Valor Econômico
Campanha presidencial se faz com
antecedência
A quase oito meses das eleições, pesquisas
de opinião podem ser um preditor impreciso sobre o que vai acontecer nas urnas
em outubro. Sobretudo em disputas para as quais o eleitor ainda não está muito
atento, tem pouca informação e que são mais passíveis de uma reviravolta. É o
caso das corridas municipais e estaduais. E menos da presidencial.
À essa altura, há quatro anos, o então
candidato do PSL Jair Bolsonaro, embora fosse considerado um azarão, já
aparecia consolidado em segundo lugar, e variava entre 15% a 20% das intenções
de voto, em quaisquer dos nove cenários testados pelo Datafolha entre os dias
29 e 30 de janeiro de 2018.
Se havia uma surpresa - embora nem todos
quisessem acreditar ou levar a sério - ela já se cristalizava. Não pelo estalar
de dedos, mas pelo trabalho de pré-campanha que vinha desde 2015, com uso
intenso das redes sociais, participação em programas populares de rádio e
televisão e corpo a corpo em aeroportos e cidades país afora.
Na mesma pesquisa, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liderava nos cinco cenários em que era apresentado como candidato, oscilando de 34% a 37%. Sem o petista, que acabara de ser condenado a prisão, em segunda instância, cinco dias antes, em 24 de janeiro, Bolsonaro assumia a liderança nas quatro demais simulações.
Nesses cenários, o candidato do PT era o
ex-governador Jaques Wagner, com 2%. Então preferido de Lula para substituí-lo
na chapa, Wagner recusaria o convite, aceito depois pelo ex-prefeito Fernando
Haddad, quando o TSE rejeitou o pedido de candidatura do ex-presidente, em
setembro.
Apesar dos 2% iniciais, mesmo patamar de
largada de Haddad, uma novidade vinda do PT era provável. Sem Lula no páreo,
Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) cresciam até 16% e 12%, respectivamente,
mas o maior aumento era no percentual de votos em branco e nulo, que chegava a
sair de 12% para 32%. Ou seja, existia ampla avenida para a transferência de
votos de Lula para o seu apadrinhado - o que se verificou com o rápido
crescimento de Haddad na reta final e sua ida ao segundo turno.
O duelo seria entre um nome do PT, fosse
qual fosse, e Bolsonaro, sobretudo depois do atentado do qual escapou. A
candidatura que era demonizada pelos adversários - pela defesa da tortura e
pelo histórico de misoginia, homofobia entre outras agressões - ganhou,
subitamente, uma aura de fragilidade, predestinação e intervenção divina na
visão de parte do eleitorado.
Mesmo sem a facada - o fator de campanha
mais importante ocorrido numa eleição presidencial brasileira - é de se
duvidar, contudo, se Ciro ou Geraldo Alckmin (então no PSDB), terceiro e quarto
lugares, teriam força para superar a onda bolsonarista ou a tradição petista em
disputas ao Planalto.
Campanha presidencial, num país continental
como o Brasil, se faz com antecedência. Um ano foi o ‘timing’ escolhido, por
exemplo, pelo ex-juiz Sergio Moro, que desde novembro, ao se filiar ao Podemos,
tem batido bumbo, sem muito sucesso. Há bem mais tempo na pista, Ciro ruma para
a quarta candidatura presidencial e, mesmo com muita exposição e estratégia
agressiva contra Lula e Bolsonaro, não decola.
No último retrato da disputa, divulgado
ontem pelo Ipespe, ambos tiveram 8%. Se para eles está difícil, a situação é
ainda menos auspiciosa para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que
registrou 2% e 4%, no cenário sem Moro, e para a senadora Simone Tebet (MDB). A
nova esperança para quebrar a polarização obteve 1% em ambas simulações.
A corrida presidencial se mostra estável, o
que é notícia ruim para a terceira via, que corre contra o tempo. Lula aparece
na liderança, com firmes 44%, bem à frente de Bolsonaro, que oscilou entre 24%
e 26% nos cenários com e sem Moro, respectivamente.
Sem o ex-juiz da Lava-Jato, Lula tem mais
pontos que a soma de todos os adversários (43%) e poderia vencer no primeiro
turno. Não ganhar na primeira etapa, contudo, não é sinal de que o PT estará
ameaçado ou entrará em desespero, como alguns analistas têm sustentado.
Diferentemente do que apontam, o segundo
turno não é outro jogo começado do zero, especialmente quando o primeiro turno
foi vencido por larga vantagem. Em regra, um candidato que pôs 15, 20 pontos
percentuais à frente do adversário tem probabilidade muito maior de confirmar a
vitória na segunda etapa. É o caso dos 46% de Bolsonaro contra os 29% de
Haddad, em 2018.
Nos últimos meses, Lula mantém cerca de 20
pontos percentuais de dianteira, apesar dos ataques de Ciro, do surgimento de
Moro e do peso da máquina federal controlada por Bolsonaro e aliados do
Centrão.
Forjado para melhorar a popularidade do
presidente, o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, com o benefício
mínimo de R$ 400, não surtiu o efeito esperado.
Se não amplia a base de 25% de apoiadores
ferrenhos, Bolsonaro, por outro lado, parece tê-la cultivado a ponto de contar
com um piso de votos que lhe dá muita competitividade no primeiro turno. Que o
diga o percentual que o presidente obtém na pesquisa espontânea, quando os
entrevistados respondem sem a ajuda de uma lista de nomes: nada menos que 23% o
apontam como o preferido - enquanto 35% declaram diretamente o voto em Lula.
Se uma disputa aberta como a de 2018 - sem
a presença de um presidente em busca de reeleição ou um ex que deixou o governo
com alta aprovação - já se definia com oito meses de antecedência, o mais
provável é que a de 2022 siga caminho ainda mais previsível.
Rio de Janeiro
A vida da terceira via não é fácil. No Rio, após muito mistério, o prefeito Eduardo Paes (PSD) começa a mostrar as cartas. Para sair do isolamento, articula aliança com o PDT de Ciro, já que Lula reafirmou apoio à candidatura a governador de Marcelo Freixo (PSB), de quem Paes quer distância. Na quarta-feira, dia 2, o prefeito se reunirá com seu aliado, o advogado Felipe Santa Cruz, e o ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), ambos pré-candidatos ao Palácio Guanabara. No domingo, 6, leva Ciro a reunião com seu secretariado. “O Eduardo é o principal artífice da política do Rio”, afirma Neves, que priorizava Lula como cabo eleitoral.
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