O Globo
A preocupação com a fome e a miséria voltou
a ser um dos cinco mais importantes temas apontados pelo eleitor. “Isso é a
primeira vez que acontece desde a eleição de 2002”, explicou Márcia Cavallari
do Ipec, Inteligência em Pesquisa e Consultoria. Entre os eleitores que recebem
até dois salários mínimos, 60% manifestam intenção de votar no ex-presidente
Lula. “Eu não me lembro de ter visto um apoio tão intenso como esse, entre os
mais pobres”, disse o cientista político Jairo Nicolau, da FGV. O primeiro
turno será daqui a dez meses, mas os especialistas já sabem que a crise
econômica estará no centro do debate.
Segundo Márcia, nas pesquisas feitas pelo Ipec, a saúde é apontada como um dos assuntos mais importantes, mas isso sempre aconteceu desde 1989. O desemprego é outro ponto. A preocupação com a fome e a miséria é para 21% o problema mais importante, enquanto o combate à corrupção, que em 2018 apareceu com 40%, perdeu força e está agora com 17%.
Entrevistei os dois especialistas no meu
programa na Globonews para saber quais serão os determinantes do voto. O
professor Jairo Nicolau define a eleição como plebiscitária.
— A eleição de 2022 será uma avaliação do
governo em curso. O ponto central, e isso aconteceu ao fim do primeiro mandato
de outros presidentes, será uma discussão sobre a natureza do governo
Bolsonaro, o que funcionou ou não funcionou, a gestão da economia e a
comparação com outros governos — diz Jairo.
O cientista político conta que baseado nas
pesquisas da Quaest a preocupação com a pandemia caiu de 40% em julho para 15%
agora. Isso é resultado, na opinião dos dois entrevistados, do avanço da
vacinação e do declínio de casos e de mortes.
— A economia fez o caminho contrário, foi
de 10% a 12% e chegou agora a mais de 30%. Está se impondo como a maior
preocupação dos brasileiros. E, dentro da economia, a inflação passou a ser a
questão principal. O desemprego continua fixo. Quando se junta desemprego e a
economia, principalmente a inflação, chega a 40% —diz Jairo Nicolau, baseado na
pesquisa da Quaest.
Se a eleição será o julgamento da atuação
do governo, a economia a questão central, e a fome e miséria voltando a ser,
desde 2002, uma das maiores preocupações, a situação de Bolsonaro fica mais
difícil. E tem outro detalhe, que favorece o ex-presidente Lula, na opinião de
Márcia Cavallari:
— Nas pesquisas qualitativas, nós
percebemos a memória dos bons tempos no governo Lula. As pessoas remetem a essa
ideia de que naquela época eles conseguiram ter acesso a uma série de bens, uma
melhoria das condições de vida, comprar casa.
Os dois, contudo, acham que existe espaço
para outros candidatos. Segundo Márcia, na última pesquisa do Ipec, 31%
disseram não querer Lula nem Bolsonaro.
— Há uma demanda para uma terceira opção,
mas essa opção não é conhecida pelo eleitor ainda. O grande desafio dos
candidatos é se tornarem conhecidos — dizMárcia.
Jairo Nicolau faz uma observação
interessante sobre o ex-juiz Sergio Moro:
— Bolsonaro se apresentou com um outsider,
mas era um falso outsider, apesar de ter sido comprado como um, mesmo sendo um
político de longa trajetória. Mas eu me dei conta de que o Moro é o maior
outsider de uma disputa presidencial no Brasil. Os nossos outsiders antigos,
Jânio Quadros ou Collor de Mello, estavam fora do sistema partidário
tradicional, e Moro só entrou num partido para disputar a eleição.
O eleitor está querendo experiência ou
outsider? Fiz essa pergunta, e o professor Jairo Nicolau respondeu que é
preciso esperar um pouco mais. Márcia lembrou que em 2020 não houve espaço para
o novo porque o eleitor preferiu experiência. Isso pode ser pela insegurança da
pandemia que, naquele momento, estava no auge.
Perguntei ao Jairo se o Auxílio Brasil
poderia dar popularidade a Bolsonaro. Ele acha que é preciso ver se haverá
tempo de ter esse efeito, mas lembrou que o Auxílio não será uma novidade, mas
um programa com outra configuração. Jairo acha que o grande ponto é o forte
apoio a Lula entre os mais pobres:
— Se a gente pegar as famílias que recebem
menos de dois salários mínimos dá mais ou menos metade da população. E nesse
segmento Lula tem 60% das preferências. Bolsonaro vem em segundo com 20%.
Há um bom caminho pela frente, mas por enquanto
a situação favorece fortemente o ex-presidente Lula.
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