Valor Econômico
É fundamental que importantes
aprimoramentos institucionais entrem em vigor, como os do sistema tributário,
do sistema educacional e da gestão do Estado brasileiro
Muitos dados e estudos têm sido
apresentados para descrever a deterioração das condições do mercado de trabalho
brasileiro. De fato, a realidade não é nada animadora. Para piorar, com a
chegada da pandemia, um quadro que já causava preocupação ficou ainda mais
crítico. Agora é aguardada a volta à “normalidade” em um ambiente transformado
pela revolução tecnológica na estruturação do trabalho remoto.
De início, em relação ao período pré-pandemia, proponho a análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que classifica as ocupações do trabalho brasileiros em 127 categorias. De acordo com a Pnad entre o terceiro trimestre de 2012 e igual período de 2019, houve a criação de 4,4 milhões postos de trabalho. Salta aos olhos que em seis das 127 categorias profissionais, que empregam hoje cerca de apenas 18% do total da população ocupada (PO), foram geradas 5,25 milhões novas vagas. A Pnad classifica as seis ocupações da seguinte forma: “comerciantes e vendedores de lojas” (6,5 milhões de ocupados no terceiro semestre de 2021); “vendedores de rua e postos de mercado” (915 mil, na mesma data); “outros vendedores” (3,01 milhões); “condutores de automóveis, caminhonetes e motocicletas” (2,8 milhões); “cabeleireiros, especialistas em tratamento de beleza e afins” (2,1 milhões); e “cozinheiros” (1,3 milhão). É importante notar que as 121 categorias remanescentes agregadamente tiveram um desempenho pífio. Ao longo do período, destruíram liquidamente 850 mil postos de trabalho.
É inquestionável a importância das seis
atividades no dinamismo do mercado de trabalho brasileiro ao longo da década
passada, o que torna fundamental entender em mais detalhes o que elas
representam no contexto socioeconômico do país.
Para começar, uma variável-chave para
aferir a qualidade do trabalho gerado em qualquer atividade é a remuneração.
Assim, apesar de ter sido - como se viu acima - responsável por mais de 100% da
criação dos postos de trabalho no Brasil entre 2012 e 2019, os seis grupos sob
análise tiveram redução do rendimento real médio de 5,6% no período, comparado
à elevação de 4,4% para a PO como um todo.
E isso ocorreu mesmo diante do crescimento
da parcela com ensino superior completo nas seis ocupações, que, neste caso,
saiu de 4,9% para 9,4% entre 2012 e 2019. Houve, portanto, um salto educacional
no perfil do trabalhador das seis funções, que não se traduziu em aumento de
renda. Na verdade, a melhora da parcela com ensino superior completo foi
proporcionalmente parecida com a do universo das 127 categorias, que partiu de
14,3% para 20,3%.
Com o ingresso da covid-19 em solo
nacional, os resultados apontaram um agravamento relativo no mercado de
trabalho para as seis ocupações em exame. Comparando-se o terceiro trimestre de
2019 com o mesmo período de 2020, o que dá uma noção do ocorrido no momento de
maior impacto da pandemia, a população ocupada nos seis tipos de atividades
recuou 17,9%, comparado a uma queda de 11,9% na PO como um todo.
Além disso, na crise, o nível educacional
médio dos que se mantiveram trabalhando cresceu, levando aqueles com pouco
estudo a ficarem ainda mais sujeitos a perder o trabalho. No terceiro trimestre
de 2019, os trabalhadores das seis categorias com o ensino médio completo, sem
ter concluído o superior, e aqueles com o superior completo respondiam por,
respectivamente, 51,9% e 9,4%, já no terceiro trimestre de 2020, os percentuais
saltaram para 54,5% e 11,4%.
Ao fim e ao cabo, com base nos dados mais
recentes disponíveis da Pnad do terceiro trimestre de 2021, a média do
rendimento habitual mensal daquelas seis funções é de R$ 1.803, frente à média
de R$ 2.459 para o universo dos postos de trabalho, e a informalidade
representa 51,8% dos postos de trabalho daquelas seis ocupações, comparado a
43% na PO total.
Fica claro, portanto, que as seis
ocupações, que foram o principal indutor de empregos no Brasil nos últimos anos
pré-pandemia, se caracterizam, na comparação com a média dos postos de trabalho
no país, por menos renda, menos instrução, mais informalidade e, na crise
econômica trazida pela covid-19, maior queda de rendimentos e maior
probabilidade de perda de emprego, em especial, para os menos educados.
Em trabalho publicado recentemente no Blog
do Ibre, Janaína Feijó, Laísa Rachter, Fernando de Holanda Barbosa Filho e
Fernando Veloso fazem um mapeamento cuidadoso das ocupações (total, formais e
informais) que mais cresceram e declinaram tanto no Brasil como um todo,
quanto, de forma segmentada, nas cinco regiões durante o mesmo período. Além
disso, procuram dar pistas das profissões que estão ganhando tração no primeiro
mundo. Como apontado no texto, há uma demanda mundial crescente por analistas e
cientistas de dados, especialistas em IA, engenheiros de robótica,
desenvolvedores de software e aplicativos, especialistas em automação de
processos e analistas de segurança da informação.
Diante desse quadro, o que esperar para os
próximos anos no Brasil? Apesar do ainda incerto futuro da pandemia, é provável
que a economia volte logo à “normalidade”. Resta saber o que se pode esperar
dos empregos que virão a ser gerados no país nos anos à frente. Naturalmente, à
luz do passado recente, o futuro não é nada promissor. Além disso, a revolução
tecnológica vem trazendo grandes e importantes mudanças no mercado de trabalho
mundial, o que força o país a se adaptar rapidamente a essa nova realidade.
Para que o caminho a ser trilhado seja
menos tortuoso é fundamental que importantes aprimoramentos institucionais
entrem em vigor, como os do sistema tributário, do sistema educacional e da
gestão do Estado brasileiro. Com isso, será possível melhorar o ambiente de
negócios e, desse modo, aumentar as chances de nos alinharmos com os países
desenvolvidos e vermos crescer a demanda por atividades que tragam melhor
condição de trabalho para a população e elevem a produtividade da economia. O
atraso do Brasil já é grande. Não há tempo a perder!
*Luiz Schymura é pesquisador
do FGV Ibre, ex-presidente da Anatel (2002-2004)
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