Somos
um país egoísta, que esconde sua natureza com uma alegria contagiante, musical,
dançante, calorosa
Escrevi
os três parágrafos abaixo no início da pandemia de coronavírus, a pedido da
filha de um amigo que coletava impressões sobre como sairíamos da crise sanitária
que se espalhava pelo mundo:
Muita
gente acha que o Brasil será melhor, que o trauma da pandemia tornará os
brasileiros mais tolerantes, solidários e amigáveis. Tenho sérias dúvidas sobre
isso. Somos um país egoísta, que esconde sua natureza com uma alegria
contagiante, musical, dançante, calorosa. Quem nos vê rapidamente, durante uma
semana de carnaval, por exemplo, acha que somos os melhores seres do planeta,
amáveis, tolerantes, misturados. Trata-se de um engano. Não somos, nunca fomos
e jamais seremos modelo para o mundo.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro” é um velho adágio popular que mostra bem como pensa o brasileiro. Uma outra máxima, conhecida como a “Lei do Gerson”, foi expressada em um comercial dos anos 1970, em que o velho craque da seleção e do Fluminense afirmava que “o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo”. Verdade. Somos isso mesmo, não adianta querer negar. E temo que esse modo degenerado de ver o mundo seja intensificado depois da pandemia de coronavírus. Os bons exemplos são poucos, é necessário garimpar muito fundo para encontrar casos que mereçam destaque. Quando os encontramos, batemos bumbo, fazemos festa, damos prêmio.
Não
somos solidários, não somos caridosos, não somos filantropos e também não somos
voluntários. Alguém certamente dirá que estou sendo rigoroso com o brasileiro,
que há muitos generosos e amorosos entre nós. É verdade, mas nem por isso dá
para ser complacente com os demais. O futuro mostrará se estou errado, mas acho
que sairemos dessa mais egoístas e sectários. Nossa xenofobia e nosso racismo
serão ainda mais escancarados, porque o brasileiro não terá que se desculpar ao
ultrapassar os limites, pois entenderá, equivocadamente, estar se defendendo. A
máscara da cordialidade se esgarçará mostrando melhor a verdadeira face do
brasileiro.
Exagerei?
Talvez pudesse fazer esta pintura com menos tintas. Mas veja agora o caso dos
fura filas da vacina. Eles estão espalhados pelo Brasil, são milhares os até
aqui descobertos, deve haver muitos mais. São o retrato mais fiel do malandro,
que está sempre procurando uma brecha para melhor se encaixar e ter alguma
vantagem em relação a todos os outros. São impulsionados pela cultura nacional
do jeitinho, do golpe, da maracutaia, do manda quem pode. Você sabe como a
coisa funciona. Se olhar ao seu redor, vai rapidamente identificar alguns
desses espertalhões.
Em
alguns casos, pode-se até entender, embora não justificar, o esforço de muitos
brasileiros em superar obstáculos para chegar antes, para obter alguma
vantagem. Num país tão desigual como o nosso, em que 55 milhões vivem abaixo da
linha de pobreza, há os que fazem qualquer tipo de malabarismo para levar meia
dúzia de pães e um litro de leite para casa. Estes lutam pela sobrevivência,
mas acabam cometendo crimes previstos no código penal, o que obviamente é
inadmissível.
E
então chegamos aos fura filas da vacina. Além da já mencionada cultura
brasileira que enaltece e valoriza o malandro, o que se vê nos dias atuais é a
negação sistemática do politicamente correto pregada pelo presidente Jair
Bolsonaro, seus zeros e sua tropa cega e burra. O exemplo de cima é excelente
para quem quer chegar antes ao fim do jogo pulando casas. No episódio em que
quis nomear o zero fritador de hambúrguer para a embaixada nos EUA, Bolsonaro
disse o seguinte: “Lógico que é filho meu, pretendo beneficiar filho meu, sim.
Se puder, dou filé-mignon para meu filho”.
Se
o presidente decide questões de Estado puxando a brasa para o seu filé, imagine
como seu povo reage. Estimulado, tende a seguir o exemplo do mito. E, já que
não pode nomear seus filhos para uma embaixada, vai dando jeitinhos aqui e ali,
furando uma filinha de vez em quando, buscando vantagens para si, para parentes
e amigos, se lixando para os demais. Este é o Brasil que construímos ao longo
dos anos e cujas estruturas reforçamos elegendo Jair Bolsonaro.
Sua
majestade
O
que Arthur Lira quer é conforto. Uma sala maior, com uma vista mais agradável.
O gabinete atual da presidência da Câmara é pequeno, a sala privada do
presidente é até acanhada. Então, ele resolveu remover a imprensa, retirando
mais de cem veículos credenciados na Câmara do seu local tradicional de
trabalho para lá instalar-se majestaticamente. Segundo o vereador Chico Alencar
(PSOL), seria como transferir as cabines da imprensa esportiva para o subsolo
do Maracanã. Do comitê, os jornalistas têm acesso direto ao plenário e ampla
visão do gramado em frente, onde
ocorrem as manifestações populares, contra ou a favor de
qualquer coisa. Somente presidentes pequenos como Lira, Arlindo Chinaglia e Eduardo
Cunha cogitaram esta mudança. O maior de todos, Ulysses Guimarães, presidiu a
Câmara, a Constituinte e a República daquela sala acanhada. Sem reclamar e sem
ameaçar os jornalistas.
A
quem incomoda
A
Lava-Jato incomodou mais por ter alcançado gente graúda do que pelos pecados
que cometeu. Que história é essa de prender empreiteiros, recuperar dinheiro
desviado e cobrar multas de empreiteiras só porque se serviram dos cofres públicos como
se fossem contas privadas? Que desplante. E, depois, como assim prender
deputados, senadores e até dois ex-presidentes do Brasil somente porque se
valeram de benefícios de particulares enquanto exerciam cargos públicos? Que
exagero.
Verdade
real
Há
um princípio na jurisprudência que poderia servir a Sergio Moro caso o Supremo
Tribunal Federal aceite o pedido da defesa do ex-presidente Lula e não rejeite
sumariamente a arguição de suspeição do ex-juiz da Lava-Jato. Trata-se da
“busca da verdade real”. Por ele, a Justiça não pode se satisfazer com a realidade
formal dos fatos, mas sim buscar que o ius puniendi (direito de punir
do Estado) seja efetivamente produzido. Neste caso poderia até caber ao juiz
orientar o Ministério Público em processos penais.
Resultados
O
senador Rodrigo Pacheco, recém-eleito presidente do Senado com o apoio do
presidente Bolsonaro, já começa a produzir resultados para o governo. Ele está
sentado em cima do pedido para a abertura da CPI da Pandemia, como se não
fossem evidentes os erros
e as omissões oficiais no combate ao coronavírus. Na
quinta, Pacheco disse que esperava o depoimento do ministro Pazuello no
plenário da Casa para ver se, depois dele, ainda seria necessária a CPI.
Ninguém confunde por acaso um debate no plenário com o poder de fogo de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito.
Ciumento
A
decisão de não convidar Hamilton Mourão para a última reunião ministerial
evidencia mais uma vez como é pequeno o presidente do Brasil. Não se sabe se ele
se parece mais com um
menino mimado ou um marido ciumento. O que se sabe com
certeza é que atitudes como aquela comprovam que o principal líder nacional
segue envergonhando o país e seus cidadãos.
O
Brasil aguenta
O
presidente do STF, Luiz Fux, está enganado. O Brasil aguenta, três, quatro ou
quantos impeachments forem necessários. Primeiro porque, pela letra da
Constituição, crime de responsabilidade deve ser punido com o afastamento do
presidente. Segundo, o Brasil consolidou o seu presidencialismo parlamentar. Já
testou e viu que funciona bem a cassação do mandato de um presidente
criminoso. Trata-se
de um modelo, do modelo brasileiro. O que o Brasil não pode
é aguentar mais um golpe de Estado, como aquele sugerido pelo próprio Jair
Bolsonaro, que um dia disse que daria um golpe e fecharia o Congresso se fosse
eleito presidente. Ou que defendem seus três zeros. Um deles afirmou, Fux deve
se lembrar, que para fechar o Supremo não precisa nem de um jipe, bastariam um
soldado e um cabo.
Democracia
jovem
O
sentimento de Fux é compartilhado pelos que dizem que a democracia no Brasil
ainda é jovem e precisa
de cuidados especiais. Não é e não precisa. Se considerada
desde a Anistia, tem 42 anos; desde o primeiro presidente civil, tem 36; da
Constituinte, 33; do primeiro presidente eleito pelo voto direto, tem 32 anos.
Democracia madura como a nossa se preserva exercitando-a. Ao votar o segundo
impeachment de Donald Trump, o Congresso dos EUA está fazendo exatamente isso,
fazendo funcionar sua democracia, que tem mais de 230 anos.
Abismo
Quem
assistiu na íntegra a transmissão da sessão em que deputados democratas
defenderam o impeachment de Donald Trump notou a diferença abissal entre
aqueles parlamentares e os nossos similares nacionais. Estavam preparados, com
argumentos sólidos, detalhes
históricos e denúncias novas. Aqui, como já se viu no
passado, as sessões são palanques onde eleitores, amigos e famílias são
lembrados e, em muitos casos, exaltados.
Acelerado
O
secretário da Fazenda do Rio, o deputado Pedro Paulo, não tem tempo a perder.
Ele ouve podcasts por uma hora todas as manhãs. Mas as horas rendem porque os
áudios são tocados em ritmo acelerado, de 1.2 ou 1.5 acima da velocidade
normal. A coisa é tão grave que até filmes e séries no streaming ele assiste em velocidade alterada. O
secretário diz que aprendeu a técnica com o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES),
que ouve todo tipo de áudio com velocidade até duas vezes maior.
Faz
diferença
Luiza
Trajano deu um exemplo de cidadania ao propor a participação de empresários
no apoio logístico, material e
financeiro ao processo de vacinação dos brasileiros contra
o coronavírus. Por isso, aliás, começa a ser torpedeada pela tropa
bolsonarista. Que tragédia virou essa gangue presidencial.
Saudades
do vovô
Incrível
a falta de habilidade do ex-prefeito ACM Neto no episódio da eleição para a
presidência da Câmara. Ficou evidente a distância que o separa do verdadeiro
ACM, seu avô, Antônio Carlos Magalhães, ou do seu tio Luiz Eduardo. Se o tio
não tivesse morrido tão cedo, a esta altura Neto seria dono de uma concessionária da Ford em
Salvador.
Cantinho
do moreno
ACM Neto saiu menor do embate contra Rodrigo Maia e em favor de Bolsonaro.
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