Bolsonaro
faz escola com propostas que se desviam da covid
A
publicidade da nova transação imobiliária do senador Flávio Bolsonaro não
estava no roteiro com o qual o presidente Jair Bolsonaro se preparava para
enfrentar o momento mais dramático da pandemia.
A
ideia era não mexer em time que está ganhando, o do presidente, claro, capaz de
manter inertes as instituições contra seu desgoverno na pandemia. E repetir a
estratégia do ano passado, no recrudescimento da covid-19, quando jogou o verbo
e a Polícia Federal pra cima dos governadores.
Desta
vez, parecia óbvio que a nova travessura do primogênito dificultaria sua
tentativa de demonstrar que o desespero dos governadores vem do desvio de
recursos. A nova morada do senador, no entanto, não foi capaz de baixar o tom
do presidente. É assim que ele desvia do assunto. Puxando uma briga ruidosa com
os governadores.
Encontrou
em João Doria o parceiro ideal para a encenação. Sem espaço no seu próprio
partido, o governador de São Paulo investe na polarização com o presidente,
mimetizando-o. Endurece o isolamento para cativar os insatisfeitos com o
bolsonarismo, mas excetua os cultos religiosos para cativar a mesma plateia do
presidente.
A
entrada dos presidentes da Câmara e do Senado na mediação com os governadores é
útil para Bolsonaro porque canaliza parte das insatisfações. Na carona da
mediação, amaciou-se a resistência à fila dupla na vacinação. No mesmo projeto
do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) com o qual foi reapresentada a prerrogativa
de Estados e municípios de comprar vacina, abriga-se a aquisição pelo setor
privado depois de esgotada a vacinação de grupos prioritários.
A mediação com os governadores também amplia os aliados com os quais o presidente da Câmara espera contar para forçar o teto de gastos para além do auxílio emergencial.
Bolsonaro
faz escola. Se baixa decreto para ampliar a posse de armas, Lira cria grupo de
trabalho para mudar a legislação eleitoral. Ambos têm em comum a capacidade de
se valer de um país em choque pelas quase 2 mil mortes diárias para propor
temas que nada têm a ver com a urgência do país.
As
iniciativas de Lira obedecem a três grandes eixos: aumentar o controle
parlamentar sobre o Orçamento, reduzir a competitividade eleitoral e mitigar o
controle sobre a atividade parlamentar.
A
investida tem método. A começar pelo próprio projeto pessoal de Lira. O
deputado renovou seu mandato graças a liminar que o blindou da Lei da Ficha
Limpa. Reeleito, trabalhou na adesão do seu bloco a Bolsonaro com o mesmo
afinco dedicado ao desmonte do entulho lajavatista.
Avançou
uma casa ao conseguir que Augusto Aras desfizesse a denúncia que o próprio
procurador-geral da República havia feito. E andou mais duas com o arquivamento
de uma das denúncias no STF. Mas a luta continua.
Ainda
lhe resta mudar a Lei da Ficha Limpa e a da Improbidade. Para isso, ganham
celeridade no Congresso tanto o grupo de trabalho que revisará a legislação
eleitoral, comandado pelo PP, quanto o projeto de lei que suaviza a lei da
improbidade administrativa, relatado pelo PT.
Uma
das opções do deputado em 2022 é a disputa pelo governo de Alagoas. Para isso,
precisa limpar seu nome. Se largar o mandato para disputar uma eleição
majoritária, o foro dos crimes pelos quais hoje responde como deputado desce
para a primeira instância em Brasília, onde subsistem juízes como Vallisney
Oliveira.
A
sorte de Lira é que ele não está só. Uma das missões do PL, por exemplo, aliado
de primeira hora de Lira e partido do indefectível ex-deputado Valdemar Costa
Neto, é recuperar a elegibilidade do ex-governador do Distrito Federal, José
Roberto Arruda, condenado em duas instâncias por esquema de distribuição de
propinas, e marido da nova presidente da Comissão Mista de Orçamento, Flávia
Arruda (PL-DF).
O
fracasso na PEC da Impunidade não desanimou Lira. Tem à mão uma pauta ecumênica,
capaz de ampliar seu apoio na Casa. Basta ver o que está em curso com as
tentativas de jogar o maior número de despesas possíveis para fora do teto de
gastos. Ao tirá-las do teto, sobraria espaço para aumentar os valores das
emendas com as quais os parlamentares esperam se reconduzir em 2022.
Se
não for bem sucedido no aumento das dotações para emendas, Lira tem uma carta
na manga para aumentar a execução daquelas que o Congresso conseguir aprovar. O
presidente da Câmara investe no fim da intermediação das emendas pela Caixa
Econômica Federal. É uma das demandas mais ecumênicas da Casa.
Até
2019, todas as emendas tinham a intermediação da CEF. No fim daquele ano, foi
aprovada uma emenda constitucional que nasceu pelas mãos da então senadora
Gleisi Hoffmann (PT-PR) em 2015 e foi relatada pelo deputado Aécio Neves
(PSDB-MG) na Câmara.
Por
esta mudança constitucional, o parlamentar pode optar por mandar os recursos de
suas emendas individuais pela Caixa ou diretamente para os municípios. Mas os
parlamentares querem mais. Pretendem estender a possibilidade de mandar
diretamente para a prefeitura também para as emendas de bancada e de comissão.
A
Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 foi aprovada com este dispositivo. O
presidente o vetou e agora o Congresso se prepara para derrubá-lo. Os
parlamentares alegam que a burocracia da CEF é gigantesca e retarda a
liberação.
Como
se trata do primeiro Orçamento pós-eleições municipais de 2020, os
parlamentares estreitaram laços com prefeitos que ajudaram a eleger e que,
agora, se arregimentarão para a renovação dos mandatos dos deputados e
senadores em 2022. Por isso, quanto menos travas, melhor.
Nos
cálculos da própria Associação dos Engenheiros e Arquitetos da CEF, leva seis
anos entre a aprovação de uma emenda e total liberação pelo banco, o que
ultrapassa o mandato parlamentar.
Quando
o dinheiro vai diretamente para o município fica mais difícil mapear o destino
da verba que hoje deixa rastros nas plataformas do Ministério da Economia ou do
Senado. No lugar da tríade de instituições que fiscaliza a aplicação dos
recursos (Tribunal de Contas da União, Ministério Público Federal e
Controladoria-Geral da União) entrariam combalidos tribunais estaduais de
contas.
É esse o pulo do gato da execução das emendas ao Orçamento em 2021, ano que será atravessado de cabo a rabo pela pandemia. É a sociedade anônima da calamidade pública que dá as cartas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário