Valor Econômico
Pacto de economia verde demandaria R$ 500
bi ao ano
Indicado ao Oscar de Melhor Documentário em
2011, “Lixo Extraordinário” apresentou ao mundo dois fenômenos: o trabalho do
artista plástico Vik Muniz em um grande aterro sanitário na Baixada Fluminense;
e o líder dos catadores de material reciclável do local, Sebastião Carlos dos
Santos.
Conhecido como Tião Santos, ele fundou e se
tornou o principal porta-voz da Associação de Catadores de Material Reciclável
do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ). Com a repercussão do filme, ele
ganhou notoriedade, tornou-se consultor do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e palestrante na área de economia verde.
Onze anos depois da fama e na esteira dos debates da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP-26), Santos não tem diploma de economista, mas sabe fazer contas, talvez mais do que muitos gestores.
“A gente gasta mais de R$ 100 bilhões pra
enterrar R$ 20 bilhões”, denunciou. “São R$ 100 bilhões gastos com transporte,
coleta e varrição e enterrar o material reciclável e R$ 20 bilhões é o que é
enterrado: a gente gasta pra enterrar o que podia virar emprego e renda”,
criticou.
Santos tornou-se um “player” a quem o
governo deveria dar ouvidos. Para abrir espaço fiscal, o governo legalizou o
adiamento das dívidas (precatórios). Em uma realidade (utópica?) de economia
verde, o lixo seria tratado como investimento.
Segundo Santos, a cadeia produtiva da
reciclagem gera quase dois milhões de postos de trabalho diretos e indiretos,
reciclando apenas 2% dos resíduos sólidos. “Mas o potencial de reciclagem do
Brasil é de 40%”, alertou, na semana passada, no ato em que assinou a ficha de
filiação ao PSB.
A opção partidária de Tião Santos é uma
derrota simbólica para o PT, já que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é
o político com laços mais estreitos junto aos catadores, com os quais
confraterniza todos os Natais. Santos tem afirmado, entretanto, que não
pretende disputar cargo eletivo no ano que vem.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos,
que previa o fim dos lixões no país até 2014, até agora fracassou. Mais da
metade dos municípios brasileiros ainda descarta o lixo de forma irregular:
2.868 cidades (51,5%) ainda não regularizaram o serviço e 39,8% dos resíduos
não têm destinação correta. Os dados são de 2020 e integram o Panorama Anual da
Associação Brasileiras das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais
(Abrelpe), antecipado ontem pelo Valor.
Incentivar e aprimorar a gestão dos
resíduos sólidos é apenas uma das 30 ações a serem implementadas até 2030,
contempladas no “Green New Deal Brasil”, idealizado pelo deputado federal
Alessandro Molon (PSB-RJ) e elaborado com uma equipe de economistas, coordenada
pelo professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Carlos Eduardo Young.
Segundo o estudo, eliminar 100% dos lixões
e reabilitar essas áreas, implantando integralmente o Plano Nacional de
Resíduos Sólidos, demandaria R$ 1,8 bilhão ao ano, nos próximos nove anos.
As 30 ações para transformar o Brasil em
uma economia justa e sustentável são distribuídas em cinco eixos:
infraestrutura, cidades, uso do solo e florestas, transição econômica e
sustentável, mudanças políticas e normativas.
Contemplam, entre outras: elevar a
participação das energias renováveis (salvo a hídrica) para 23% da matriz;
recuperar e expandir as ferrovias; zerar o déficit habitacional com moradias
sustentáveis; universalizar o acesso aos quatro serviços de saneamento (água,
colega de esgoto, tratamento de resíduos e drenagem); promover a agropecuária de
baixo carbono, elevando em quatro milhões de hectares a área sob sistema de
integração lavoura-pecuária-florestas e restaurando 15 milhões de hectares de
pastagens degradadas; garantir empregos verdes para os desempregados,
oferecendo oportunidades pela execução das 30 ações.
Num contexto de pacto global pela redução
climática, a implantação do pacote levaria o país a emitir 1 gigatonelada de
gás carbônico equivalente a menos por ano. Isso equivale à metade do que o
Brasil emitiu em 2020: 2.160.663.755 de gás carbônico equivalente.
A implantação das 30 ações também poderia
gerar 9,5 milhões de postos de trabalho, sendo 5,4 milhões em postos formais,
ao salário médio de R$ 26,6 mil por ano. Molon registra que na “economia
cinza”, o salário médio nos postos formais é de R$ 22 mil.
A implementação plena do programa custaria
cerca de R$ 500 bilhões, ou 6,9% do PIB.
“É um PAC do Futuro”, resume Molon,
traduzindo a conta: custaria cerca de R$ 100 bilhões a mais que o investido por
meio do PAC2, dos governos petistas, algo em torno de R$ 400 bilhões/ano. “Lá
atrás, sustentabilidade era gasto, hoje é o caminho para quem quer ganhar
dinheiro. O Brasil tem tudo para ser o líder mundial da economia verde”.
Molon, que integra a Executiva Nacional do
PSB - está à frente da Secretaria de Relações Internacionais -, acrescenta que
a plataforma é tão relevante que foi encampada como programa partidário. O
presidenciável que desejar a aliança com o PSB em 2022 - por enquanto, o nome
mais provável é Lula -, terá de se comprometer com a implantação do projeto.
O programa indicou potenciais fontes de
financiamentos para a execução das 30 ações. Uma delas seria a aplicação do
valor máximo da Cide sobre combustíveis fósseis, que poderia gerar R$ 100
bilhões.
Há questões sensíveis ao agronegócio, como
o fim dos subsídios aos agrotóxicos, calculado em R$ 16 bilhões e a atualização
da alíquota do ITR, estimada em R$ 18 bilhões.
Uma possível fonte, mas já descartada pelo
relator da reforma do Imposto de Renda, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), seria
a tributação de lucros e dividendos, calculada em R$ 59 bilhões.
Embora Molon cite o potencial do Brasil
para “líder em economia verde”, um estudo do banco suíço Lombard Odier, com a
Universidade de Oxford, sobre países propensos à “reconstrução mais verde” de
suas economias, mostrou que o Brasil caiu vários níveis nos índices de
complexidade verde.
Andrea Jubé
Nenhum comentário:
Postar um comentário