sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Marcello Averbug*: Repartir para crescer

O Globo

Observando a série de declarações dos economistas vinculados aos candidatos à Presidência, percebe-se, além da escassez de criatividade, a incidência de um erro elementar quando mencionam o problema da desigualdade social.

Todos eles afirmam que a economia precisa primeiro crescer para depois serem implementadas políticas atenuantes da concentração de renda. Ignoram, portanto, que o correto é exatamente o contrário. Isto é: o esmaecimento dos extremos contrastes sociais constitui poderoso promotor do desenvolvimento econômico.

Nos primórdios do ideário desenvolvimentista brasileiro, tanto durante governos democráticos quanto autoritários, era comum ouvir afirmações do gênero “antes o bolo tem que crescer para depois ser distribuído”. Mas hoje, após a frequência de insuficientes e flutuantes momentos de crescimento do PIB, tornou-se evidente que se esperarmos o alcance de elevadas e estáveis taxas de expansão econômica, a melhoria da equidade social jamais acontecerá. Na verdade, essa espera é equivocada e danosa à nação.

Enquanto políticas públicas de caráter redistributivo não forem executadas, a economia continuará na mesma pasmaceira. Isto porque tais políticas expandem o poder de compra de substancial parcela da população, num montante suficiente para impulsionar investimentos e criar empregos.

Quando o Brasil era um país essencialmente rural, a expansão da economia resultava das exportações agrícolas, tipo cana e café. Depois, os períodos mais longos de maior crescimento do PIB foram gerados pela substituição de importações de produtos industrializados, processo já esgotado. Agora, a conquista de prosperidade perene depende do intenso alargamento do consumo interno de bens e serviços.

Além do uso de instrumentos tributários, salariais e previdenciários, um processo democrático e ordenado de amenização das disparidades de renda enfatiza investimentos em setores produtores de bens e serviços que pesam proporcionalmente mais no orçamento das famílias de menor renda, ou que a elas são inacessíveis, apesar de essenciais.

Sim, existem as dificuldades fiscais, monetárias, administrativas, etc. que limitam o ímpeto da busca de maior equidade. Mas o enfrentamento dessas dificuldades não é incompatível com a amenização das disparidades de renda.

Precisamos reconhecer que o grande obstáculo à melhoria da equidade encontra-se no âmago da sociedade brasileira, explicitado pela indiferença ao tema por parte da classe política. É por isso que perdura meu pessimismo em relação ao que um próximo governo realizará.

Pouco podemos almejar de candidatos cujos assessores acreditam que a implementação de políticas atenuantes da concentração de renda devem ser precedidas pelo crescimento da economia. Ou que a ênfase deva ser atribuída a transferências assistenciais similares ao Bolsa Família.


*Consultor, é economista aposentado do BNDES

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