Estado
ou município que não fizer ajuste não terá aval da União
Muitos
analistas e mesmo parlamentares reclamaram de um artigo da PEC 186, em votação
no Senado ontem, que torna facultativo o acionamento de medidas de ajuste
quando as despesas de um Estado ou de um município superarem 95% de suas
receitas correntes. A conclusão de muitos é que, se o ajuste é facultativo,
nenhum governador ou prefeito vai disparar os gatilhos das medidas, todas
impopulares. O artigo pode se tornar, portanto, letra morta.
Há,
no entanto, um detalhe que pode ter passado despercebido. A PEC estabelece que,
se um Estado ou município estiver com suas despesas correntes superiores a 95%
de suas receitas correntes, não poderá receber garantias da União ou de outro
ente da federação ou fazer operação de crédito com a União ou outro ente da
federação. Estão ressalvados somente os financiamentos destinados a projetos
específicos, celebrados na forma de operações típicas das agências financeiras
oficiais de fomento.
A proibição vai durar até que todas as medidas de ajuste elencadas na PEC 186 tenham sido adotadas, de acordo com declaração do respectivo Tribunal de Contas. As medidas abrangem proibição de concessão de aumento, reajuste, vantagem ou adequação de remuneração de servidor, criação de cargo ou função, realização de concurso público, alteração de estrutura de carreira, criação de despesa obrigatória e adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação.
O
governador ou o prefeito que estiver gerindo um Estado ou um município em
situação pré-falimentar poderá até não adotar medidas de ajuste, como, aliás,
tem sido uma prática usual no Brasil. Mas, a partir da aprovação da PEC 186,
ele não terá mais garantia da União para fazer operação de crédito. E não
existe investimento público sem financiamento.
O
comando que está sendo colocado na Constituição obriga, de forma indireta, o
governador ou prefeito a ajustar suas contas, sob pena de nunca mais ter
direito a aval da União ou de outro ente da federação para obter financiamento.
E, sem o aval, eles não conseguem crédito no mercado ou, quando o fazem, é com
taxa de juros proibitiva. Assim, acionar os gatilhos é facultativo, pero no mucho - para usar uma
expressão dos hermanos argentinos e uruguaios.
O
Tesouro Nacional utiliza a relação entre despesa corrente e receita corrente,
entre outros indicadores, para calcular a capacidade de pagamento de Estados e
municípios. De acordo com a análise da capacidade de pagamento (Capag) realizada
pelo Tesouro em 2019, apenas 11 Estados possuiam nota A ou B, as quais permitem
que o ente receba garantia da União para novos empréstimos.
O
Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, relativo a 2019, mostra que em 12
Estados as despesas correntes superavam 95% das receitas correntes. Ou seja,
estes são os candidatos a acionarem os gatilhos das medidas de ajuste fiscal,
caso a PEC 186 seja aprovada. Os Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,
Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tinham, em 2019, despesas correntes
superiores a 100% de suas receitas correntes, de acordo com o Tesouro. Isto
significa que os governadores não tinham receita suficiente para quitar suas
contas e estavam atrasando pagamentos.
Ao
inscrever no texto da Constituição a proibição de que Estados em situação
pré-falimentar recebam aval da União, a PEC 186 evita o que ocorreu em passado
recente, quando a ex-presidente Dilma Rousseff autorizou empréstimos para
Estados com Capag indicando nota C e D. Na época, o governo disse que a
intenção era permitir que os Estados aumentassem os seus investimentos. O
resultado dessa política, no entanto, foi uma ampliação das despesas com os
servidores.
Como
a proibição estará no texto constitucional, os Estados não terão condições de
pressionar o presidente da República, por meio de senadores e deputados, para
obter aval para empréstimos ou financiamentos de bancos públicos, como
aconteceu no passado. Esta mudança não é pequena. E poderá ser decisiva como
estímulo para que governadores e prefeitos de Estados e municípios em situação
pré-falimentar façam o dever de casa, ou seja, ajustem as contas.
Há
na PEC um limite prudencial para os Estados e os municípios. Toda vez que as
despesas correntes ultrapassarem 85% das receitas correntes, o governador ou o
prefeito poderá adotar medidas de ajuste. Mas, para isso, terá que submetê-las
ao Legislativo. Os deputados estaduais ou os vereadores terão um prazo de 180
dias para se pronunciar sobre as medidas. Se elas forem rejeitadas ou não
apreciadas no período, elas perderão eficácia, mas os atos praticados terão
validade durante o período em que vigoraram. Algo parecido com o que ocorre,
atualmente, com as medidas provisórias, editadas pelo presidente a República.
Numerosas
sugestões
A
PEC 186 veda a vinculação de todas as receitas públicas a órgão, fundo ou
despesa pública. Mas abre numerosas exceções. Foram excluídas as taxas,
contribuições, doações, empréstimos compulsórios, repartição de receitas com
Estados e municípios, receitas vinculadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT) e ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), prestação de garantias na
contratação de operações de crédito por antecipação de receita e receita
destinada por legislação específica ao pagamento de dívida pública.
A
nota técnica 7/2021, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados,
explica que as taxas, contribuições e empréstimos compulsórios são vinculadas
por sua natureza jurídica, assim como a repartição de receitas com entes
federados. A nota, de autoria dos consultores José Cosentino Tavares, Eugênio
Greggianin e Ricardo Volpe, estima que, após todas as exclusões, o governo vai
poder liberar R$ 72,9 bilhões.
Esta desvinculação vai ser, certamente, de grande ajuda para o governo administrar a dívida pública neste ano. Os recursos desvinculados dos Fundos, que ficam no caixa único do Tesouro no Banco Central, poderão ser usados no pagamento da dívida pública.
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