Desde
31 de dezembro não temos auxílio emergencial ou orçamento para a Saúde. Mas
temos discussão no Congresso sobre a autonomia do Banco Central
Foram
mais de 1.000 mortos por dia por causa da Covid-19 no Brasil, segundo a média
móvel de sete dias. Apenas no dia 9 de fevereiro foram quase 2 mil mortes em 24
horas. Duas mil mortes em 24 horas são mais de 80 mortes por hora, o que
equivale a mais de uma morte por minuto. Como números num papel não dão a
experiência do tempo, convido o leitor a parar o que estiver fazendo agora e
olhar o ponteiro dos segundos de um relógio, ou acionar o alarme do telefone.
Deixe passar 60 segundos e pense: “Aqui, agora, enquanto eu nada faço além de
esperar o tempo passar, mais de uma pessoa morreu de Covid no país”. Agora,
considere: hoje é dia 12 de fevereiro e seria sexta-feira de Carnaval. Desde 31
de dezembro não temos auxílio emergencial ou orçamento para a Saúde. Mas temos
discussão no Congresso sobre a autonomia do Banco Central.
Como se isso não bastasse, tem o único governo que, neste momento, tenta enfraquecer sua própria economia “argentinizando-se”. Explico. Paulo Guedes e sua equipe querem que contas bancárias possam ser abertas em dólar no Brasil, instituindo um sistema bimonetário. É uma história com desfecho conhecido. Foi desse modo exato que teve início o processo de dolarização da economia argentina, há mais de 40 anos. De lá para cá, o país sofreu inúmeras crises econômicas, várias delas, se não todas, decorrentes da vulnerabilidade provocada por ter um sistema bimonetário.
Não há qualquer benefício
na dolarização parcial que supere seus riscos. Quando a economia de um país
passa a ser dependente de uma moeda que ele não é capaz de emitir, escancara as
portas para a vulnerabilidade externa e para a volatilidade cambial. Trata-se
de medida com alto potencial destrutivo, conforme testemunhei em meus anos de
Fundo Monetário Internacional, onde trabalhei na crise da Argentina de 2001 e
na crise do Uruguai de 2002. É imensurável a estupidez guediana.
O
mais inquietante é que estejamos perdendo tempo com isso enquanto morre gente.
Lidamos diuturnamente com pautas arcaicas, de um tipo de prática econômica que
padeceu no mundo inteiro. Trata-se não mais de uma economia do sacrifício, mas
de uma economia sacrificial. O mundo ruma para moldar a economia a desafios de
saúde pública e meio ambiente. O mundo se orienta, pouco a pouco, para o que se
tem chamado de economia do cuidado. Esse reposicionamento inclui países como
China, Rússia e Índia, ou seja, países que hoje têm condições de vacinar boa
parte dos emergentes e dos mais pobres. O Brasil poderia ser parte desse rol,
se a orientação da política pública de Bolsonaro fosse o cuidado, não a
destruição. Mas dá-se o contrário, e é importante que isso esteja claro.
O
bolsonarismo se apresenta como uma necropolítica com desdobramentos na área
ambiental, na Segurança Pública, na Saúde, na Educação e na Economia.
Ele
atua para a construção de um país em que os que já eram tratados como seres
humanos “inferiores”, dada nossa estrutura colonialista, passem a ser tratados
como não cidadãos e não humanos. Constituição? Que Constituição? A existência
da Carta Magna não importa para tipos como Paulo Guedes. Caso importasse, ele
não teria tido a audácia de falar em Estado mínimo. Afinal, o tamanho do Estado
foi pactuado pela sociedade e inscrito na Constituição, que é como se faz em
uma democracia. O Brasil já não parece uma democracia. Pior, o que é triste não
é sequer a constatação, mas o fato de que ela tenha se tornado banal. Ela é
hoje tão banal que há quem insista em separar Bolsonaro de Guedes, talvez por
preguiça, talvez por desconhecimento, talvez por falta de compreensão.
O
bolsonarismo e sua necropolítica contam com isso. Contam com a não percepção,
com a definição equivocada de que se trata de uma ideologia. O bolsonarismo não
é uma ideologia, é um mecanismo de destruição e perseguição por meio da
comunicação. Ele opera nas construções que as pessoas fazem de circunstâncias,
para separar o que não é separável e relativizar aquilo que não é
relativizável.
Imagino
Guedes. Imagino os apoiadores de Guedes. Imagino os que vocalizam e os que
calam. Imagino-os na Sapucaí. Imagino-os cantando: “Diga, espelho meu, se há na
avenida alguém mais cruel que eu?”.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins
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