Diante da escalada inflacionária, Jair Bolsonaro cultiva a narrativa segundo a qual a culpa é dos governadores, do vírus e dos investidores
O
presidente Jair Bolsonaro declarou que quer “tratar de diminuir impostos num
clima de tranquilidade, não num clima conflituoso”, numa referência à sua
intenção de reduzir os impostos federais sobre os combustíveis para baratear o
diesel e agradar aos caminhoneiros. Queixou-se de que “o pessoal do mercado”
fica “irritadinho” com “qualquer coisa que se fala aqui”. E insistiu: “Vamos
deixar de ser irritadinhos, que isso não leva a lugar nenhum. Uma das maneiras
de diminuir (o preço do) combustível é com o dólar caindo aqui dentro. Mas
qualquer negocinho, qualquer boato na imprensa, tá o mercado irritadinho, sobe
o dólar”. Arrematou dizendo que “o mercado tem que dar um tempinho também” e
que “um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles”.
É
preciso um esforço considerável para traduzir o dialeto primitivo do sr.
Bolsonaro, mas presume-se que o presidente da República tenha tentado expressar
sua contrariedade com o fato de que o mercado reage mal sempre que se fala em
intervir em preços.
Bolsonaro
nunca escondeu que não entende nada de economia. Ainda na campanha, avisou aos
eleitores que era um ignorante completo sobre o assunto, deixando todas as
questões relativas a esse tema para serem respondidas pelo hoje ministro da
Economia, Paulo Guedes.
Já na condição de presidente, disse que não era economista e que, por esse motivo, não conseguia entender por que razão a Petrobrás eventualmente reajustava os preços dos combustíveis acima da inflação. Em abril de 2019, a Petrobrás havia majorado o preço do diesel em 5,7%, e Bolsonaro informou ter mandado a estatal suspender o aumento até que lhe explicasse “o porquê dos 5,7% quando a inflação projetada para este ano está abaixo de 5%”. Ato contínuo, as ações da Petrobrás despencaram, ante a óbvia intervenção do presidente.
Passados
quase dois anos, aparentemente nenhum dos auxiliares de Bolsonaro foi capaz de
explicar-lhe que um presidente da República, por mais poderoso que se
considere, não deve interferir na formação dos preços da Petrobrás.
Na
última vez em que isso foi feito explicitamente, durante o governo de Dilma
Rousseff, a estatal contabilizou um dos maiores prejuízos de sua história, por
ter sido obrigada a subsidiar os preços dos combustíveis para tentar conter a
escalada da inflação às vésperas da eleição presidencial de 2014. Como a
Petrobrás é uma empresa com ações em Bolsa e deve satisfações a investidores
privados, não pode estar sujeita aos humores políticos, naturalmente instáveis,
a ponto de tornar imprevisível o processo decisório da empresa.
Mas
o problema transcende a Petrobrás. Um governo que interfere diretamente nos
preços dos combustíveis cruza uma espécie de Rubicão da administração pública,
pois deixa claro que não respeita os fundamentos da economia de mercado e é
capaz de tudo para satisfazer aos interesses políticos.
Um
presidente da República não precisa entender de economia, mas deve saber de cor
quais são os limites de seu poder. O fato, contudo, é que é ocioso esperar que
Bolsonaro algum dia aprenda o que é uma economia de mercado, assim como é perda
de tempo esperar que ele aprenda os fundamentos da democracia – cuja plenitude
só é atingida quando os agentes econômicos são livres.
Bolsonaro
já disse reiteradas vezes – e repetiu agora – que são impatriotas os
“irritadinhos” do mercado. De acordo com essa concepção, não gostam do Brasil
os investidores que esperam transparência e racionalidade das empresas nas
quais põem seu dinheiro. Também não gostam do Brasil aqueles que exigem
responsabilidade fiscal e têm ojeriza ao populismo perdulário. Por conseguinte,
o bom brasileiro, na visão bolsonarista, seria aquele que aceita perder
dinheiro em nome dos interesses eleitorais do presidente.
Mas
Bolsonaro compensa largamente seu apedeutismo econômico com sua astúcia
política: diante da escalada inflacionária, o presidente vem cultivando a
narrativa segundo a qual não tem culpa de nada – a conta é dos governadores, do
vírus e, agora, dos investidores “irritadinhos”. Se há algo previsível neste
governo, é a ânsia de Bolsonaro de fugir de toda e qualquer responsabilidade.
A
recuperação perde força – Opinião | O Estado de S. Paulo
Serviços
e comércio fraquejam no momento em que a inflação ganha força
Sinais mais evidentes da fragilidade do cenário econômico começam a criar dúvidas sobre a velocidade e a consistência da recuperação que se desenhava a partir de meados do ano passado. O que, por algum tempo, pareceu ser uma recuperação em “V” – caracterizada por queda acentuada da atividade econômica seguida de recuperação em velocidade às vezes até maior do que a da queda – começa a configurar uma evolução bem menos auspiciosa. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram forte perda de ritmo em segmentos vitais, como o de serviços e o de comércio varejista.
Resultados mensais ou os acumulados ao longo de 2020 mostram seu pior desempenho em muitos anos. A atividade econômica está perdendo vigor num momento em que a inflação dá sinais no sentido oposto, ganhando impulso. O quadro preocupa pessoas responsáveis e preocupadas com as condições de vida da população, mas no centro das decisões políticas em Brasília parece não haver muitas pessoas com essa característica, o que tende a piorar as coisas.
Adjetivos
pouco usuais nas frias avaliações dos analistas do mercado financeiro foram
utilizados depois de conhecidos os resultados do comércio varejista em dezembro
(e em todo o ano passado). “Fraco” ou “ruim” foram as expressões mais moderadas
para avaliar a queda de 6,1% nas vendas do varejo em dezembro, na comparação
com novembro. “Incrível”, “total desastre” foram outras expressões empregadas
para avaliar o resultado. Estas talvez sejam mais apropriadas.
Foi
a maior queda registrada no último mês do ano desde que o IBGE começou a
pesquisa. Com a queda de dezembro, praticamente todos os resultados positivos
acumulados no período da recuperação foram consumidos. No fim do ano passado,
as vendas do varejo estavam no mesmo nível de fevereiro, isto é, antes que a
pandemia de covid-19 afetasse duramente a vida das pessoas e a atividade
econômica. No ano, houve alta de 1,2%.
Quanto
ao varejo ampliado, que considera também o comércio de veículos, motos, partes
e peças, além de material de construção, o volume de vendas em 2020 foi 1,5%
menor do que em 2019. Em valor, houve alta de 3,3%.
Mais impressionante, nesse cenário que parece perder sustentação, é a queda de 7,2% dos serviços em 2020, no pior resultado desde 2012. Como se sabe, os serviços respondem por mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Por isso, esse resultado afetará os números finais do PIB em 2020, que serão conhecidos em março.
Em
dezembro, o volume de serviços prestados caiu 0,2% em relação a novembro, o que
interrompeu uma sequência de seis altas mensais. Essas seis altas consecutivas
foram insuficientes para repor as perdas decorrentes da pandemia.
O
recrudescimento da pandemia é um dos principais responsáveis pela queda dos
serviços. O aumento do número de casos exige medidas mais rigorosas para conter
a contaminação, com mais restrições à circulação de pessoas. O caráter presencial
caracteriza boa parte dos serviços. Por isso, a recuperação depende em boa
medida da contenção da crise sanitária. E isso, de sua parte, depende da
velocidade e da amplitude da vacinação da população. Sua imunização é essencial
para a retomada dos serviços.
Também
o comércio, que registrou queda acentuada em dezembro, está sendo afetado pelo
recrudescimento da pandemia, que impõe restrições ao horário de funcionamento
dos estabelecimentos.
Há,
obviamente, outros fatores, além da pandemia, que prejudicam o desempenho do
comércio e dos serviços. A inflação, sobretudo a dos alimentos, afeta mais o
orçamento das famílias de menor renda, que gastam proporcionalmente mais com
comida que as demais. O desemprego continua em níveis muito altos e gera
insegurança em boa parte dos consumidores. O fim do pagamento do auxílio
emergencial reduziu a margem financeira das famílias para o consumo.
Ainda
não há sinais de que esse conjunto de fatores mudará no curto prazo.
O direito ao esquecimento – Opinião | O Estado de S. Paulo
Supremo
Tribunal Federal agiu com sensatez, preservando a liberdade de imprensa
Ao rejeitar por maioria de votos a introdução, por via judicial, do chamado direito ao esquecimento na ordem legal brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão fundamental para preservar a liberdade de expressão no País. Apesar de não ser previsto pelo direito positivo, o tal direito ao esquecimento vinha sendo pleiteado em diferentes instâncias judiciais por pessoas que solicitavam a remoção de conteúdo em artigos e reportagens publicados por órgãos de comunicação e pela internet.
O
caso julgado envolve uma reportagem da TV Globo levada ao ar em 2004, sobre o
assassinato de Aída Curi, em 1958, no Rio de Janeiro, depois de ter sido
surrada e estuprada. Os criminosos foram dois playboys e um porteiro que os
ajudou a jogar o corpo do alto de um edifício em Copacabana. O caso foi julgado
três vezes e o porteiro e um dos rapazes foram inocentados da acusação de
homicídio e condenados por atentado ao pudor e tentativa de estupro. O outro
rapaz, que tinha menos de 18 anos, foi condenado por homicídio e encaminhado ao
Sistema de Assistência ao Menor. Como a opinião pública ficou revoltada com
essas decisões, desde então os meios de comunicação relembram e comentam as
punições pouco rigorosas aplicadas.
Além
de alegar que não autorizou o uso de imagem da vítima, sua família pediu
indenização por dano moral. Também pleiteou que o crime fosse “desindexado”. Ou
seja, que deixasse de aparecer na mídia e nas primeiras páginas de resultados
das plataformas de pesquisa, sob a justificativa de que o crime ocorreu há
muito tempo, não fazendo assim mais parte do conhecimento comum da população.
Essa
discussão não é nova. O direito ao esquecimento apareceu na Europa após a 2.ª
Guerra Mundial, favorecendo nazistas e fascistas que exerceram papéis
secundários nas ditaduras de Hitler e Mussolini. Trata-se de questão complexa,
pois esse tipo de reivindicação, baseado no direito à intimidade e à
privacidade, colide com o direito da liberdade de expressão e informação, que
está na essência da democracia. A ação – que foi julgada como sendo de
repercussão geral, o que faz com que a decisão seja aplicada a todos os
processos que tratam do mesmo tema – envolve assim uma questão clássica do
direito: a colisão entre princípios constitucionais.
Na
doutrina, alguns especialistas em direito civil defendem a criação do direito
ao esquecimento, com base na tese de que ninguém é obrigado a conviver para
sempre com erros pretéritos. Também alegam que o direito ao esquecimento está
no rol dos chamados direitos de personalidade. Os especialistas em direito
público, contudo, refutam essa tese. Para eles, se as informações publicadas
pela mídia e pelas plataformas digitais tratam de fatos reais, impedir sua
republicação seria uma forma de “censura pelo retrovisor”.
Afirmam,
ainda, que não faz sentido proibir os órgãos de comunicação de publicar
notícias sobre um caso só pelo fato de ser antigo.
No
julgamento do STF, prevaleceu o entendimento dos publicistas. Segundo o
relator, Dias Toffoli, cujo parecer foi acompanhado pela maioria dos ministros,
o direito ao esquecimento é incompatível com os direitos previstos pela
Constituição no capítulo das garantias fundamentais. Além disso, eventuais excessos
ou abusos no exercício da liberdade de expressão e do direito de informação,
como publicação de mentiras e fatos desatualizados, podem ser reparados nas
esferas cível e criminal, afirmou.
Ao
combinar a liberdade constitucional de informação em todas as suas formas de
expressão com a proteção pontual dos direitos da personalidade pelo direito
civil e penal, o STF tomou uma decisão sensata. De um lado, porque deteve a
expansão de uma indústria de ações judiciais que vinha crescendo no País, com o
objetivo de impedir a veiculação, pelos meios de comunicação, de documentos e
retrospectivas históricas. De outro, porque, ao reafirmar o direito de informar
e ser informado, preservou a liberdade de imprensa justamente em um período em
que ela vem sendo ameaçada por governantes autoritários e populistas.
Congresso precisa zelar pelas restrições fiscais – Opinião | O Globo
O desafio no novo auxílio emergencial é criar uma fórmula fiscalmente responsável e, ao mesmo tempo, capaz de ser aprovada por um Congresso que costuma não ter lá grande apreço pela responsabilidade fiscal. É preciso que os parlamentares entendam que as preocupações da equipe econômica com as finanças públicas são corretas, para que a população mais pobre seja atendida, e a saúde fiscal não seja ameaçada.
Chegou
a haver conversas entre governo e Congresso sobre um auxílio de R$ 250 em
quatro parcelas, a um custo de cerca de R$ 30 bilhões. O ministro da Economia,
Paulo Guedes, defende, acertadamente, que o foco sejam os mais carentes, ao
contrário do que aconteceu em 2020. Em junho do ano passado, a
Controladoria-Geral da União (CGU) constatou que 317 mil funcionários das três
esferas de governo haviam embolsado R$ 223 milhões do auxílio indevidamente.
Se
depender de Guedes, desta vez o critério deve ser ajudar as 19 milhões de
famílias elegíveis ao Bolsa Família e os 11 milhões de trabalhadores informais
que se enquadram na categoria dos “invisíveis”. Estão em andamento pesquisas no
Cadastro Único (CadÚnico), do Ministério da Cidadania, onde estão inscritas
famílias carentes, e na relação dos que receberam o auxílio de 2020, para
ajustar o foco do benefício nos que precisam.
Os
presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco
(DEM-MG), chegaram a cobrar da equipe econômica a liberação do dinheiro sem
limitações fiscais. A semana acabou, porém, com um novo panorama. Lira, Pacheco
e Guedes almoçaram ontem, depois deram declarações de união em torno da questão
sanitária, do auxílio aos mais pobres e do aspecto fiscal. Anunciaram que suas
equipes trabalharão durante o carnaval para a formulação de uma proposta comum.
Que assim seja.
A
ideia aventada é criar um novo Orçamento de Guerra, como em 2020, aproveitando
a PEC do Pacto Federativo, que já está no Congresso. Haveria autorização para
que os gastos com o auxílio ficassem à margem do teto. Mesmo assim, eles
entrariam na conta do déficit primário, previsto para este ano em R$ 247
bilhões. Seria imperativo, portanto, haver ajustes compensatórios, alguns deles
incluídos nessa PEC. A âncora fiscal do auxílio passaria a ser a meta de
resultado primário, não mais o teto de gastos. Noutra emenda constitucional, a
ser aprovada até junho, entrariam medidas fiscais mais duras, para garantir que
o teto não seja rompido até 2026, quando deixará de vigorar ou precisará ser
renovado.
O
plano parece coerente ao tentar preservar a responsabilidade fiscal. Mas nada
garante que o Congresso não aumente o valor do benefício nem resista a aprovar
a segunda rodada de medidas fiscais em junho, quando seria paga a quarta e
última parcela do auxílio. Até lá, há um mundo de incertezas em torno da
pandemia. A vacinação em massa é vital para a retomada da economia e para
acabar a necessidade de mecanismos emergenciais.
Ao
contrário do que se costuma dizer, governo e Congresso têm margem para
conseguir recursos dentro do teto. A gravidade histórica da crise, de saúde
pública e econômica, justifica prorrogar o congelamento salarial do
funcionalismo, rever benefícios fiscais e outras medidas que nunca são lembradas
por contrariar interesses. A crise exige que sejam enfrentados.
É inaceitável a censura prévia do governo nas provas do Enem – Opinião | O Globo
Bolsonaristas
têm o hábito de criticar a esquerda pelas tentativas de controlar o discurso.
Vivem atacando o “politicamente correto”, comparando a polícia do pensamento
aos arbítrios de Stálin e enxergando o fantasma doutrinador de Gramsci em cada
vírgula. Pois, uma vez no poder, agem igualzinho. A extrema-direita também tem
seu código do que é “politicamente correto” e aceitável. Nada mais parecido com
os “intelectuais orgânicos” de Gramsci do que a comissão criada pelo presidente
Jair Bolsonaro para filtrar assuntos ideologicamente sensíveis na prova do
Enem.
Na
prática, trata-se de uma junta de censores, que tenta pôr em prática o que Jair
Bolsonaro prometeu na campanha de 2018, quando disse que aprovaria todas as
questões do exame, depois de criticar uma questão que se referia a termos
associados a gays e transgêneros. A resposta à requisição de um grupo de
deputados ao MEC sobre as avaliações, a que O GLOBO e o G1 tiveram acesso,
revelou o resultado inaceitável dessa censura prévia. Por motivos puramente
ideológicos, a junta vetou 66 questões do banco de perguntas do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), usado no Enem.
No
caso mais revelador, sugeriu substituir “ditadura” por “regime militar”, para
designar o governo brasileiro entre 1964 e 1985. Não é um erro usar a expressão
“regime militar”. É só um eufemismo, que mascara a verdade. A ditadura foi uma
ditadura. Extinguiu o estado de direito e as liberdades civis. Torturou,
censurou, perseguiu e matou. Querer usar qualquer outra palavra para se referir
a ditaduras é o mesmo que, desde Stálin, fazem os regimes comunistas quando
chamam seus governos de “democracias populares”.
Numa
manobra para esconder a censura, o Inep não enviou o enunciado das questões
vetadas aos deputados, apenas a avaliação dos censores. Já foi suficiente para comprovar
a gravidade da intervenção. É possível identificar por trás dos vetos todas as
paranoias do bolsonarismo com o currículo escolar. As justificativas para os
cortes mal disfarçam o preconceito: “gera polêmica desnecessária”, “fere
sentimento religioso e liberdade de crença”, “leitura direcionada da História”,
“leitura direcionada do contexto geopolítico”, “ofende a força pública de modo
geral”. Houve vetos até em questões de matemática.
O
governo intervém num trabalho que tem método. Há dez etapas até as questões
chegarem para a tesoura dos censores. Tudo é coerente com o que pensa o
bolsonarismo. Fazem parte desse mesmo universo o movimento Escola sem Partido e
a regulamentação do ensino doméstico, em que famílias educam os filhos numa
bolha, na tentativa de livrá-los de qualquer influência do mundo normal das
escolas, onde as crianças têm o primeiro contato com quem pensa diferente e
encaram a realidade no sentido mais amplo.
Venha
da esquerda ou da direita, é inaceitável o autoritarismo de quem quer policiar
as palavras para impor sua versão da verdade. A junta de censores de Bolsonaro
precisa ser contida pela via republicana. Não pode se transformar num “novo
normal”.
A babel do auxílio – Opinião | Folha de S. Paulo
Falta
de liderança e pensamento dificulta debate para a prorrogação do benefício
Não
é tranquilizador o rumo das negociações em torno da prorrogação do auxílio
emergencial. Na falta de uma liderança capaz de conciliar as preocupações
social e orçamentária, o imediatismo político pode prevalecer no debate.
O
governo Jair Bolsonaro, como de costume, não dispõe de unidade de pensamento e
ação. O Ministério da Economia —que há poucos meses apresentou a proposta
correta, mas vetada pelo presidente, de utilizar recursos de programas menos
eficientes— parece fazer hoje somente uma tentativa de redução de danos
fiscais.
O
protagonismo vai sendo assumido pelos novos presidentes da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG),
interessados basicamente na sustentação do Planalto e de sua base parlamentar.
Nesta
sexta-feira (12), ao menos, Pacheco anunciou um entendimento
para o pagamento do benefício nos meses de março, abril, maio
e, talvez, junho, com a contrapartida de medidas que permitam cortes
emergenciais de despesas, em particular com pessoal.
Trata-se
de algum avanço, dado que nos dias anteriores o senador falara em conceder o
benefício sem nenhuma compensação de gastos, em meio a um impasse com a área
econômica do Executivo.
Entretanto
o arranjo soa ainda precário. Não se conhecem os valores —fala-se em R$ 200 ou
R$ 250 mensais— nem as regras de acesso ao auxílio; muito menos se sabe qual
será a disposição do Congresso para ajustes posteriores.
A
melhor alternativa seria incluir a discussão no exame do Orçamento deste ano,
ainda pendente de forma vexatória no Congresso. Assim se poderiam fazer
escolhas que permitissem os pagamentos com os recursos disponíveis.
É
falacioso o argumento de que tal caminho seria politicamente inviável. Boa
parte das dificuldades reside tão somente na conveniência dos parlamentares;
nada impede, por exemplo, que eles usem suas emendas à peça orçamentária para viabilizar
uma expansão das transferências a famílias pobres.
Perdeu-se,
ademais, uma oportunidade de avaliar aperfeiçoamentos permanentes nos programas
sociais, que se mostrariam possíveis em um debate mais fundamentado e menos
açodado.
Em
sua primeira versão, o auxílio emergencial teve papel essencial na proteção de
vulneráveis e na recuperação da economia, mas a um custo exorbitante de R$ 322
bilhões —dinheiro que chegou a muitos que dele não precisavam.
Não
se cogita nada semelhante agora, decerto, mas as finanças públicas já se
encontram em estado de grave deterioração. Demonstrações de irresponsabilidade
daqui em diante têm o potencial de provocar danos sociais mais graves do que os
que ora se buscam mitigar.
O papel de Fux – Opinião | Folha de S. Paulo
Se
pretende fortalecer o colegiado do Supremo, ministro precisa dar o exemplo
Um
dos muitos problemas que assombram o Supremo Tribunal Federal, como já se disse
aqui, é o da insularidade. Em vez de funcionar como um colegiado, a corte opera
como um arquipélago, em que cada um dos 11 ministros atua como uma ilha
independente, sem a devida atenção ao que ocorre com a instituição máxima do
Judiciário.
As
principais armas dos magistrados são as liminares monocráticas, que lhes
permitem decidir de forma individual, ainda que provisoriamente, sobre casos
sorteados para seus gabinetes, e os pedidos de vistas, que lhes possibilitam
paralisar ações que tenham chegado ao plenário ou às turmas.
Nesse
contexto, é meritória a proposta do
presidente do STF, Luiz Fux, de tentar, em suas palavras,
reinstitucionalizar a corte, por meio de alteração no regimento para que todas
as liminares monocráticas sejam automaticamente submetidas ao plenário.
A
ideia não é em princípio rejeitada pelos pares —a maioria já percebeu que a
insularidade não é opção sustentável. Isso não significa, porém, que eles não
cobrarão um pedágio para que a medida seja aprovada e se torne a marca da atual
presidência.
Parte
dos ministros exige, para apoiar a providência, que todas as liminares em
vigência sejam analisadas em plenário no prazo de seis meses, o que certamente
faz sentido para os objetivos em tela.
Fux
hesita, contudo, porque tal acordo obrigaria a levar a plenário sua liminar que
sustou a adoção do juiz das garantias —um tema que cinde acrimoniosamente a
chamada brigada lava-jatista da corte, da qual ele faz parte, da autoproclamada
ala garantista, liderada por Gilmar Mendes.
No
que diz respeito ao juiz das garantias, esta Folha considera que a posição de
Fux é a mais sensata. Não se faz uma alteração desse porte no sistema de
Justiça criminal de afogadilho. No mínimo, seriam necessários um prazo e um
plano de implementação.
Mas,
se a ideia é restaurar o princípio da colegialidade no STF, a primeira coisa
que todos os ministros precisam fazer é desapegarem-se de seus casos de
estimação e aceitarem que são as maiorias que definem as votações, abrindo mão
do arsenal de manobras para que suas posições pessoais prevaleçam.
Sem a mudança de atitude, alterações no regimento serão apenas letras num pedaço de papel.
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