Quanto
a políticas públicas em contrário, confesso meu pessimismo
O
relatório do IBGE sobre o produto interno bruto (PIB) do quarto trimestre e do
ano de 2020, divulgado ontem, é mais um amontoado de más notícias e outro
retrato da tragédia por que passa o PIB brasileiro. Este caiu 4,1% em 2020,
principalmente como resultado do impacto da covid-19.
Logo
que a covid surgiu, houve previsões de queda próximas de 9% A política
econômica governamental moveu-se em sentido contrário, como no auxílio
emergencial e no crédito, mas uma queda de 4,1%, mesmo supondo que poderia ter
sido pior, é por si mesma muito alta. E lamentável. Aliás, o relatório aponta
que foi a pior taxa desde que a série dados foi iniciada em... 1996 (!). E
mais: o PIB per
capita, ou por habitante, caiu ainda mais, 4,8%, pois a população
segue aumentando.
Em retrospecto, em 2020 as taxas trimestrais, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, foram de -2,1% no primeiro, -9,2% no segundo, 7,7% no terceiro, e 3,2% no quarto. Esse movimento de descida e subida costuma ser chamado de recuperação em V, mas ele veio com sua haste direita sem voltar à mesma altura da haste esquerda. Assim, fazendo essa altura no último trimestre de 2019 igual a 100, em 2020 o PIB caiu para 89 no ponto mais baixo do V e alcançou 98,8% no alto de sua haste direita com as taxas positivas verificadas nos dois últimos trimestres do ano. Também se pode dizer que o PIB passou por uma recessão no primeiro semestre de 2020, que foi interrompida no segundo, mas sem voltar ao valor que tinha no final de 2019. Além disso, por conta desse V a média do PIB em 2020 ficou bem abaixo da média de 2019, o que levou a essa queda de 4,1%.
É
importante colocar essa taxa no contexto mais amplo da tragédia do PIB
brasileiro. Voltando à década passada, desde 2015 o PIB entrou num buraco do
qual não saiu até hoje. No detalhe o relatório mostra isso, mas não há
referência ao assunto na notícia do documento. Um dos gráficos do relatório
apresenta um índice do PIB trimestral entre o primeiro trimestre de 1996 e o
quarto de 2020, e percebe-se que o valor mais alto ficou lá atrás, no primeiro
trimestre de... 2014! Ou seja, sete anos depois ainda não voltamos a ele. Em
2015 começa um movimento lembrando um U bem rebaixado e estendido, mas cuja
haste direita não retornou ao mesmo nível marcado pela esquerda em sua ponta.
Isso define uma depressão, algo mais longo do que as duas recessões ocorridas
durante o mesmo movimento, a de 2015-2016 e a da covid-19.
Venho
insistindo em apontar essa depressão ainda em curso, mas o noticiário, a classe
política e mesmo vários economistas parecem ignorá-la, ou negligenciar a busca
do seu enfrentamento. Aliás, influenciados pelo que se passa nos países
desenvolvidos, muitos economistas brasileiros focados na economia como um todo
concentram sua atenção na chamada macroeconomia, que foca principalmente em movimentos
cíclicos ou de curto prazo. Questões de longo prazo são negligenciadas. Além da
referida depressão, merece destaque o fato de que desde a década de 1980 a
economia brasileira está em estagnação ou cresce abaixo do seu potencial, e
muito pouco se fala disso.
Com
dados do PIB desde 2014, incluídos os de 2020, estimei que ele precisaria
crescer um total perto de 7% a partir de 2021 para voltar ao seu valor de 2014,
o que tomaria cerca de três anos aumentando perto de 2,4% ao ano, e com muitas
incertezas pelo caminho. Assim, para ao final voltar ao PIB de 2014, tomaria
nove anos! Ou seja, quase uma década para voltar a um PIB que o Brasil já havia
alcançado antes!
Passo
agora a uma visão setorial do último ano. Um gráfico do relatório abrange 12
subsetores da economia, oito mostraram desempenho negativo em 2020, com
destaque para o subsetor de outras atividades de serviços e o de transporte,
comunicação e correio. O primeiro teve a maior queda, de 12,1%, e o segundo
caiu 9,2%, resultados condizentes com o maior impacto da crise da covid-19
nesses subsetores. Entre os que cresceram, destacaram-se o de atividades
financeiras, de seguros e serviços relacionados (4%) e o de atividades
imobiliárias exceto construção (2,5%). Este último teve queda de 7,8%, a terceira
entre as maiores.
Enfim,
esse é um quadro trágico do péssimo estado da economia brasileira. Quanto a
políticas públicas em sentido contrário, confesso meu pessimismo com o cenário
à frente. 2021 pode até mostrar um crescimento do PIB próximo de 3%, mas
principalmente pelo fato de que 2020 teve média muito baixa, bastando a
economia não cair mais este ano para mostrar algo até acima dos 2,4% citados.
Bolsonaro não se interessa pelo assunto e até mesmo atrapalha com suas
propostas, como ao interferir em estatais, gerar incertezas e desencorajar
investidores. E a covid-19 voltou até com mais força, e sem um forte retrocesso
também agravará a situação da economia. Mas, nesse mau contexto, pessoalmente
hoje me sinto melhor, pois vou sair para tomar a vacina com que sonhava.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP. É Consultor Econômico e de Ensino Superior
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