Cassia
Almeida – O Globo
RIO
- Ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, o
economista Arminio Fraga diz que o Brasil passa por uma crise que vai além da
área fiscal. Segundo ele, o Brasil é percebido hoje como um país de visão
atrasada, que passa ao largo de grandes debates, como meio ambiente e qualidade
da democracia.
Arminio
diz que nenhum país cortaria o auxílio à população de forma abrupta. Ressaltou
que mesmo em uma situação econômica e sanitária não tão negativa, a saída teria
seria “suavizada”.
Tivemos
a maior recessão desde o Plano Collor. O que nos espera?
O
Brasil, na verdade, sofreu dois tombos. Tivemos o de 2014, 2015 e 2016, e agora
esse. Olhando o gráfico com os dados trimestrais do PIB, é qualquer coisa de
extraordinário: desde 2012, o PIB caiu mais que subiu. A queda do PIB per
capita chegou a bater quase 10%. É um sinal muito ruim.
E
a pandemia?
É um momento que requer muita reflexão. A economia só vai ter chance de se recuperar quando a pandemia estiver dominada. Há um consenso de que a reação do governo deixou muito a desejar, custando caro em número de vidas e em termos de PIB. Há a visão clara e pacífica de que, enquanto a pandemia não estiver superada, vai funcionar como um freio.
Há
outras fontes de incerteza?
Outra
fonte de incerteza é a política geral. Já falei isso no passado e continuo
achando que os efeitos qualitativos, como a questão ambiental, a resposta à
crise sanitária e temas em geral ligados à qualidade da nossa democracia, como
esses vários decretos sobre armas, criam um pano de fundo tenso.
Do
lado da economia, o investimento vem muito parado, a taxa de investimento é
muita baixa. A do setor público caiu de 5 % do PIB para 1%. Mesmo um liberal
como eu consegue imaginar um espaço importante de investimento tipicamente
público complementar ao do setor privado.
Há
outros pontos de preocupação?
Ao
lado, temos um quadro fiscal precário, a respeito do qual pouco se fez. A
reforma da Previdência foi aprovada, é importante, mas teremos déficit primário
a perder de vista. Com a inflação arregaçando as mangas, o lado fiscal pode
ficar ainda mais preocupante. Isso é algo para o que não está se encontrando
resposta.
O
vento a favor está muito forte lá fora, preço das commodities subindo, uma
situação, para o Brasil, rara. Mesmo assim, a taxa de câmbio foi para R$ 5,70.
As pessoas deveriam se perguntar o que está acontecendo. É um quadro geral
extremamente preocupante, dificílimo, não há como negar.
O
auxílio emergencial deve ser mantido?
Como
parecia previsível, o governo não tomou nenhuma medida considerada antipática
para viabilizá-lo, mas antipático é jogar o país em outra recessão. A situação
sanitária recomenda auxílio. Não há a menor dúvida: nenhum país cortaria esse
auxílio, nas circunstâncias atuais, de maneira radical. Mesmo em uma situação
nem tão ruim, haveria uma saída minimamente suavizada do auxílio.
Sou
a favor, mas correr mais risco na economia, caminhar para outra recessão é um
risco social incalculável. Algumas pessoas esquecem que a crise do real em 1998
e 1999 foi equilibrada com o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, meta
fiscal e de inflação), que o colapso da economia entre 2014 e 2016 veio na
esteira de um colapso fiscal.
Corremos
o risco de colapso fiscal?
A
irresponsabilidade do governo não foi surpresa. Vejo o Congresso ansioso, mas
mais reativo e não proativo. O que quero dizer é que, quando a chapa esquenta,
o Congresso se move. Não vejo o Congresso pensar na estrutura tributária, na
reforma do Estado para valer. Cerca de 80% do gasto vão para folha de pagamento
e Previdência.
Na
esmagadora maioria dos países, inclusive os de renda média, a parcela
corresponde a 60%. É um trabalho de uma década. Não é só uma crise fiscal, é
muito mais que isso. No Brasil hoje, há elementos de crise política,
institucional, da credibilidade do nosso arcabouço maior. O Brasil está com uma
imagem externa ruim e, pior, com uma imagem interna também ruim, por isso o
investimento aqui, que é o mais importante, está tão fraco.
Como
fica a imagem lá fora?
O Brasil fica mal. Em muitas dimensões, é visto como um país que tem visões atrasadas e incompatíveis com as grandes questões existenciais do planeta, sobre meio ambiente, da qualidade da democracia.
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