro lado. Ao passado: quando FHC nomeou
Armínio Fraga, então gestor dos fundos de George Soros, para a presidência do
BC, o PT disse que era a raposa tomando conta do galinheiro. Aí, Lula se elege
presidente e quem coloca no BC? Henrique Meirelles, ex-presidente mundial do
Bank of Boston. Ou seja, um chefe das raposas.
Meirelles,
que havia recebido promessa de independência de Lula, cumprida, ficou no BC
durante os oito anos do governo petista e fez um bom trabalho.
A
pobreza do debate político-econômico é causa dos nossos atrasos. No mundo,
todos os BCs independentes são mais eficientes, ou seja, entregam estabilidade
e condições de crescimento.
Políticas
públicas de apoio aos mais pobres estão incorporadas às mais variadas doutrinas
econômicas há muito tempo. Bolsa Família, por exemplo, é uma ideia surgida nos
quadros do Banco Mundial. Ali se chegou à conclusão de que distribuir comida e
bens aos mais pobres era simplesmente ineficiente.
Órgãos
governamentais gastavam a maior parte do dinheiro em burocracia e na
distribuição, sem contar a corrupção. Ora, por que não entregar o dinheiro
direto na mão das famílias? Com uma condição: que colocassem os filhos na
escola e mantivessem em dia a carteirinha do posto de saúde. Teoria: com o
dinheiro, as famílias não precisavam colocar as crianças para trabalhar;
estudando, as crianças tinham a chance de escapar da pobreza.
Foi
introduzido no Brasil pelo prefeito tucano Magalhães Teixeira, de Campinas, em
1994. Depois, em Brasília, pelo então governador Cristovam Buarque. E virou
Bolsa Escola no governo FHC.
É
simplesmente um bom programa social, que não pode ser chamado de esquerda ou de
direita. Assim como não há BC de direita ou de esquerda. Há os que controlam e
os que não controlam a inflação.
Tudo
considerado, o Brasil precisa de vacina e programas sociais, por óbvio; de
reformas, porque o setor público não cabe no nosso PIB; e de privatizações,
porque os governos não têm dinheiro para investir.
Sim,
o mercado gosta disso. Nós também.
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