EDITORIAIS
São inaceitáveis os obstáculos contra
vacinação infantil
O Globo
Era de esperar que, após os obstáculos
iniciais, muitos deles criados pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e pelo
ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a vacinação infantil no país avançasse sem
maiores sobressaltos. Mas não. Em algumas cidades, pais que levam os filhos aos
postos de saúde são surpreendidos com exigências descabidas, como a
obrigatoriedade de assinar um termo de consentimento, medida que contraria as
normas do Ministério da Saúde e funciona como um desestímulo à vacinação.
Como mostrou reportagem do Jornal Nacional,
pelo menos duas capitais — Salvador e Belém — estão cobrando o termo de
consentimento para vacinar as crianças. Na capital baiana, os pais precisam
preencher um longo formulário antes da imunização. A exigência se repete em cidades
de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Mato Grosso.
No estado do Rio, como informou O GLOBO, o
termo de responsabilidade estava sendo exigido pelas prefeituras de Itaguaí,
Nilópolis, Japeri, Araruama e Mangaratiba. Em Itaguaí, autoridades de saúde
chegam ao cúmulo de cobrar, além da autorização, cópia dos documentos dos
responsáveis e da criança, absurdo que não tem amparo na legislação. Também
funcionam como desestímulo alertas feitos nos postos sobre efeitos adversos das
vacinas, que são raros. Algumas cidades recuaram após a repercussão negativa do
caso.
Os argumentos para justificar a exigência são ridículos. Prefeituras alegam que é para evitar que posteriormente pais acusem o município de aplicar a vacina sem autorização — isso nunca existiu em outras campanhas. Afirmam ainda que seguem orientação do Ministério da Saúde, o que não é verdadeiro. A nota técnica do ministério recomenda que o termo seja assinado apenas na ausência dos pais ou responsáveis pelas crianças.
O próprio governo contribui para confundir
e desinformar. Na quarta-feira, ao anunciar o envio aos estados de novas doses
de vacina para crianças, o Ministério da Saúde pediu que os pais procurem a
recomendação de um médico antes da vacinação. É preciso deixar claro que não
existe essa orientação. Bolsonaro e Queiroga defenderam a vacinação com
prescrição médica, mas esse despropósito felizmente foi derrubado pela
audiência pública convocada pelo próprio ministro. Para vacinar crianças de 5 a
11 anos, basta levá-las aos postos.
A campanha de vacinação tem sofrido ataques
desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso
do imunizante da Pfizer para crianças em 16 de dezembro. Contrário à
imunização, Bolsonaro ameaçou divulgar nomes dos técnicos responsáveis pela aprovação,
intimidação inaceitável. O ministro Queiroga inventou uma inédita consulta
pública para discutir o óbvio, atrasando o início da campanha. Em algumas
cidades, carros de som estão sendo usados para propagar mentiras sobre a
vacina.
Imaginava-se que essa página estava virada,
mas percebe-se que negacionistas continuam a boicotar a vacinação infantil.
Ministério Público e demais órgãos de controle precisam agir para impedir esse
absurdo, antes que prejudique a campanha. Crianças estão morrendo de Covid-19.
A hospitalização tem crescido com o avanço da Ômicron — o número de crianças
internadas em UTIs aumentou 94% nas últimas semanas. Criar obstáculos para que
elas sejam protegidas com a vacina é um crime que precisa ser coibido.
País precisa encarar desafio de reduzir a
alta letalidade policial
O Globo
Combater o abuso policial deve estar, de
uma vez por todas, entre as prioridades do país. Para além de discursos, é
preciso adotar medidas com metas ambiciosas e avaliações periódicas. O estudo
Monitor do Uso da Força Letal na América Latina e no Caribe 2022, publicado
pela Open Society Foundation na terça-feira, reforça o fato de que a polícia no
Brasil mata de forma desproporcional. A conclusão não é fruto da comparação com
os escandinavos. Por aqui, 11% do total de homicídios em 2019 foram provocados
por policiais. Em El Salvador, o percentual foi de 8%, na Colômbia, 2%, no
México, 1%. Entre os países pesquisados, somente a caótica Venezuela teve
resultado pior.
Frequentemente, porta-vozes da polícia e
parte dos políticos nas esferas estaduais e federal argumentam que as forças de
segurança só matam porque são recebidas com violência quando abordam suspeitos
de crimes. Corretamente, as leis determinam que os policiais podem responder
com força letal quando entenderem que suas vidas ou a de terceiros correm
iminente perigo. É verdade que situações assim acontecem. Mas dados indicam que
a justificativa é bem menos comum do que esses porta-vozes e políticos
apregoam.
A quantidade de civis mortos pela polícia
em relação a mortes de policiais em serviço é um indicador que os especialistas
em segurança pública usam para medir o que chamam de proporcionalidade. Como,
em geral, agentes de segurança andam em grupo, usam bons equipamentos e coletes
à prova de balas, é normal que, nos embates, morram menos. Mas há um limite e,
desgraçadamente, o Brasil está bem acima dele.
Para cada agente brasileiro assassinado em
serviço, morrem 114 civis. Um número acima de 10 é considerado excessivo.
Colômbia e México, mesmo levando em conta prováveis problemas com os dados
oficiais, têm indicadores bem menores. É inaceitável o que acontece aqui.
Se bem empregada, a tecnologia pode ser uma
das ferramentas para punir policiais que matam em situações que exigem
moderação, não dedo no gatilho. O uso de câmeras nos uniformes de parte dos
agentes é uma realidade no Rio, em São Paulo, Santa Catarina e Rondônia. A
experiência até agora mostra resultados encorajadores, mas é ingenuidade achar
que a simples adoção do aparelho resolve tudo milagrosamente.
Algumas obviedades que, por via das dúvidas,
é sempre bom repetir: a câmera precisa estar sempre ligada; tentativas de
burlar a captação de imagens devem ser bloqueadas; pressões corporativas para
que registros comprometedores sejam “esquecidos” devem ser combatidas; e as
punições devem ser exemplares. Dessa forma, maus policiais tenderão a mudar o
comportamento, e bons agentes poderão comprovar que só respondem de forma letal
quando são atacados violentamente. É preciso dar um basta em tantas mortes
desnecessárias.
A meta OCDE
Folha de S. Paulo
Entrar no clube não garante progresso;
importa seguir princípios de governança
Em 2017, o Brasil fez o pedido formal de
adesão à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
instituição da qual o país já é parceiro de alguma relevância desde 2007. Nesta
semana, quase cinco anos depois, a
candidatura foi aceita.
Trata-se apenas do começo de um processo
que pode levar meia década. O mais recente integrante da entidade, a Costa
Rica, membro desde 2021, esperou por seis anos.
A OCDE é um misto de clube, centro de
estudos de políticas públicas, de divulgação de estatísticas padronizadas, de
organização de tratados e de disseminação de padrões de governança.
Criada em 1961, foi uma espécie de
sucessora da instituição que administrou o programa americano para a
reconstrução da Europa no pós-guerra, o Plano Marshall. A princípio, seria uma
contraparte econômica e de menor relevância da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan), aliança militar ocidental contra o bloco soviético, na
Guerra Fria.
A adesão à OCDE exige compromissos, alguns
de ordem legal. A organização recomenda princípios de governança adotados por
democracias liberais de economias mais desenvolvidas ou que fazem parte do
programa de organismos como o Banco Mundial.
Integrar-se ao grupo é, em resumo, um
processo de sinalização de virtude segundo o critério de "melhores
práticas internacionais" de bom governo. Em termos bolsonaristas,
ironicamente, trata-se de rendição ao tal "globalismo".
Os princípios da organização dão ênfase a
reformas de mercado, ao respeito à democracia, à promoção do desenvolvimento
social e ambiental sustentável, à melhoria da educação e das condições de
trabalho, ao combate à corrupção e à cooperação em liberdade de movimentos de
capitais, proteção de investimentos e tributação.
No entanto o mero comprometimento legal ou
político pode não bastar. No caso brasileiro, a ampla legislação ambiental é
encoberta pela evidência de destruição
crescente da Amazônia e do cerrado, além do desmonte institucional.
Além do mais, preferências políticas ou
exigências paralelas de membros poderosos podem congelar uma candidatura.
Na prática, a adesão à OCDE não implica
progresso garantido. Note-se que México e Colômbia são integrantes do clube de
38 países, além de Chile e Costa Rica, entre os latino-americanos.
Se o Brasil conseguisse de fato reformar
sua economia, fosse responsável no ambiente e dedicado à melhoria da educação,
provavelmente já contaria com sua carteirinha do clube. Muito mais importante,
teria criado condições de crescer e se tornar mais civilizado.
SP menos mortal
Folha de S. Paulo
Com tendência incerta em outros crimes,
estado prossegue em queda de homicídios
Estatísticas
divulgadas pela Secretaria da Segurança Pública paulista indicam que o
estado teve em 2021 o menor número de vítimas de homicídio doloso (quando há
intenção de matar) dos últimos 20 anos.
Foram 2.847 vítimas no ano passado ante
3.038 em 2020, queda de 6,3%. Em 2001, no início da série estatística, o estado
contabilizou 13.133 homicídios. Na relação do número de assassinatos por 100
mil habitantes, a taxa despencou de 33,3, em 2001, para 6,04 em 2021.
Uma série de políticas implementadas nas
últimas décadas geraram resultados positivos e deixaram São Paulo com uma taxa
equivalente a um terço da nacional.
Paralelamente, registrou-se também queda de
30% na letalidade policial —de 814 vítimas em 2020 para 570 em 2021. A redução
parece refletir uma mudança de orientação do governador João Doria (PSDB) —que
surfara na onda bolsonarista, adotando em sua campanha e no início do mandato
uma retórica agressiva na área de segurança.
O discurso tolerante com os enfrentamentos
foi se atenuando com as mudanças do cenário político, que colocaram o
governador em oposição ao presidente da República. Doria passou então a
anunciar medidas para conter o número de mortos por policiais.
A mais significativa delas foi a
implantação de câmeras corporais na Polícia Militar, providência que gera
resultados promissores.
Em sentido contrário, houve no ano passado
aumento em outras modalidades de crime, como o estupro —ocorrência, diga-se,
tradicionalmente subnotificada.
Essa alta não se observou apenas em São
Paulo, o que pode, em tese, sinalizar uma relação com as restrições de
circulação impostas pela pandemia, com maior presença de pessoas dentro de
residências.
Também os crimes patrimoniais, como furtos
e roubos, subiram no território paulista em comparação a 2020. A maior
expansão, de 21%, se deu no furto de veículos.
Chama a atenção que, embora se verifiquem
oscilações nas estatística de 2021 em relação a 2020, a tendência geral é de
queda na comparação com 2019, ano anterior ao início da pandemia.
Especialistas consideram que será preciso
estudar com mais profundidade as causas do declínio recente dos homicídios e
acreditam que, no tocante aos demais crimes, os dados precisarão ser testados
nos próximos anos para que se confirme eventual mudança de patamar da
criminalidade.
Bolsonaro hipoteca o futuro
O Estado de S. Paulo.
Cortes na educação em 2022 afetam especialmente a educação básica. Bolsonaro despreza até o que seria, segundo o discurso, uma prioridade do governo
O governo Bolsonaro é ruim em muitas áreas,
mas é especialmente sofrível na educação. Ao longo desses três anos, o
presidente deu mostras seguidas de que desconhece a importância da educação
para o presente e o futuro do País, como também não faz ideia do papel que a
União deve ter na coordenação e no diálogo com Estados e municípios a respeito
das políticas educacionais. Trata-se de um escândalo completo, mas é também a
natural decorrência da própria natureza do bolsonarismo. Um grupo que só se
dedica a destruir é necessariamente incompetente para lidar com uma área cuja
essência é construir.
O governo Bolsonaro destrói até o próprio
discurso. Sem nunca ter apresentado nenhuma proposta para a educação, o
bolsonarismo optou pelo caminho das ideias simplistas – e equivocadas. Por
exemplo, mais de uma vez, o Ministério da Educação de Bolsonaro criticou a
ampliação do acesso ao ensino universitário, como se fosse um capricho caro,
desnecessário e incapaz de contribuir para a produtividade do País. A
prioridade bolsonarista seria a educação básica, que inclui as três etapas
iniciais: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
É uma obviedade, diga-se de passagem,
priorizar o ensino básico. Ninguém discorda dessa ideia, nem mesmo quem defende
ampliar o acesso à universidade. Afinal, a educação básica de qualidade é
condição para qualquer avanço na formação das novas gerações.
No entanto, nem mesmo aquilo que seria, em
tese, uma prioridade do governo Bolsonaro é levado a sério. Os vetos de Jair
Bolsonaro relativos ao orçamento do Ministério da Educação de 2022 atingiram
especialmente a educação básica. De um total de R$ 739,9 milhões de cortes na
área educacional, R$ 402 milhões referem-se à educação básica, segundo o Todos
Pela Educação.
A entidade emitiu um parecer mostrando
preocupação com a decisão do governo. “A retomada das aulas presenciais, com
todas as implicações decorrentes da pandemia, não suporta o corte no montante
previsto e aprovado pelo Congresso na forma de emendas de comissão e de
previsão de despesas discricionárias. Foram atingidas pelos vetos ações de
responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
relacionadas ao desenvolvimento da Educação Básica (R$ 325 milhões),
infraestrutura (R$ 55 milhões) e transporte escolar (R$ 22 milhões). Essas
ações são utilizadas para apoiar Estados e municípios na educação básica,
especialmente em programas estratégicos, como o fomento às escolas de ensino
médio em tempo integral”, disse a nota.
Além disso, essas programações de
investimento já vinham sendo objeto de baixa execução por parte do Ministério
da Educação. Por exemplo, até o segundo quadrimestre de 2021, houve queda de
63% na dotação discricionária de infraestrutura da educação básica. O Todos
Pela Educação alerta que a falta de prioridade do governo em relação à educação
básica coloca Estados e municípios “à mercê das indicações de emendas impositivas
e de relator”.
Esta é a realidade do governo Bolsonaro:
incompetência, omissão e confusão. Nunca é demais lembrar que Jair Bolsonaro
chegou ao acinte de nomear para a chefia do Ministério da Educação o sr.
Abraham Weintraub, aquele que, no cargo, bateu recordes de ineficiência e
agressividade e ainda saiu às pressas do País, após ser incluído como
investigado no inquérito referente a ameaças contra o Supremo Tribunal Federal.
Como se isso não bastasse, o sr. Milton Ribeiro, sucessor de Weintraub, é
também especialmente hábil em manifestar sua absoluta falta de afinidade com a
administração de políticas públicas educacionais.
Enquanto corta verbas do ensino básico,
Bolsonaro se esforça para manter e até mesmo ampliar os recursos requeridos por
parlamentares para se promoverem e disputarem eleições. Ou seja, Bolsonaro
hipoteca o futuro das crianças – que não votam – para pagar a conta de sua
sobrevivência política. Assim, a passagem de Bolsonaro pelo poder deixará
sequelas terríveis nas próximas gerações.
O dilema das usinas na Amazônia
O Estado de S. Paulo.
Estudos sobre novas hidrelétricas no Norte
precisam estimar todos os custos com realismo para permitir à sociedade fazer
escolha consciente
A retomada de estudos sobre a construção de
hidrelétricas na Região Amazônica é uma boa notícia para o País, desde que os
custos desses empreendimentos sejam devidamente catalogados e alocados nos
projetos, e não apenas nas tarifas pagas pelo consumidor. Como o Estadão
revelou, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a Eletrobras
e sua subsidiária Eletronorte a elaborarem relatórios sobre a viabilidade
técnica e econômica das Usinas de Jamanxim, Cachoeira do Caí e Cachoeira dos
Patos, na Bacia do Rio Tapajós, no Pará. Juntas, elas teriam capacidade de
produzir energia suficiente para abastecer mais de 3 milhões de famílias.
A despeito das necessidades de expansão do
sistema elétrico e do aumento de sua confiabilidade, evidenciadas ao longo de
2021, quando o País esteve à beira de apagões, a ideia só terá alguma chance de
sucesso se todos os riscos do projeto forem devidamente considerados. Os
desafios vão muito além de questões socioambientais. Embora seja plenamente
possível construir usinas de grande porte na Região Norte, não se trata de
tarefa fácil ou barata, e os problemas permanecem mesmo depois de anos de sua
conclusão. É o caso das Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira,
e de Belo Monte, na Bacia do Xingu.
Licitadas com alarde pelo critério da menor
tarifa durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, essas três usinas são
alvo recorrente de propostas de parlamentares que tentam socorrê-las por meio
de jabutis embutidos em medidas provisórias. Os consórcios formados para
disputa desses empreendimentos contaram com a participação de subsidiárias da
Eletrobras, uma garantia de que não haveria obstáculos para renegociar as
“patrióticas” taxas de retorno previamente estabelecidas. Em um enorme conflito
de interesses, grandes construtoras se associaram aos projetos e contratavam a
si mesmas para tocar as obras. Elevar os gastos era de interesse da
empreiteira, enquanto a cobertura dos custos era dividida entre todos os
integrantes da concessionária – que, depois, repassavam tudo para as contas de
luz.
Outra despesa que foi menosprezada à época
foram as redes de transmissão. As três usinas exigiram a viabilização de linhas
de mais de 2 mil quilômetros de extensão para transportar eletricidade até a
Região Sudeste, onde fica o maior mercado consumidor. Para reduzir o valor do
investimento necessário, o governo propositalmente subestimou os custos dessa
estrutura para os geradores, e quem pagou a conta, como sempre, foi o
consumidor. Por fim, quem financiou 70% das obras foi o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas subsidiadas bancadas pelo
Tesouro Nacional. Nem mesmo todos esses artifícios foram suficientes para
resolver as dificuldades econômico-financeiras dessas usinas.
O potencial hidráulico inexplorado no País
se concentra justamente na Região Norte. Nos últimos nove anos, porém, nenhuma
usina de grande porte foi licitada, enquanto projetos cujos reservatórios
afetariam diretamente terras indígenas tiveram o licenciamento ambiental
arquivado. Dar andamento a esses estudos em um momento em que a política
ambiental e indigenista do País é questionada no exterior pode ser um entrave.
Por outro lado, um parecer que contemple compensações às comunidades afetadas
pode ser encarado como uma sinalização de que o País levará a sério os
compromissos de descarbonização. Por fim, não se pode ignorar o efeito das
mudanças climáticas na região, que pode trazer impactos profundos no regime de
chuvas e nos rios – e, consequentemente, na vazão das hidrelétricas, aumentando
os gastos necessários e reduzindo o retorno do investimento. Todos esses
fatores precisam ser estimados com precisão para que a sociedade possa fazer
uma escolha consciente entre as diversas fontes de energia. Construir usinas na
Região Amazônica é possível e pode ser de interesse da coletividade, mas
levantar esses custos de forma artificial é seguir o caminho do fracasso que o
País já conhece bem.
PEC de combustíveis traria um grande
desperdício de recursos
Valor Econômico
Cada passo que Bolsonaro dá piora suas
condições eleitorais
O governo de Jair Bolsonaro ampliou suas
ações para destruir a ordem fiscal do país, com a profusão de projetos
eleitoreiros que nada resolvem e ainda desfiguram a Constituição. A Proposta de
Emenda Constitucional para retirar os impostos federais sobre combustíveis, e
autorizar os Estados a fazerem o mesmo com o ICMS, parece, se for em frente, um
exemplo acabado de proposta inócua para os fins a que se pretende, mas cujos
malefícios para as contas públicas e saúde da economia são enormes. A
disparidade entre possíveis benefícios e danos tende a fazer o governo mudar de
ideia.
Bolsonaro está tornando a Constituição uma
lata de lixo, usando-a para contornar e invalidar leis ordinárias que impedem o
governo de agir irresponsavelmente, ou, então, anular cláusulas que tornam
obrigatório o pagamento de dívidas pelo Estado, como no caso dos precatórios,
em que a possibilidade de calote foi inscrita na Carta Magna, afrontando
decisões da Justiça transitadas em julgado. A PEC dos combustíveis burla o
artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que a renúncia
fiscal seja compensada por aumento de outras receitas. A PEC desobriga a
compensação.
Como o presidente, com a ajuda de seus
aliados do Centrão, só pensa em reeleger-se, o projeto poderia também incluir a
retirada de PIS/Cofins das contas de energia elétrica. O custo disso seria
enorme, bem superior aos R$ 50 bilhões que foram destinados ao Orçamento com a
PEC do calote dos precatórios. Os impostos federais somam 10% do preço da
gasolina e 6% do diesel (já isento da Cide). Sua arrecadação equivale a 0,8% do
Produto Interno Bruto, ou seja, a renúncia apenas para combustíveis seria de
algo em torno de R$ 63 bilhões. Estimativas para a isenção na energia elétrica
acrescentariam mais R$ 50 bilhões. Somados, tornar-se-iam a maior renúncia de
todas - foram R$ 315 bilhões que deixaram de ser arrecadados pela União em
2021.
Sem compensação de receitas, a PEC pioraria
o déficit primário, previsto em R$ 170 bilhões em 2022, e aumentaria a dívida
pública, porque os débitos serão pagos por títulos do Tesouro lançados a
mercado, cujas taxas de juros estão em alta com a elevação da Selic e cujo
custo implícito foi de 11,8% em novembro. Se a PEC for enviada, aprovada e
aplicada por um ano, o custo da aventura subiria mais R$ 12 bilhões.
Sempre em guerra com os governadores,
Bolsonaro julgou-se esperto ao arquitetar uma arapuca eleitoral para eles,
podendo inserir na PEC uma permissão para que os Estados reduzam o ICMS. Não
contou com a astúcia dos governadores, que decidiram manter o imposto sobre
combustíveis sem aumentos por mais 60 dias. De qualquer forma, a renúncia
custaria muito para os Estados, se fosse total, como a da União. Seriam R$ 170
bilhões, cerca de 23% de sua arrecadação total. Como não podem emitir dívida,
perderiam muito em um ano eleitoral em que seus cargos estarão também em jogo.
Não bastassem os custos pesados dessa
benesse com o dinheiro de todos, a medida seria de baixa ou nenhuma eficácia. A
alta dos combustíveis se deve à evolução dos preços do petróleo, cujas cotações
se elevarão em 2022, mas não tanto quanto em 2021, e do câmbio. O dólar subiu
junto com as commodities, quando historicamente cairia, e não o fez pelas estripulias
do governo Bolsonaro.
Dessa forma, a redução dos impostos
federais poderia trazer uma economia muito provisória de R$ 0,61 por litro de
gasolina e R$ 0,13 no diesel, ou 10% e 6% respectivamente. Analistas privados
dizem que a defasagem de preços da Petrobras já é hoje de 6%. O petróleo ainda
tem espaço de 7% a 15% para avançar, se as projeções do barril a US$ 90 e US$
100 estiverem corretas. Ou seja, mesmo que o dólar fique parado, uma hipótese
heroica com esse governo, os preços continuarão subindo.
Não há solução a curto prazo para o
problema. A proposta no Senado de criação de um Fundo de Estabilização tem
méritos, mas a baixa continuidade de políticas nas administrações federais
possivelmente fariam com que o fundo fosse abandonado tão logo os preços se
estabilizassem e o dinheiro seria usado para outros gastos. Sua capitalização,
por outro lado, leva tempo.
Cada passo que Bolsonaro tenta dar piora
suas condições eleitorais. Ele só pioraria seus problemas aumentando rombo
fiscal, dificultando a queda da inflação e piorando ainda mais sua avaliação
junto aos eleitores. Tudo leva a crer que ele não daria esse passo.
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