terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Cisternas do centrão

Folha de S. Paulo

Programa para o semiárido dá exemplo nefasto de politização da política pública

O programa federal de cisternas levou mais de 929 mil reservatórios d’água para pequenas propriedades do semiárido —cerca de 58 mil por ano até o início do governo de Jair Bolsonaro. Em 2019, antes da epidemia, foram 26,5 mil. Neste 2021, só foram instalados em torno de 2.700 equipamentos.

São sinais de que falta prioridade para um investimento de baixo custo destinado a melhorar as condições de vida em regiões pobres do país. Ou, talvez, de dificuldades impostas pela Covid, embora as empresas da construção civil tenham levado adiante um grande volume de obras muito mais complexas, driblando o vírus.

Mais certo é que o programa foi desestruturado por uma mistura de desordem institucional e politização indevida da política pública.

Reportagem da Folha mostrou que o governo federal passou a ignorar organizações sociais e conselhos locais que, no sentido amplo, supervisionavam o projeto. No lugar de uma iniciativa bem-sucedida e de prestígio internacional, fica o toma lá dá cá da baixa política.

A instalação das cisternas passa agora a depender de arranjos eleitoreiros. Deputados e senadores indicam quais cidades e beneficiários receberão os reservatórios —e disso fazem até alarde.

A chegada dos equipamentos passa a se dever à "ação feita pelo trabalho da nossa força política em Brasília", como publicou em redes sociais o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (DEM-PE). O prefeito elogiava seu pai, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro no Senado.

Está explícito que os critérios de destinação de recursos deixam de ser a prioridade social, a eficiência, a impessoalidade e a transparência. Atropelam-se os padrões legais e técnicos que devem definir a implementação de uma ação de Estado. Assim funciona a destinação de recursos por meio de emendas de relator ao Orçamento federal.

Várias delas picotam a escassa verba federal sem destinação obrigatória em obras paroquiais, sem que se definam padrões de custo e benefício do uso dos recursos. O expediente acaba por se tornar uma espécie de fundo eleitoral paralelo, que beneficia parlamentares com trânsito na cúpula.

Como se não bastasse, o Congresso faz o que pode para não dar publicidade à autoria dessas emendas e para manter métodos de repasse de recursos que dificultam a fiscalização de seu emprego. Começam a aparecer os primeiros indícios escandalosos de corrupção por meio do uso desses artifícios.

É um programa de solapamento das instituições que regulam o uso do dinheiro público, resultado do casamento da incompetência de Bolsonaro com o fisiologismo de seus colegas do centrão.

Antes sem reforma

Folha de S. Paulo

Arquivar a proposta de mudança do IR, como quer relator, é desfecho menos ruim

A reforma do Imposto de Renda, ao que parece, caminha para o menos ruim dos desfechos possíveis. O próprio relator do texto no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA), defendeu seu arquivamento e a elaboração de uma nova proposta.

Quaisquer que sejam as motivações do senador, a conclusão está correta. Por frustrante que seja abandonar por ora uma necessária reformulação do tributo, não se vê de fato como salvar um projeto que já nasceu falho no Executivo e piorou durante a tramitação apressada na Câmara dos Deputados.

O principal objetivo da reforma deveria ser elevar a progressividade do IR —cobrar proporcionalmente mais de quem recebe rendimentos maiores— e mitigar distorções que hoje estimulam profissionais a atuarem como pessoas jurídicas, com vantagens tributárias sobre os trabalhadores celetistas.

Apresentada em junho, a proposta do governo acertava ao estabelecer a taxação dos dividendos, ou seja, da parcela dos lucros distribuída pelas empresas a seus acionistas. Faltava, porém, uma redução adequada das alíquotas incidentes sobre o lucro total, o que resultava em uma carga excessiva.

Na busca atabalhoada de contornar críticas e resistências, a Câmara abrandou as normas, e a reforma passou a ser deficitária. A Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, estima que o texto provocará perda de receita em torno de R$ 30 bilhões em 2020.

Pior, o objetivo da equidade ficou comprometido com a decisão de manter a possibilidade de isenção para dividendos pagos por empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões anuais. Beneficiam-se os negócios de menor porte (que ainda assim podem abrigar milionários), em detrimento dos maiores e, em geral, mais eficientes.

Ficaram intocados temas relevantes como as deduções de despesas familiares com saúde e educação, além da possibilidade de elevação da alíquota máxima para as pessoas físicas —certamente para evitar ainda mais celeuma.

Um redesenho virtuoso do IR, como ficou claro, envolve desafios técnicos e políticos que estão além da capacidade de formulação e negociação do governo Jair Bolsonaro e sua equipe econômica.

Insistir no projeto provavelmente resultaria em mais remendos, casuísmos e concessões custosas. Não se devem esperar reformas definitivas e redentoras, mas é preciso que as mudanças, mesmo graduais, sejam consistentes.

Sobra dinheiro, falta competência

O Estado de S. Paulo.

Articulação para evitar punição a prefeitos que descumpriram repasse mínimo de recursos para educação durante a pandemia de covid-19 não pode prosperar.

Ofracasso da educação se expressa por meio de muitos indicadores, entre os quais o aumento da evasão escolar, de 171,1% entre 2019 e 2021. Em meio à pandemia de covid-19, os estudantes ficaram mais de um ano sem aulas presenciais e o ensino remoto, nos raros locais em que chegou, não foi suficiente para o aprendizado, principalmente dos mais jovens e daqueles com desempenho mais baixo. É escandaloso, portanto, o fato de que 81% dos municípios não aplicaram os recursos mínimos – 25% das receitas – destinados obrigatoriamente à educação neste ano. Reportagem do Estadão revela que oito em cada dez prefeitos podem ser enquadrados por improbidade administrativa e ficarem inelegíveis.

É vergonhoso o argumento utilizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) para justificar o fato de que R$ 15 bilhões deixaram de ser aplicados nos últimos dois anos na educação básica, que alcança crianças e adolescentes: não havia no que investir, já que as escolas ficaram fechadas praticamente o ano todo, o que reduziu os gastos com limpeza, transporte e materiais, e não era permitido conceder reajustes salariais nem realizar novas contratações em razão de restrições impostas por lei durante a crise sanitária.

A tragédia da educação brasileira chega ao nível do surreal: não faltam, sobram bilhões para investir em uma área em que a qualidade está muito aquém do aceitável. Na última edição da maior avaliação mundial de estudantes, o Pisa, o Brasil ocupou a 66.ª posição entre 79 participantes na prova de ciências; em matemática, ficou com o 70.º lugar; e em leitura, em 57.º. Países bem colocados no Pisa são justamente os que fecharam escolas por menos tempo, como Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Cingapura e França.

É de perguntar em que mundo viveram os gestores municipais nos últimos dois anos, dado que não pensaram em investir esse dinheiro em tecnologia. Não foram informados de que apenas 32% das escolas municipais organizaram aulas ao vivo? Não souberam que somente 19,7% dos municípios ofereceram a seus professores computador, tablet ou smartphone? Não perceberam a urgência de reformas para adaptar a reabertura das instituições aos protocolos sanitários? Todos os dados são de um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizado no início deste ano.

Não restam dúvidas de que um plano nacional para o enfrentamento do novo coronavírus poderia ter contribuído para conter esse desastre, uma tarefa da qual o Ministério da Educação abdicou. Como se sabe, a prioridade do ministro Milton Ribeiro passa por excluir questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para agradar ao presidente Jair Bolsonaro e liberar o ensino domiciliar, demanda de uma parte ínfima dos evangélicos.

Se não houve liderança para o enfrentamento das mazelas da educação ao longo da pandemia, não faltou articulação política para evitar a necessária responsabilização. O prefeito de Aracaju e presidente da FNP, Edvaldo Nogueira Filho, defende a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para impedir punições civis, administrativas e criminais aos gestores locais que não cumpriram o repasse mínimo em 2020 e 2021. Já aprovado no Senado, o texto deve ser apreciado na Câmara ainda neste mês, a tempo de ser promulgado antes do fim deste ano.

Este jornal é favorável à desvinculação das receitas dos orçamentos públicos. Cada ente federativo deve ter liberdade para definir a melhor forma de alocar recursos escassos. É provável que alguns Estados e municípios precisem de mais do que 25% de suas receitas para atender a educação, enquanto para outros 10% seriam suficientes. No entanto, para que a desvinculação resulte em racionalidade econômica, é preciso maturidade administrativa, coisa que a esmagadora maioria dos prefeitos não parece ter, a julgar pelo desastre da educação a despeito da profusão de recursos. Como lição, a lei deve ser cumprida, e os prefeitos devem ser penalizados com rigor.

O ganha-ganha de Flávio

O Estado de S. Paulo

O ex-deputado livrou-se da indigesta 27.ª Vara e ficará onde quer (TJ-RJ). E, na condição de senador, está sujeito à jurisdição do STF, onde topa com a PGR de Augusto Aras

Que momento vive o senador Flávio Bolsonaro. Encurralado pelos elementos surgidos no contexto das investigações instauradas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para apurar a prática de “rachadinhas” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa desse Estado, o senador agora respira aliviado.

Não porque o STF tenha decidido, dias atrás, que Flávio não chefiou esquema de repasses ilegais de salários (ficando com parte do ordenado de seus funcionários) ou que não houve o emprego de verbas públicas para saldar suas despesas pessoais. As razões do Supremo foram outras.

Tudo começa com a decisão da 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que, acolhendo pedido de Flávio, transferiu o inquérito aberto para investigá-lo da primeira para a segunda instância, isto é, do juiz Flávio Itabaiana, da 27.ª Vara Criminal do Rio, para o Órgão Especial do próprio TJ-RJ.

No entender dos desembargadores desse Tribunal, embora Flávio não seja mais deputado estadual, o fato de as supostas rachadinhas terem ocorrido quando ele era deputado implicaria seu direito ao foro privilegiado dos deputados fluminenses, o TJ-RJ. Em outros termos: mesmo sendo senador, Flávio não deveria ser julgado pelo STF (os fatos investigados antecedem sua eleição ao Senado); mesmo não sendo mais deputado, ele não deveria ser julgado em primeira instância (ele continua parlamentar).

Desse modo, o inquérito saiu das mãos do juiz Itabaiana, que vinha proferindo decisões desagradáveis para Flávio, em direção ao TJ-RJ. Contra essa decisão, o Ministério Público fluminense interpôs recurso. Descuidou-se, porém, de uma providência de conhecimento já dos vestibulandos em Direito: cumprir o prazo legal para apresentação da peça.

O MP-RJ perdeu o prazo para interposição de recurso contra a decisão da 3.ª Câmara Criminal do TJ-RJ. Tentou safar-se, então, com o ajuizamento de Reclamação perante o STF, ao argumento de que a decisão do TJ-RJ violou a decisão do STF que restringira o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo (questão de ordem na Ação Penal 937). Segundo o MP-RJ, por não ser mais deputado estadual, o senador não deveria ser julgado pelo TJ-RJ, mas em primeira instância. Ou: não poderia valer hoje o foro que Flávio tinha quando era deputado.

Na semana passada, a 2.ª Turma do STF apreciou a Reclamação proposta pelo MP-RJ, julgando-a improcedente. O primeiro fundamento dessa decisão, capitaneada pelo ministro Gilmar Mendes, foi que a Reclamação não poderia ser usada para substituir o recurso do MP-RJ contra a decisão da 3.ª Câmara Criminal do TJ-RJ. Tal recurso foi interposto fora do prazo, e a Reclamação não seria lugar para rediscussão do assunto.

Além disso, a decisão anterior do STF sobre o foro privilegiado não teria abrangido o caso de Flávio, que deixou de ser deputado para tornar-se senador, ou seja, foi eleito para mandato em outra Casa Legislativa, de forma ininterrupta. Por ainda exercer um mandato parlamentar, o atual senador não teria sido atingido pela decisão do Supremo na Ação Penal 937.

Com essas razões de natureza formal, isto é, sem adentrar a decisão do TJ-RJ em si, que declarara que Flávio deveria ser julgado pelo Órgão Especial do TJ-RJ, o STF manteve a decisão do Tribunal fluminense. Desse modo, o inquérito instaurado contra Flávio sai de vez das mãos do juiz Itabaiana, da 27.ª Vara Criminal do Rio.

Mas o Ministério Público não saiu inteiramente derrotado. É irônico, mas não só o STF se opôs à argumentação do MP-RJ. A ela também se opôs o órgão máximo do Ministério Público Federal. Em seu parecer, a PGR opinou pelo não cabimento da Reclamação do MP-RJ. Reclamação que só foi ajuizada, vale recordar, porque o MP-RJ perdeu o prazo para interposição de recurso contra a decisão que beneficiara Flávio.

É esse o saldo da falta de controle sobre um órgão de controle (MP-RJ). E a vitória maiúscula do ex-deputado Flávio Bolsonaro: livrou-se da indigesta 27.ª Vara e ficará onde quer (TJ-RJ). Na condição de senador, está sujeito hoje à jurisdição do STF, onde topa com a PGR de Augusto Aras. Adivinha-se a vantagem.

Câmara deveria punir quem viola decoro parlamentar

O Globo

O mandato parlamentar não pode servir de escudo para criminosos, delinquentes ou irresponsáveis que violem as leis ou o decoro. Infelizmente, é péssimo o histórico do Congresso nas situações em que é evidente a necessidade de penas duras, da suspensão à perda do mandato.

A Câmara é conhecida pela complacência com denúncias de quebra de decoro. O Conselho de Ética parece há anos uma instância de arquivamento, tão baixo o índice de punição. Quando resolve contrariar a regra e aprova uma pena mais dura, como no caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), a presidência da Casa atrasa a votação em plenário. É como se a engrenagem no Legislativo funcionasse em favor do corporativismo e da impunidade.

Sem a pressão da opinião pública, a tendência é a acomodação. Um exemplo gritante foi o caso da deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de ser mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo. Sob o pretexto da pandemia, o Conselho de Ética demorou seis meses para agir e outros quatro para recomendar a perda de mandato. Só tomou a decisão quando pressionado. O plenário aprovou a cassação dois meses depois, um ano após a denúncia do Ministério Público. Contraste-se a pachorra do Parlamento com a lepidez da Justiça. Em questão de dois dias, Flordelis foi presa por decisão da 3ª Vara Criminal de Niterói. Dois de seus filhos já foram condenados enquanto ela aguarda julgamento.

São raras as punições da Câmara com perda de mandato. Nem condenações na Justiça costumam abalar os parlamentares no julgamento de seus pares. Quando deputado em 2018, o atual prefeito de Chapecó (SC), João Rodrigues, exercia o mandato de dia e cumpria pena de prisão domiciliar de noite. Antes dele, o então deputado Celso Jacob mantivera a mesma rotina. Nelson Meurer (1942-2020), condenado a quase 14 anos de prisão por corrupção, foi alvo de duas representações arquivadas pelo Conselho de Ética. Para não falar no deputado Natan Donadon, primeiro parlamentar condenado à prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no exercício do mandato, em 2013. Sua cassação levou sete meses — e na época não havia pandemia.

Das 33 representações movidas na atual legislatura, fora a cassação de Flordelis, 18 resultaram em arquivamento, duas em censura verbal, uma foi retirada, duas caducaram porque o deputado Boca Aberta (Pros-PR) foi cassado pela mesa depois de ter sido considerado inelegível — e nove dizem respeito ao caso Daniel Silveira, para quem a recomendação do Conselho foi a suspensão do mandato por seis meses.

Em vídeo divulgado nas redes sociais em fevereiro, Silveira fez apologia ao AI-5, ameaçou ministros do STF e defendeu o fechamento da Corte. Preso em flagrante, passou para prisão domiciliar em março, burlou o uso da tornozeleira eletrônica, voltou à cadeia em junho, para finalmente ser solto no mês passado.

Silveira tem contado com a colaboração da presidência da Câmara, que não leva seu caso à avaliação do plenário. Ele deu repetidas provas de desrespeito às regras do debate democrático. Atrasar a avaliação de sua suspensão é um acinte. É incoerente os parlamentares serem complacentes com tais casos e depois, quando a Justiça entra em ação, reclamarem de intervenção do Supremo no Legislativo ou de ativismo do Judiciário.

Diante dos riscos, é sensata a decisão de prefeituras de cancelar réveillon

O Globo

É sensata a decisão das prefeituras das grandes cidades brasileiras de cancelar suas festas de Réveillon. Até agora, 21 das 27 capitais — entre elas São Paulo e Rio de Janeiro — já anunciaram a suspensão das comemorações da virada do ano, seguindo orientação dos conselhos científicos (outras três já não faziam a festa). É provável que a iniciativa traga prejuízos ao setor de turismo, um dos que mais sofreram em dois anos de pandemia, mas é a mais acertada considerando os riscos óbvios das grandes aglomerações para a saúde da população, especialmente diante da ameaça da nova variante Ômicron, já presente no Brasil.

Embora reticente de início, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, fez bem em cancelar a festa na Praia de Copacabana, o Réveillon mais famoso do país, que costuma reunir mais de 2 milhões para assistir à queima de fogos. Paes disse que o comitê científico que assessora a prefeitura liberou o evento, mas, com o veto do comitê estadual, preferiu seguir a medida mais restritiva. Não se trata ainda de decisão final. Paes e o governador Cláudio Castro se reunirão nesta semana para tratar do assunto. Espera-se que os acertos políticos não se sobreponham às questões sanitárias. Seria temerário reunir milhões de pessoas num momento em que o mundo inteiro retoma medidas de restrição.

O governo federal deveria demonstrar o mesmo equilíbrio que as prefeituras das capitais e seguir a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela exigência de comprovante de vacinação para estrangeiros que chegam ao Brasil, como fazem outros países. O grande obstáculo chama-se Jair Bolsonaro, que sempre foi contra o passaporte sanitário e recusa-se a tomar vacina. No domingo, o presidente criticou a iniciativa e disse que encaminhará ao Congresso uma Medida Provisória determinando que apenas o governo federal possa decidir sobre a questão. O ministro do Supremo Luís Roberto Barroso deu 48 horas para as autoridades tomarem uma atitude. Independentemente das posições negacionistas de Bolsonaro, o governo deveria ser mais pragmático, como fez ao vetar, também a pedido da Anvisa, voos vindos de países da África.

É verdade que, com o avanço da vacinação e a queda nas infecções, internações e mortes por Covid-19, o país vive uma relativa tranquilidade. Mas é impossível dizer até quando. O que acontece hoje na Europa, onde países com altos índices de vacinação enfrentam aumento de casos, deve servir de alerta ao Brasil. A Ômicron veio complicar ainda mais o cenário. Os cientistas ainda não sabem em que medida ela pode driblar a imunidade adquirida por vacinas ou infecções.

Espera-se que os governos tenham a mesma responsabilidade com o carnaval. Ainda há muita incerteza sobre a Ômicron e bastante tempo para tomar decisões. Qualquer que seja o cenário, será ingenuidade achar que os foliões cumprirão protocolos mínimos como o uso de máscaras nos cortejos. São decisões custosas, especialmente para cidades como Rio, Salvador e Recife, que têm o carnaval como referência. Mas o custo da leniência pode ser maior.

Recuo da indústria reforça pessimismo com a economia

Valor Econômico

Último trimestre do ano também pode terminar no negativo para o setor e o cenário delineado para 2022 não é muito diferente

O recuo da produção industrial em outubro marcou mais um revés para a economia brasileira. O IBGE contrariou as previsões ao informar que a produção industrial encolheu mais 0,6% em outubro, repetindo o resultado ruim de setembro e marcando o quinto mês consecutivo de recuo. Ao longo do ano, a indústria só cresceu em janeiro e maio.

Em outubro, dos 26 setores pesquisados pelo IBGE, 19 tiveram queda na comparação com setembro. Entre os macrossetores, caíram mais os bens de consumo duráveis e o grupo de semi-duráveis e não duráveis, 1,9% e 1,2% respectivamente, refletindo a redução da renda da população e o desemprego ainda elevado. O segmento de bens intermediários também não se saiu bem e recuou 0,9%. Apenas o de bens de capital teve expansão, de 2%.

No acumulado do ano, a indústria mostrava em outubro crescimento de 5,7% na comparação com o mesmo período de 2020. Mas o número é positivo apenas devido à base de comparação deprimida do ano passado. Em 2020, a produção industrial caiu 4,5% em consequência da pandemia, e já vinha de um período ruim em 2019, quando diminuiu 1,1%.

Na realidade, a produção industrial está 4,1% abaixo do patamar anterior à pandemia, de fevereiro de 2020. Alguns segmentos expressivos estão com produção ainda menor, como o de alimentos, com queda de 13,6%; a fabricação de veículos, de 19,7%; e a de vestuário, 19,1%. Nada menos do que 65% dos segmentos da indústria estavam abaixo do nível pré-pandemia, a maior parte com queda de dois dígitos, de acordo com cálculos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

O baque do desempenho negativo da indústria nem deu tempo ao país para digerir a notícia de que o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,1% no terceiro trimestre e a economia entrou em recessão técnica, porque já havia caído 0,4% no trimestre anterior.

Os dados do PIB já haviam mostrado que a indústria de transformação enfrentou três trimestres seguidos de retração. À baixa competitividade histórica se somaram a subida das commodities, a elevação do câmbio, os gargalos nas cadeias de produção, a crise hídrica que pressionou os custos de energia, a inflação e o desemprego altos e, mais recentemente, o reajuste dos juros. Os dois resultados somados potencializam a perspectiva de que o último trimestre do ano também pode terminar no negativo. Para piorar, o cenário delineado para 2022 não é muito diferente.

Os balanços da produção industrial em outubro e do PIB do terceiro trimestre reduziram os juros no mercado futuro e esfriaram as previsões de que o Comitê de Política Monetária (Copom) ajustaria a taxa básica de juros na reunião desta semana em percentual superior ao 1,5 ponto sinalizado anteriormente. A previsão de um ajuste maior havia crescido nas últimas semanas diante da escalada da inflação, apontada pela variação de 1,17% em novembro do IPCA-15, acumulando 10,73% em 12 meses.

Essa aposta perdeu força diante dos sinais de enfraquecimento maior da economia evidenciados nos resultados da indústria, apesar das afirmações otimistas do ministro da Economia, Paulo Guedes, que insiste em visualizar um crescimento em V. Para conturbar mais o horizonte, surgiu a nova variante ômicron do coronavírus, com repercussões ainda não claras na saúde da população global e na economia, com possível agravamento no fluxo das cadeias de produção.

Mesmo que o Copom siga o script mais comedido previsto, há que se contar com o efeito retardado da elevação dos juros que, desde março, já subiram 5,75 pontos e devem inibir a demanda, também enfraquecida pela hesitação que envolve a concessão do novo Auxílio Brasil. Outro fator negativo nas previsões é a reversão das políticas de afrouxamento monetário no mercado internacional. Não faltassem problemas já contratados há a expectativa de acirramento da tensão política com a aproximação das eleições presidenciais. Todos esses fatores justificam previsões cautelosamente pessimistas para os próximos meses.

Os erros da política econômica do governo, a instabilidade criada pela antecipação da disputa eleitoral pelo presidente Jair Bolsonaro e a condução atabalhoada das questões econômicas no Congresso, de olho principalmente em auferir vantagens na distribuição de verbas, cobram seu preço na economia, com impacto negativo no bem-estar da população.

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