O Globo
Em desalinho com a mobilização intensa por
protagonismo político, sobretudo na última meia década, as mulheres brasileiras
estão praticamente apartadas da corrida presidencial de 2022. A oito meses do
pleito, a senadora Simone Tebet (MDB) é a única pré-candidata anunciada. A
ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a ex-ministra e ex-senadora Marina
Silva (Rede) foram citadas como possíveis vices de Jair Bolsonaro (PL) e Ciro
Gomes (PDT), respectivamente. Cenário mantido, será a menor participação
feminina em eleições presidenciais neste século. No mesmo país que elegeu e reconduziu
Dilma Rousseff (PT) ao Palácio do Planalto em 2010 e 2014.
Em 2002, Rita Camata (PMDB) e Dayse
Oliveira (PSTU) foram vices nas chapas de José Serra (PSDB) e Zé Maria. Quatro
anos depois, a então senadora Heloísa Helena disputou a Presidência pelo PSOL e
Ana Maria Rangel pelo PRP, tendo Delma Gama como vice. Em 2010, a ex-presidente
Dilma teve Marina Silva (PV) como adversária; Cláudia Durans (PSTU) foi vice de
Zé Maria. Nas eleições 2014, Dilma, Marina (PSB) e Luciana Genro (PSOL) encabeçaram
chapas; Célia Sacramento (PV), Sofia Manzano (PCB) e Cláudia Durans lançaram-se
vice. No último pleito, Marina Silva, candidata pela terceira vez, já pela
Rede, enfrentou Vera Lúcia (PSTU) numa campanha com recorde de mulheres como
vices: as senadoras Ana Amélia (PP) e Kátia Abreu (PDT), a deputada Manuela
D’Ávila (PCdoB), a líder indígena Sonia Guajajara (PSOL) e a professora Suelene
Balduino (Patriota).
Impressiona que as mulheres estejam perdendo espaço justamente quando a escalada autoritária do presidente da República exige das instituições e da sociedade civil a defesa intransigente da democracia. O Brasil parece querer retornar para o modelo em que, de novo, no centro do palco estão os homens, brancos, heterossexuais, idoso ou de meia-idade. Mulheres, negros, indígenas, LGBTIs, jovens defenderam a diversidade, lutaram por presença em espaços de poder. Mas seguem preteridos, tanto nas chapas quanto nas propostas de governo. Poucos se lembram que, de cada cem eleitores brasileiros, 53 são do sexo feminino. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informa que, no eleitorado nacional, 77,4 milhões são mulheres e 69,1 milhões, homens.
O descaso de caciques, candidatos e
legendas contrasta com a intensidade e a profundidade do debate que as minorias
(nos espaços de poder) vêm travando sobre temas nacionais. Lideranças indígenas
protagonizaram alguns dos momentos mais relevantes da última Conferência do
Clima, em Glasgow. A Coalizão Negra por Direitos, que reúne duas centenas de um
outrora fragmentado movimento negro, é a principal novidade da política desta
década. O movimento feminista é vigoroso e propositivo — um exemplo é a Carta
das Mulheres Negras pelo Bem-Viver, construída em 2015, ainda no governo Dilma.
Para debater e aglutinar algumas ideias de
mulheres para o Brasil, a ex-ministra, ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy
promove hoje uma reunião em São Paulo. Secretária municipal de Relações
Internacionais, ela convidou 25 mulheres de diferentes áreas e posições
político-ideológicas para discutir as eleições de 2022. Do encontro, sairá uma
carta aberta à nação e aos presidenciáveis. “A intenção é produzir uma fagulha
e fazer o debate político pegar fogo. É preciso chamar atenção para esse
ambiente contrário à participação feminina, que se agravou durante o governo
Bolsonaro”, resume.
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo
Tribunal Federal (STF), que organizou em dezembro o seminário “Por estas e por
outras”, sobre questões de gênero, estará presente. Também participam a
senadora Simone Tebet, Ana Estela Haddad (professora), Gleisi Hoffmann
(presidente do PT), Érika Hilton (vereadora), Neca Setubal (Fundação Tide
Setubal), Anielle Franco (Instituto Marielle Franco), Bianca Santana e Mariliz
Pereira Jorge (jornalistas), Djamila Ribeiro (filósofa), Nina Silva (Movimento
Black Money), Tati Bernardes (escritora), Juliana Borges (escritora e
pesquisadora em política criminal e relações raciais), Anne Moura (ativista
pela Amazônia e pelos povos indígenas).
Cada uma apresentará três propostas
relacionadas à agenda de gênero nas eleições e nos programas de governo. Saúde,
educação, direitos sexuais e reprodutivos, equidade no mercado de trabalho,
participação política são temas a serem abordados. Reflexões bem-vindas. Deixo
as minhas. 1) A reconstrução da política social de superação da pobreza e da
miséria tendo, no centro, a família, não o indivíduo, o sistema de assistência
social, não a bancarização. Que as mães sejam protagonistas; 2) Investimentos
robustos em educação pública, gratuita, integral e acolhedora, da creche ao
ensino médio. Ter onde deixar os filhos é meio de autonomia feminina; 3) Um
programa de desenvolvimento ancorado na Economia do Cuidado (educação, saúde e
assistência) será capaz de gerar trabalho e renda — sobretudo, para mulheres —
no curto e médio prazos, e bem-estar, no longo. Bom para todas, todos, todes.
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