sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Descoberta da Literatura:

No dia a dia do engenho,

toda a semana, durante,

cochichavam-me em segredo:

saiu um novo romance.

E da feira do domingo

me traziam conspirantes

para que os lesse e explicasse

um romance de barbante.

Sentados na roda morta

de um carro de boi, sem jante,

ouviam o folheto guenzo ,

a seu leitor semelhante,

com as peripécias de espanto

preditas pelos feirantes.

Embora as coisas contadas

e todo o mirabolante,

em nada ou pouco variassem

nos crimes, no amor, nos lances,

e soassem como sabidas

de outros folhetos migrantes,

a tensão era tão densa,

subia tão alarmante,

que o leitor que lia aquilo

como puro alto-falante,

e, sem querer, imantara

todos ali, circunstantes,

receava que confundissem

o de perto com o distante,

o ali com o espaço mágico,

seu franzino com o gigante,

e que o acabassem tomando

pelo autor imaginante…

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