O Globo
O presidente Jair Bolsonaro empenha-se
diariamente em desmontar a frágil institucionalidade brasileira, por palavras e
atos. Muitas dessas atitudes são pura falta de educação, mas a maioria delas
reflete uma necessidade de controle autoritário dos órgãos públicos com fins
pessoais, sejam eleitorais ou simplesmente em defesa de interesses próprios.
Uma visão da máquina estatal amesquinhada pelos muitos anos de vida parlamentar
à sombra de pequenos desvios, como as “rachadinhas” nos gabinetes próprios e
dos filhos, que o seguiram na carreira parlamentar, herdeiros de um império
eleitoral montado em bases frágeis, do ponto de vista democrático, e
conspurcado por relações promíscuas.
A intervenção na Receita Federal é a mais recente decisão nesse sentido, com a
saída do secretário José Tostes devido a uma divergência com a família
Bolsonaro, que tem candidato para o cargo de corregedor do órgão, vago desde
julho. Por que a família presidencial tem interesses desse tipo em diversos
órgãos fiscalizadores, como a Receita, o Coaf, a Polícia Federal?
Não é difícil entender, ainda mais depois da revelação daquela reunião
ministerial em que Bolsonaro deixou explícito que precisava controlar as
informações dentro do governo para não deixar que os parentes e amigos fossem
prejudicados: “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou
amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha
que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe
dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não
estamos aqui pra brincadeira”.
Muitas vezes essa intervenção ostensiva não dá certo, como no caso da
Petrobras. Bolsonaro forçou a saída de Roberto Castello Branco, colocou em seu
lugar um general seu amigo, Joaquim Silva e Luna, e não conseguiu impedir que a
estatal aumentasse o preço dos combustíveis de acordo com a variação
internacional. Mas tenta, a todo custo, usá-la para fins eleitoreiros. A
irresponsabilidade é tamanha que o presidente acabou sendo investigado pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por uma declaração que indicava que tinha
uma inside information preciosa: ele anunciou que a Petrobras começaria a
reduzir o preço dos combustíveis nos próximos dias. A estatal teve de publicar um
“fato relevante” negando que já tivesse se decidido por essa redução.
Bolsonaro gosta de fingir-se de militar, mas a condição básica dessa profissão,
a hierarquia, ele não respeita. Nem na sua relação pessoal com a instituição,
veja-se a maneira nada republicana com que foi tratada sua filha, que entrou
num Colégio Militar sem se submeter às normas legais, nem na profissional. É
exemplar desse comportamento abusivo o caso da intervenção branca que fez no
Alto-Comando do Exército, impedindo que o então ministro da Saúde, general
Eduardo Pazuello, fosse punido por ter subido num palanque para participar de
uma manifestação política.
O convite para o palanque foi feito pelo próprio presidente da República, o que
agravou a situação, colocando o Alto-Comando em constrangimento, pois a punição
ao general teria de ser também a do presidente. A falta de modos, o linguajar
chulo que utiliza em público, tudo indica que ele não sabe diferenciar sua
participação na política partidária no baixo clero parlamentar de seu papel
atual na Presidência da República.
Assim como o ex-deputado Severino Cavalcanti, que subiu à presidência da
Câmara, mas continuou com o mesmo espírito, extorquindo dinheiro do
concessionário do restaurante, também Bolsonaro chegou à Presidência da
República pensando como integrante do baixo clero. Reduz o país a uma
republiqueta de bananas, digna de um líder de fancaria.
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