Recife. Pontes e canais.
Alvarengas,
açúcar, água rude, água negra.
Torres
da tradição desvairadas, aflitas,
Apontam
para o abismo negro-azul das estrelas.
Pátio
do Paraíso. Praça de São Pedro.
Lages
carcomidas, decrépitas calçadas.
Falam
baixo na pedra as vozes da alma antiga.
Gotas
de som sobre a cidade,
Gritos
de metal
Que
o silêncio da treva condensa em harmonia.
As
horas caem dos relógios do Diário,
Da
Faculdade de Direito e do Convento
De
São Francisco:
Duas,
três, quatro... a alvorada se anuncia.
Agora
ao ouvir as horas que as torres apregoam
Vou
navegando o mar de sombra das vielas
E
o meu olhar penetra o reflexo, o prodígio,
A
humilde proteção dos telhados sombrios,
O
equilíbrio burguês dos postes e dos mastros,
A
ironia curiosa das sacadas.
As
janelas das velhas casas negras,
Bocas
abertas desdentadas, dizem versos
Para
a mudez imbecil dos espaços imóveis.
Vagam
fantasmas pelas velhas ruas
Ao
passo que em falsete a voz fina do vento
Faz
rir os cartazes.
Asas
imponderáveis, úmidos véus enormes.
Figuras
amplas dilatadas no tempo,
Vultos
brancos de aparições estranhas.
Vindos
do mar, do céu... sonhos!... evocações!...
A
invasão! Caravelas no horizonte!
Holandeses!
Vryburg!
Motins.
Procissões. Ruído de soldados em marcha.
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Os
andaimes parecem patíbulos erguidos.
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Vão
pela noite na alva do suplício
Os
mártires
Dos grandes sonhos lapidados.
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Duendes!
Manhã
vindoura. No ar prenúncio dos sinos.
Recife,
Ao
clamor desta hora noturna e mágica,
Vejo-te
morto, mutilado, grande,
Pregado
à cruz das novas avenidas.
E
as mãos longas e verdes
Da
madrugada
Te
acariciam. (CARDOZO, 2007, p. 161-163)
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