sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Antonio Corrêa de Lacerda*: Teto de gastos ou de investimentos?

O Estado de S. Paulo

A retomada dos investimentos é fundamental para fomentar o desenvolvimento

A Emenda Constitucional (EC) 95, aprovada no Congresso Nacional no fim de 2016, fixou uma regra impondo limite de gastos públicos para os próximos 20 anos. A medida, embora atenda ao “senso comum”, parte de uma premissa equivocada de que o Orçamento público, como analogia, deveria se equiparar ao orçamento doméstico: “|Só pode gastar o que arrecada”. No entanto, essa assertiva não vale para a macroeconomia, já que o Estado tem funções, assim como prerrogativas, que lhe são próprias.

O problema é que, no Brasil, diante da dificuldade em restringir os gastos correntes, como despesas decorrentes de emendas parlamentares, o Executivo acaba instado a reduzir os investimentos. Não por acaso o nível de investimento público, que já era baixo historicamente, caiu da média de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) no período 20132016 para pouco mais de a metade, 2,2%, em 2017-2021.

A queda da participação do investimento público coincide com uma das nossas maiores crises, cuja superação recomendaria justamente o inverso, ou seja, uma atuação anticíclica do Estado para gerar o “efeito multiplicador” do investimento público e provocar o “efeito demonstração” para o setor privado. Aí já temos a grande contradição da questão: a limitação do gasto público engessa o papel do Estado quando ele pode ser mais do que necessário.

O total de investimento da economia, a Formação Bruta de Capital Fixo, que inclui todos os aportes públicos e privados, nacionais e estrangeiros em infraestrutura, construção civil e máquinas e equipamentos, na média dos últimos anos equivale a apenas pouco mais de 16% do PIB, menos da metade da média de 33% dos países em desenvolvimento. A retomada dos investimentos é uma condição fundamental para fomentar o desenvolvimento.

O rompimento do teto de gastos que ora observamos é totalmente oportunista e eleitoreiro e pouco tem a ver com a crítica acima. O governo federal e seus aliados no Congresso Nacional estão “passando a boiada”, com a aprovação da chamada “PEC dos Precatórios” e as emendas parlamentares.

No entanto, independentemente do descalabro em curso, insustentável, é preciso repensar regras fiscais intertemporais, tendo em vista a preservação dos investimentos públicos como instrumento de política econômica. Obviamente respeitando-se a responsabilidade e os princípios republicanos.

*Antonio Corrêa de Lacerda Presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor-doutor do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP. É autor de ‘O Mito da Austeridade’ (Contracorrente).

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