sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Flávia Oliveira: Por mulheres no centro

O Globo

Em desalinho com a mobilização intensa por protagonismo político, sobretudo na última meia década, as mulheres brasileiras estão praticamente apartadas da corrida presidencial de 2022. A oito meses do pleito, a senadora Simone Tebet (MDB) é a única pré-candidata anunciada. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (Rede) foram citadas como possíveis vices de Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT), respectivamente. Cenário mantido, será a menor participação feminina em eleições presidenciais neste século. No mesmo país que elegeu e reconduziu Dilma Rousseff (PT) ao Palácio do Planalto em 2010 e 2014.

Em 2002, Rita Camata (PMDB) e Dayse Oliveira (PSTU) foram vices nas chapas de José Serra (PSDB) e Zé Maria. Quatro anos depois, a então senadora Heloísa Helena disputou a Presidência pelo PSOL e Ana Maria Rangel pelo PRP, tendo Delma Gama como vice. Em 2010, a ex-presidente Dilma teve Marina Silva (PV) como adversária; Cláudia Durans (PSTU) foi vice de Zé Maria. Nas eleições 2014, Dilma, Marina (PSB) e Luciana Genro (PSOL) encabeçaram chapas; Célia Sacramento (PV), Sofia Manzano (PCB) e Cláudia Durans lançaram-se vice. No último pleito, Marina Silva, candidata pela terceira vez, já pela Rede, enfrentou Vera Lúcia (PSTU) numa campanha com recorde de mulheres como vices: as senadoras Ana Amélia (PP) e Kátia Abreu (PDT), a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB), a líder indígena Sonia Guajajara (PSOL) e a professora Suelene Balduino (Patriota).

Impressiona que as mulheres estejam perdendo espaço justamente quando a escalada autoritária do presidente da República exige das instituições e da sociedade civil a defesa intransigente da democracia. O Brasil parece querer retornar para o modelo em que, de novo, no centro do palco estão os homens, brancos, heterossexuais, idoso ou de meia-idade. Mulheres, negros, indígenas, LGBTIs, jovens defenderam a diversidade, lutaram por presença em espaços de poder. Mas seguem preteridos, tanto nas chapas quanto nas propostas de governo. Poucos se lembram que, de cada cem eleitores brasileiros, 53 são do sexo feminino. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informa que, no eleitorado nacional, 77,4 milhões são mulheres e 69,1 milhões, homens.

O descaso de caciques, candidatos e legendas contrasta com a intensidade e a profundidade do debate que as minorias (nos espaços de poder) vêm travando sobre temas nacionais. Lideranças indígenas protagonizaram alguns dos momentos mais relevantes da última Conferência do Clima, em Glasgow. A Coalizão Negra por Direitos, que reúne duas centenas de um outrora fragmentado movimento negro, é a principal novidade da política desta década. O movimento feminista é vigoroso e propositivo — um exemplo é a Carta das Mulheres Negras pelo Bem-Viver, construída em 2015, ainda no governo Dilma.

Para debater e aglutinar algumas ideias de mulheres para o Brasil, a ex-ministra, ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy promove hoje uma reunião em São Paulo. Secretária municipal de Relações Internacionais, ela convidou 25 mulheres de diferentes áreas e posições político-ideológicas para discutir as eleições de 2022. Do encontro, sairá uma carta aberta à nação e aos presidenciáveis. “A intenção é produzir uma fagulha e fazer o debate político pegar fogo. É preciso chamar atenção para esse ambiente contrário à participação feminina, que se agravou durante o governo Bolsonaro”, resume.

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), que organizou em dezembro o seminário “Por estas e por outras”, sobre questões de gênero, estará presente. Também participam a senadora Simone Tebet, Ana Estela Haddad (professora), Gleisi Hoffmann (presidente do PT), Érika Hilton (vereadora), Neca Setubal (Fundação Tide Setubal), Anielle Franco (Instituto Marielle Franco), Bianca Santana e Mariliz Pereira Jorge (jornalistas), Djamila Ribeiro (filósofa), Nina Silva (Movimento Black Money), Tati Bernardes (escritora), Juliana Borges (escritora e pesquisadora em política criminal e relações raciais), Anne Moura (ativista pela Amazônia e pelos povos indígenas).

Cada uma apresentará três propostas relacionadas à agenda de gênero nas eleições e nos programas de governo. Saúde, educação, direitos sexuais e reprodutivos, equidade no mercado de trabalho, participação política são temas a serem abordados. Reflexões bem-vindas. Deixo as minhas. 1) A reconstrução da política social de superação da pobreza e da miséria tendo, no centro, a família, não o indivíduo, o sistema de assistência social, não a bancarização. Que as mães sejam protagonistas; 2) Investimentos robustos em educação pública, gratuita, integral e acolhedora, da creche ao ensino médio. Ter onde deixar os filhos é meio de autonomia feminina; 3) Um programa de desenvolvimento ancorado na Economia do Cuidado (educação, saúde e assistência) será capaz de gerar trabalho e renda — sobretudo, para mulheres — no curto e médio prazos, e bem-estar, no longo. Bom para todas, todos, todes.

 

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