Partidos
vêm perdendo credibilidade por mudar de opinião nas barbas do eleitor
O
eleitor do DEM confia no DEM? A cantora pop Beyoncé confia
no marido, o rapper Jay-Z? “Minhas suspeitas se multiplicaram depois que você
mentiu”, canta Beyoncé ao som de guitarra acústica na música Resentment. Da
mesma maneira, o eleitor do DEM tem todos os motivos para se sentir ressabiado
depois do racha do partido em praça pública ao longo da semana.
O
episódio reflete, de certa forma, o cisma mundial das direitas – “liberais” de
um lado, “populistas” do outro, na nomenclatura utilizada pelos cientistas
políticos. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia queria
fazer do DEM um partido de centro direita estilo europeu, como o Democrata
Cristão de Angela Merkel – ideológico e defensor da democracia. Para
isso, afastou-se da estridência populista do bolsonarismo.
Na eleição para presidente da Câmara, no entanto, vários deputados do partido votaram em Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro. O eleitor ficou desconcertado: o DEM, afinal, é oposição ou situação? Em crise de identidade, o partido rachou. Maia afirmou, em entrevista ao jornal Valor na segunda-feira, que o presidente do partido, ACM Neto, não tinha “coluna vertebral”. Na terça-feira, ACM acusou Maia de “descontrole” e atribuiu o cavalo de pau de vários deputados de seu Estado, a Bahia, às vicissitudes da política.
É
um jeito, digamos, “pragmático” de ver as coisas – mas que banaliza o nobre
papel dos partidos nas democracias. Eles são instituições-chave nos regimes de
liberdade. E vêm perdendo credibilidade no mundo inteiro por mudar de opinião
nas barbas do eleitor. É o caso do DEM, que buscava uma pegada ideológica e
sucumbiu ao fisiologismo – o Estadão revelou quanto dinheiro foi destinado às
bases de cada deputado que mudou de voto. O partido se portou como na velha
piada do escorpião e do sapo. O escorpião ferroou o sapo que lhe dava carona
para atravessar o rio, quebrando a promessa de não atacá-lo. Antes que os dois
morressem afogados, o escorpião disse: “Não pude evitar, é da minha natureza”.
Maria
Díez-Garrido, doutora em comunicação política pela Universidade de Valladolid e
personagem do minipodcast da semana, estuda partidos políticos e o que eles
podem fazer para recuperar a credibilidade. Uma das palavras-chave é
transparência – não ceder à “natureza” entre mãos-bobas no escurinho do
Parlamento. Além de transparência – de ideias e financiamento –, Díez-Garrido
propõe a criação de ferramentas que facilitem a participação dos eleitores e a
construção de propostas junto com os cidadãos e com a sociedade civil.
Um
estudo ainda inédito, apresentado por Díez-Garrido em seminário na Universidade
de Lisboa, avalia partidos da Península Ibérica segundo esses critérios. Na
Espanha o vencedor foi o PSOE, de centro esquerda. Em Portugal, apenas uma
sigla foi “aprovada” com média superior a 50 pontos: o PSD, uma centro direita
ideológica – parecida com o que o DEM se esforçava para ser.
O título do trabalho – “Da opacidade à abertura: a jornada necessária dos partidos políticos” – sugere que as siglas têm uma lição de casa a fazer para recuperar a confiança dos eleitores. A tarefa começa nos próprios sites, mas não se restringe a eles. Os “partidos Jay-Z” às vezes têm boas páginas (a do DEM traz até uma carta programática, que inclui uma rejeição veemente ao “populismo”). Não adianta, no entanto, ser moderno na web e uma piada velha no mundo real.
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