A
grande vítima do imbróglio envolvendo o deputado Daniel Silveira foi a já
cambaleante democracia brasileira. Tudo começou com a publicação da entrevista
concedida pelo general Villas Bôas ao pesquisador Celso Castro. Nela é
reproduzida a ameaça castrense ao STF para que não concedesse habeas corpus a
Lula. O general ainda revelou que o tuíte foi discutido com o Alto-Comando do
Exército. Ou seja, foi ação institucional. Participaram da elaboração alguns
generais que hoje são ministros do governo Bolsonaro. Esse tipo de
comportamento não se coaduna com o jogo democrático. Na época, apenas o
ministro Celso de Mello reagiu. O ministro Fachin acordou de um sono de três
anos e soltou uma nota contra as declarações do general. O ex-comandante do
Exército debochou da nota.
O deputado Daniel Silveira decidiu tomar as dores do general e fez um repugnante vídeo, tanto pelo conteúdo golpista como pelos termos chulos e insultuosos contra membros do STF. Quebrou o decoro parlamentar e deveria ser julgado pela própria Câmara de Deputados. Ante o excesso parlamentar, o STF reagiu com outro excesso. Dois erros não fazem um acerto. Passou por cima do artigo 53 da Constituição e baseou-se na Lei de Segurança Nacional (LSN) para deliberar que houve um crime inafiançável. Nas palavras do deputado Marcel van Hattem: “Desta vez, o AI-5 vem do Poder Judiciário, vem do Supremo Tribunal Federal”. O fim justificou o meio. Lembro que a LSN foi criada pelo regime militar para perseguir seus oponentes políticos. O STF, que questionou os termos autoritários do mencionado parlamentar, valeu-se de um “entulho autoritário” que já deveria ter sido abolido. Tal como no Chile, na Argentina e no Uruguai.
Além
disso, o STF praticou um contorcionismo jurídico deveras criativo para dizer que
houve flagrante perpétuo. E decretou a prisão de oficio do deputado. Quando
poderia ter representado à PGR para que tomasse as devidas providências.
Portou-se como vítima e juiz do deputado. A PGR, por sinal, também fez uso da
LSN para abrir inquérito contra o parlamentar. O placar no plenário da Corte
Magna foi de 11 a 0. Entre os votantes, estava um ministro que, juntamente com
um ex-presidente do Congresso, rasgou a Constituição para permitir que os
direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff fossem mantidos. O Senado
nada fez para investigar este ministro.
Quando
os deputados Damous e Requião sugeriram o fechamento do STF, os ministros
fizeram ouvidos de mercador. A Câmara deveria ter a altivez de dispensar a
interferência indevida de um outro poder em tema vital para a democracia. O STF
quis mostrar força, mas exagerou no remédio, e ele virou veneno. Contaminou,
indelevelmente, o jogo democrático. Com consequências futuras imprevisíveis,
aumentando a insegurança jurídica no país por incentivar a anarquia
institucional.
*Doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e professor titular da UFPE
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