quinta-feira, 4 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

No Brasil, a crise precedeu a covid – Opinião / O Estado de S. Paulo

O País já estava em crise antes dos primeiros sinais da pandemia do novo coronavírus. A situação era especialmente grave na indústria

O socorro aos pobres funcionou, a ajuda às empresas diminuiu o choque e a economia brasileira, no resumo final, encolheu 4,1% em 2020. Foi o pior desempenho anual na série histórica iniciada em 1996. Mas a perda teria sido bem maior sem os gastos federais para o enfrentamento da crise. Bem mais feio, pelo menos à primeira vista, é o balanço de boa parte do mundo rico. Na zona do euro, onde se encontram potências como Alemanha, França e Itália, o Produto Interno Bruto (PIB) diminuiu 6,7%. No Reino Unido o tombo foi de 9,9%. No Japão, a terceira maior economia do mundo, a perda foi de 4,8%. Mas é preciso ser cauteloso e evitar a imodéstia nas comparações. 

O Brasil fica em posição nada invejável quando se consideram o desemprego, o potencial de crescimento a partir de 2021, o miserável desempenho da economia nos últimos dez anos, o ritmo da vacinação e a ameaça ainda presente da pandemia. A covid-19 é uma variável muito importante em toda projeção econômica, mas o governo federal, rejeitando o exemplo da maior parte do mundo, ainda menospreza o risco do contágio e das mortes.

Mas a experiência brasileira tem outras singularidades. O inventário de 2020 revela bem mais, no caso do Brasil, que os danos ocasionados pela covid-19 e os benefícios das ações anticrise, iniciadas pelo Banco Central com medidas de estímulo ao crédito. Uma primeira diferença logo se destaca: o PIB no primeiro trimestre foi 2,1% menor que nos três meses finais de 2019. O País já estava em crise, portanto, antes dos primeiros sinais da pandemia. A situação era especialmente grave na indústria. O mau desempenho do setor, perceptível há vários anos, agravou-se a partir de 2019, quando o novo governo deu mais importância ao armamento de civis do que aos dados econômicos imediatos.

O balanço do ano passado confirma também a condição singular da agropecuária e, mais amplamente, do agronegócio. Este segmento, o mais competitivo da economia brasileira, é o principal suporte das contas externas. A agropecuária atravessou a crise com mais firmeza que outros setores e fechou o ano com expansão de 2%. Em contraste, a produção da indústria foi 3,5% menor que em 2019 e a dos serviços encolheu 4,5%.

Com a pandemia, o trabalho em casa tornou-se rotineiro para milhões de pessoas. O recolhimento das famílias afetou os padrões e o volume dos gastos do dia a dia. O desemprego e a redução da renda também produziram efeitos. Por todos esses fatores, a despesa de consumo familiar foi 5,5% menor que em 2019. O grande baque ocorreu em março e abril. A recuperação, iniciada em maio, foi insuficiente para o retorno ao nível do ano anterior. O Brasil, é preciso lembrar, já estava em crise antes da pandemia.

A redução do consumo privado afetou principalmente a indústria de transformação e devastou o setor de serviços. A queda do investimento produtivo também produziu impacto imediato. Combinados todos esses fatores, os efeitos mais negativos ocorreram na construção (-7%), na produção de veículos e de outros equipamentos de transportes, na fabricação de roupas e acessórios e no segmento de máquinas e equipamentos. Pelo menos prosperaram as indústrias de alimentos, produtos farmacêuticos e material de limpeza.

O investimento produtivo, medido como formação bruta de capital fixo, diminuiu 0,8%, mas a relação entre o valor investido e o PIB aumentou de 15,3% para 16,4%, porque a queda do divisor, isto é, do PIB, foi maior. Mas a taxa de 16,4% é muito inferior àquela encontrada em outros países emergentes, igual ou superior a 24%.

Investindo pouco, o Brasil limita seu potencial de crescimento. O setor privado pode investir em máquinas, equipamentos e instalações, mas o resultado desse esforço é diminuído pela pobreza das estradas e de outros componentes da infraestrutura. Privatizações e concessões poderiam ajudar, mas também nisso o governo tem falhado. Empenhado na reeleição, o presidente valoriza inaugurações, mas para inaugurar também convém construir – um detalhe trabalhoso e um tanto complicado.

Investimento no caos – Opinião / O Estado de S. Paulo

É na confusão que Bolsonaro prospera e, com ele, oportunistas de diversos quilates

O presidente Jair Bolsonaro não governa; afronta. Já chamou de “maricas” seus concidadãos que respeitam as medidas de isolamento social para se proteger da covid-19; já sugeriu que os brasileiros forçados a trabalhar em home office, como o presidente da Petrobrás que ele demitiu, são ociosos; já se disse favorável a “retirar de circulação” os veículos de imprensa que não o bajulam, pois são “fábricas de fake news”. A lista de ofensas está longe de se esgotar aí: o presidente vive de inventar inimigos, aos quais atribui todos os problemas que lhe cabe administrar.

Nos últimos dias, em meio ao recrudescimento da pandemia e seu consequente ônus político, Bolsonaro apontou seus canhões contra os governadores de Estado. Não é de hoje que os governadores são tratados a pontapés pelo presidente, ávido por lhes transferir a culpa por tudo de ruim que acontece no Brasil – do aumento dos preços dos combustíveis à decepcionante recuperação da economia. Agora, diante da catástrofe econômica e social da pandemia, Bolsonaro dobrou a aposta nesse confronto.

Usando dados distorcidos ou simplesmente inventados, o presidente acusou os governadores de desperdiçar recursos repassados pela União aos Estados. Tratou esse dinheiro como se fosse um favor seu, pessoal, aos governadores, e não fruto de obrigações previstas na Constituição. E ainda insinuou que o dinheiro foi mal aproveitado pelos governadores, o que teria colaborado para o colapso do sistema de saúde em vários Estados.

Os governadores reagiram com uma nota dura, assinada por 16 deles, em que rebatem ponto por ponto as patranhas do presidente. Acusam Bolsonaro de investir na “má informação” e na “promoção do conflito”. O fato de alguns dos signatários serem alinhados ao presidente é bastante significativo – pode indicar que, mesmo para seus aliados, Bolsonaro passou dos limites.

Bolsonaro, contudo, está em seu hábitat. O presidente partiu para mais um confronto não por seu tino estratégico, mas sim por sua natureza. Em toda a sua trajetória política, Bolsonaro jamais se apresentou como conciliador ou sequer interessado em dialogar. Sempre ganhou votos dos ressentidos ao regurgitar rancor contra a democracia – e é sintomático que nem partido tenha, depois de ter passado por quase uma dezena deles.

Bolsonaro, bem como seus seguidores extremistas, despreza profundamente a política, que é a conciliação de pontos de vista divergentes em favor dos interesses abrangentes da sociedade. A própria ideia de coletividade e de cooperação – com seus desdobramentos constitucionais, como o princípio federativo – inexiste no bolsonarismo.

Ao contrário, o bolsonarismo é a expressão mais estridente do progressivo esgarçamento dos laços de solidariedade que sustentam a vida em sociedade e que são fundamentais especialmente em tempos de crise aguda, como a que ora atravessamos. Caso não seja derrotada, essa ideologia deletéria tornará muito mais difícil encontrar soluções duradouras para os grandes problemas da sociedade – que, assim sendo, continuará a se consumir em conflitos pelos mais banais motivos, tornando-se praticamente impossível alcançar consenso mesmo para questões comezinhas.

É nesse caos que Bolsonaro prospera – e, com ele, oportunistas de diversos quilates. Se é cada um por si, então não surpreende que, em vez de procurarem meios de viabilizar alguma forma de auxílio emergencial para quem perdeu renda na pandemia, os deputados estejam empenhados em aumentar em R$ 18,4 bilhões as emendas orçamentárias a que têm direito para asfaltar ruas e inaugurar pontes em seus currais eleitorais. Farinha pouca, o pirão de sempre primeiro.

Enquanto o presidente e seus aprendizes vivem no conforto da delirante mitologia bolsonarista, os gestores de saúde, obrigados a lidar com a realidade da pandemia, já informaram que é urgente ampliar as medidas de restrição para evitar uma tragédia ainda maior. Em seu apelo desesperado, propuseram um “pacto nacional pela vida” – que, no entanto, só será possível se o País superar o bolsonarismo, condição indispensável para recuperar o sentido de nação.

A troca de chefia no Inep – Opinião / O Estado de S. Paulo

A troca de chefia no Inep deixa claro que o governo está perdido no campo da educação

As confusões políticas e administrativas que paralisam o Ministério da Educação (MEC) desde o início do governo Bolsonaro continuam. Elas ganharam novo capítulo no fim da semana passada, quando o ministro Milton Ribeiro demitiu o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Alexandre Lopes. 

Foi a quarta substituição na chefia do órgão desde a ascensão de Bolsonaro ao poder. Criado em 1937, o Inep tem a função de auxiliar a formulação de políticas educacionais dos diferentes níveis de governo e, entre outras atribuições, é responsável pela organização e realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), que serve como parâmetro nas avaliações que o MEC faz de cada faculdade.

O que levou o ministro a demitir o presidente do Inep foram três fatores. Em primeiro lugar, como Milton Ribeiro não tem experiência administrativa e não disse a que veio, especialmente no que se refere à articulação das redes educacionais em tempos de pandemia, Lopes ocupou espaços vazios, desagradando a seu superior hierárquico. Em segundo lugar, como o Enem de 2020 registrou problemas de superlotação das salas e de desrespeito aos protocolos de saúde firmados pelas autoridades educacionais com o Ministério Público Federal, o ministro invocou tais falhas para justificar a demissão do presidente do Inep e indicar como seu sucessor o titular da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), Danilo Dupas, com quem tem ligação em sua instituição de origem – a Universidade Mackenzie. 

Por fim, Ribeiro, que é pastor protestante, e Lopes, que era diretor legislativo da Casa Civil da Presidência da República antes de chefiar o Inep, tinham posições distintas em relação às reivindicações das universidades privadas. Estas vinham, há tempo, reivindicando mudanças que abrandassem o rigor do sistema de avaliação do Inep e permitissem que as mantenedoras das universidades privadas avaliassem a si próprias. No discurso de abertura do 12.º Congresso Brasileiro de Educação Particular, realizado em junho de 2019 em Belo Horizonte, o então ministro Abraham Weintraub endossou a reivindicação do setor privado da área de educação. “Liberdade para produzir, liberdade pra trabalhar, liberdade pra atingir os seus objetivos, ainda que tarde. O MEC vai ser aliado nesse processo. Os senhores são muito bem-vindos ao MEC com seus projetos”, afirmou.

Apesar de admitirem que os mecanismos de avaliação universitária têm de ser modernizados, tanto o Inep quanto a área técnica do MEC sempre foram contrários a essa pretensão, sob a justificativa de que ela se baseia na visão da educação como negócio, e não como uma política pública de formação do capital humano. Quinta-feira passada, Lopes enviou formalmente ao Conselho Nacional de Educação (CNE) uma proposta para alterar as regras de avaliação das universidades privadas, o que desagradou a suas mantenedoras. Por seu lado, Ribeiro reclamou que o tema ainda não estava “pacificado”. 

Anunciado o nome do substituto de Lopes, os grupos privados da área educacional alegaram que o Inep vinha travando os processos de regulação de suas universidades. Em resposta, membros do CNE fizeram elogios informais à gestão de Lopes, entre outros motivos por ter resistido à captura da avaliação do ensino superior pela iniciativa privada. 

Independentemente de quem tenha razão nesse embate, uma coisa é certa. Em momento algum o presidente Bolsonaro se preocupou em colocar educadores experientes para chefiar o MEC. Também não se preocupou em definir as premissas de uma política educacional nem em escolher gestores capazes de trabalhar em equipe. Com isso, a pasta, que já primava pela inépcia administrativa, tornou-se centro de uma disputa corporativa e empresarial. Infelizmente, é assim que a educação brasileira vem sendo gerida. 

PIB à deriva – Opinião / Folha de S. Paulo

Desgoverno de Bolsonaro abafa sinais de melhora econômica do final de 2020

Em outro contexto, a divulgação da queda de 4,1% do Produto Interno Bruto em 2020 —menos profunda do que se temia há poucos meses e com dados favoráveis no quarto trimestre— poderia ser boa notícia.

Entretanto os resultados já parecem hoje fazer parte de um passado remoto, abafados pelas consequências do desgoverno de Jair Bolsonaro. A pandemia sem controle volta a provocar recordes de mortes diárias, e a baderna econômica ameaça reconduzir o país à recessão e ao drama social.

A lentidão em vacinar e a obstrução do Executivo a uma estratégia sanitária nacional colocam o sistema de saúde em risco de colapso. Assim torna-se inevitável o fechamento de atividades e a volta do auxílio emergencial.

Como não houve planejamento no ano passado, a reinstalação do benefício agora se dá num quadro caótico, em que as necessárias contrapartidas de ajuste nas contas públicas vão sendo deixadas de lado em favor de mais despesas.

Pior, o próprio Planalto ensaia abrir brechas no teto constitucional de gastos, a única referência de longo prazo para o reequilíbrio orçamentário ainda existente.

A perspectiva de disparada da dívida pública contamina os juros e o câmbio, num círculo vicioso que eleva a inflação e vai solapando as expectativas de retomada. Avizinham-se altas da taxa do Banco Central e fogem os capitais.

Até para objetivos que povoam o minúsculo horizonte mental de Bolsonaro, como reduzir o preço do diesel, a conduta do governo equivale a um tiro no pé. Num mundo em que o preço do petróleo sobe, a depreciação da moeda nacional configura um choque duplo.

Além de acelerar a imunização contra a Covid-19 por todos os meios possíveis, a melhor ajuda que a administração poderia dar à política econômica seria sustentar a confiança geral na solvência do Estado por meio de providências duras de ajuste nas contas públicas.

Se isso fosse feito, no ambiente atual de preços das commodities em alta, haveria provavelmente uma inversão na dinâmica do real. Entretanto o presidente prefere deixar que tudo corra ao sabor das conveniências políticas de seus aliados do centrão, enquanto resmunga contra a reação dos mercados às incertezas que provoca.

Em tal cenário, tudo pode ser motivo de turbulência financeira —ainda mais uma declaração do ministro Paulo Guedes, da Economia, sobre o risco de o Brasil se tornar uma Argentina ou uma Venezuela se adotar políticas erradas.

Exagero ou não, fato é que o país já claudicava antes da pandemia, entre ajustes incompletos e incertezas políticas, e corre o risco de jogar fora as chances de retomada em nome de um populismo que, de tão bronco, nem de eleitoreiro merece ser chamado.

Cara ostentação – Opinião Folha de S. Paulo

Compra de mansão por Flávio implica mais do que custos políticos para o clã

Um dos mais surrados chavões da política assevera que, à mulher de César, não basta ser honesta; é preciso também que pareça honesta. A variante cínica da máxima diz que o político não tem de ser honesto, mas apenas parecer honesto.

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) fez pouco caso de tais considerações ao adquirir uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília, às vésperas de o Superior Tribunal de Justiça ter tomado uma decisão que o beneficiou na investigação acerca de desvio de dinheiro de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O prejuízo político resultante da compra é autoevidente e não fica limitado à pessoa do senador. Respinga ainda em seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, e em toda a ala parlamentar do clã, também alvo de suspeitas de apropriação de verba pública por meio da contratação de funcionários fantasmas.

Agrava bastante o dano o fato de os indícios que pesam contra o parlamentar envolverem crimes que ficam nas vizinhanças da corrupção. Ora, o combate a esse tipo de desmando foi uma das bandeiras que o presidente utilizou para eleger-se —e é tema sensível para os bolsonaristas mais fiéis.

Os impactos em potencial do caso não se restringem ao campo da política —avançam na esfera penal. A compra por si só já é um ato suspeito, que pode em tese dar ensejo a nova investigação sobre a origem do patrimônio do senador.

Numa análise perfunctória, Flávio e sua mulher não teriam renda suficiente para adquirir a mansão nas condições em que a adquiriram. O fato de o banco que concedeu o empréstimo ser uma instituição do governo do Distrito Federal —comandado por Ibaneis Rocha (MDB), aliado do presidente— contribui para levantar dúvidas.

Numa esfera que combina aspectos políticos e penais, a compra poderá criar outros problemas para o clã. Magistrados, em especial os de cortes superiores, tornaram-se alvo de pressão pelas redes sociais.

Aceder a pedidos da defesa de políticos investigados é custoso, notadamente quando se anulam, com base em filigranas jurídicas, casos que parecem sólidos. A aquisição da mansão só reforça a pressão sobre os juízes, que podem ficar menos benevolentes.

Por qualquer ângulo que se analise, pois, a compra nababesca provavelmente custará mais do que Flávio Bolsonaro calculara.

Não há motivo para celebrar números do PIB – Opinião / O Globo

Os números do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 foram celebrados pelos que esperavam um encolhimento ainda maior da economia ao longo do ano marcado pela pandemia. No último trimestre, o PIB cresceu 3,2% na comparação com os três meses anteriores e, ao longo do ano, caiu “apenas” 4,1%, em vez de 4,2% como previam os analistas.

Não há, infelizmente, motivo para celebrar. Os números encerram a pior década da economia brasileira desde o início do século XX. De 2011 para cá, o crescimento médio anual foi de ridículo 0,3%. Mesmo nos anos 1980, a proverbial “década perdida”, esse resultado ficou em 1,6%. O PIB per capita registrou no ano passado a maior queda na série histórica (4,8%). Em dez anos, o bolso do brasileiro encolheu 5,5%.

Com uma agravante: tais números foram distorcidos pelo efeito do auxílio emergencial e dos programas de alívio do governo, que despejaram centenas de bilhões na economia. Sem a pandemia e sem esse gasto brutal, a recessão teria sido ainda pior. Graças a essa contribuição, que não tem como se repetir, o ano fechou na ascendente.

O país saiu do grupo das dez maiores economias do mundo e não há no horizonte sinal da determinação necessária para tirá-lo do buraco. Quem procurar boas notícias nos dados do IBGE enfrentará dificuldades. Talvez encontre algum alento nas taxas de investimento e poupança, que cresceram, respectivamente, para 16,4% (de 15,3%) e 15% (de 12,7%) durante um ano. Mesmo assim, a primeira foi fortemente influenciada por contratações para exploração de petróleo, e a segunda foi resultado do naufrágio no setor de serviços e da paralisia no consumo (a população poupou em vez de gastar).

Em termos de investimentos, o Brasil ainda está muito aquém do patamar próximo de 25%, necessário para a economia dar um salto de produtividade. Sem investimento, não sairá do atoleiro e, para atrair investidores, é preciso transmitir sinais inequívocos de estabilidade nas regras de mercado, além de manter um ambiente hospitaleiro para negócios. Por mais que tenha havido avanços, o desempenho do Brasil continua sofrível nesses quesitos.

A involução da economia tem origem na sucessão de erros da gestão Dilma Rousseff. Sua visão equivocada levou ao descalabro nas contas públicas, ao descontrole nos juros e a uma onda de intervencionismo desastrado em setores como energia e petróleo. O desastre começou a ser mitigado no governo Michel Temer, mas não houve tempo para consolidar as reformas necessárias a deixar o sufoco para trás. A gestão Bolsonaro começou com certo otimismo, mas o retrocesso já é nítido.

É verdade que a pandemia foi um choque externo, mas não serve de pretexto para o governo se esquivar da responsabilidade. Fora a reforma da Previdência, já encaminhada por Temer, quase nada foi posto em prática do programa que ajudou a eleger Bolsonaro. A hesitação nas reformas e privatizações, a intervenção na Petrobras, tudo vai no sentido contrário ao necessário.

O quadro é agravado pela condução irresponsável do combate à pandemia e de seus desafios econômicos. O governo embarcou em toda sorte de esparrela científica, aderiu ao negacionismo, desdenhou máscaras, testes e vacinas, tornou-se contraexemplo mundial. A morte se espalha, e o medo derruba a confiança de consumidores e investidores. Não há economia que resista, nem motivo para celebrar.

Reação da economia no fim de 2020 já se esgotou – Opinião / Valor Econômico

A economia em 2021 pode repetir o ritmo lento dos anos pós-recessão - ela perdeu o rumo do crescimento

Mesmo as boas notícias contidas nos resultados do desempenho da economia em 2020 divulgados ontem já pertencem ao passado. Há duas relevantes. O recuo do Produto Interno Bruto, de 4,1%, ficou muito abaixo das previsões catastróficas feitas logo após a irrupção da pandemia. A queda foi menor que a de 30 países em uma relação de 56. Foi também a melhor performance entre as grandes economias da América Latina. Além disso, o avanço no quarto trimestre superou as expectativas, com 3,2% em relação ao trimestre anterior, sinalizando uma trajetória ascendente em 2021 que não se realizará. O otimismo deu lugar a temores de uma recessão técnica, com possível retração nos dois primeiros trimestres deste ano.

As mais recentes estimativas no boletim Focus (BC) indicam expansão de 3,29% (e caindo), quando a herança estatística de 2020 asseguraria por si só crescimento de 3,6%. O recrudescimento da pandemia no fim do ano frustrou as projeções mais entusiasmadas. A segunda onda da covid-19 se revelou mais letal que a primeira e o país caminha de volta para os lockdowns, com fechamento de atividades não essenciais, redução forte da mobilidade e o cortejo de restrições vistos nessa mesma época do ano passado, quando a covid-19 chegou ao Brasil. O Estado de S. Paulo, onde se gera um terço do PIB nacional, paralisará por duas semanas grande parte das atividades produtivas. Estados em pior situação - há 19 deles com ocupação de leitos de UTI superior a 80% - devem seguir o exemplo.

O impulso dado no quarto trimestre não tem força para se propagar sem a contenção da pandemia e vacinação em massa - ambas ausentes. No quarto trimestre, o consumo das famílias cresceu 3,4% e a Formação Bruta de Capital Fixo, pelo menos 12%, se descontada importação de plataformas de petróleo. O auxílio emergencial, que sozinho injetou R$ 291 bilhões em 2020 para amparar 68 milhões de pessoas que perderam a renda, acabou e não foi ainda reinstituído.

Os serviços, que se reergueram parcialmente no fim do ano, levarão outra pancada da pandemia com o cerco à mobilidade. O segmento “outros serviços”, que são os prestados às famílias e que agregam os setores mais dependentes de mobilidade, avançou 6,8% no último trimestre de 2020. O consumo das famílias, o “espelho” dos serviços pelo lado da demanda, definha com o desemprego alto e as limitações que a pandemia coloca à expansão de atividades produtivas que geram vagas. No ano, o consumo (peso de 60,7% do PIB) fechou em queda de 5,5%, um pouco menor do que os -4,7% do consumo do governo (peso de 20,1% no PIB).

Algum impulso poderia ser esperado da poupança feita durante a vigência do auxílio emergencial, mas seu uso no consumo também depende da contenção da pandemia, o que ainda parece distante. Essa poupança é seguramente mal distribuída, como a renda do país. Com todos os estímulos oficiais, o consumo das famílias recuou R$ 126 bilhões no ano, bem menos que os R$ 146,5 bilhões de queda observados entre o primeiro e o segundo trimestres do ano, no início da pandemia.

Nos dois trimestres seguintes o consumo somou R$ 241,5 bilhões. A poupança bruta, por sua vez, cresceu 2,5 pontos percentuais, de 12,5% para 15% do PIB, com aumento de R$ 191,8 bilhões. Em conta grosseira, camadas de baixa renda que usaram o auxílio podem ter reservado algo como R$ 60 bilhões para um futuro difícil (perto de 0,8% do PIB), montante relevante, mas insuficiente. A poupança dos mais ricos cresceu bem mais e só será usada quando os serviços voltarem ao normal.

As condições para o crescimento são adversas. Com o governo endividado, o impulso dos estímulos fiscais será bem menor, porque os gastos de suporte à economia produziram déficit da ordem de 10% do PIB. A ausência de reformas para contenção de gastos e amparo do teto elevou a desconfiança dos investidores e a conta está sendo paga por um dólar que chegou agora perto dos R$ 5,70.

A perda de valor do real implica perda de renda doméstica, que já se agravara pelo aumento da inflação, que, dos alimentos, pode se espalhar pelos efeitos de forte alta das commodities reforçada pelo dólar alto. Uma consequência é que o BC pode ser empurrado a elevar juros quando a economia não só não recuperou a plena forma, mas se retrai. A renda per capita caiu 4,8% (R$ 35.172) e é a menor da série histórica. A economia em 2021 pode repetir o ritmo lento dos anos pós-recessão - ela perdeu o rumo do crescimento.

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