sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Vera Magalhães: Dá para recuperar o Orçamento?

O Globo

A segurança com que Ciro Nogueira atira em Lula, cuspindo no prato em que comeu, e vende uma certeza que não tem na reeleição de Jair Bolsonaro vem de um fator que será chave na eleição deste ano e que qualquer presidente eleito em outubro terá imensa dificuldade em reverter: o Orçamento da União foi privatizado, está nas mãos do Centrão, e é por isso que seus caciques não estão nem aí para quem vai vencer a eleição.

O avanço muito rápido dessa apropriação dos recursos e das políticas públicas pelos aliados do governo no Congresso é o que faz com que partidos como PL e PP permaneçam no barco de Bolsonaro haja o que houver, diga ele o que disser em relação a qualquer tema, de vacinação infantil ao cumprimento de decisões judiciais.

A ideia é secar as tetas da União até as eleições, pois é esse dinheiro, via Auxílio Brasil, emendas do relator, fundo partidário e outros mecanismos orçamentários aprovados pelo Parlamento e mantidas por um presidente que faz bravata de machão, mas é refém e inseguro, que vai assegurar não só a reeleição dos mesmos caciques de hoje, mas o aumento de seu exército.

Mecanismos adicionais, como a janela partidária, ajudam a criar um ambiente de atração fisiológica de outros congressistas para as hostes governistas. Leia-se: o que interessa é disputar a eleição em alguma das siglas com acesso indiscriminado ao dinheiro que deveria ser público, mas foi apropriado. Depois, a depender de quem vença, se faz um novo movimento, uma vez que as janelas se abrem às vésperas de cada pleito, para propiciar os arranjos de ocasião.

Como o futuro presidente vai conseguir desarmar essa bomba de tamanha complexidade, que foi sendo assegurada por Propostas de Emenda à Constituição, dribles a decisões do Supremo Tribunal Federal e ameaças veladas de impeachment caso o Executivo ousasse se meter?

O ex-presidente Lula já manifestou a aliados preocupação com a forma como a governabilidade está sendo garantida hoje. Não que os métodos anteriores fossem altamente republicanos. Escândalos como o dos Anões do Orçamento, ainda no governo Itamar Franco, a compra de votos pela reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, e o mensalão no primeiro governo Lula mostram que o presidencialismo brasileiro não conseguiu desenvolver um fluxo entre aprovação de propostas e a legítima demanda de parlamentares por participarem na definição da alocação de recursos que não vire caso de polícia.

Acontece que, agora, não é necessário nem mais que deputados e senadores façam romaria a ministérios e negociem seus votos por emendas. Estão na mão do Congresso a faca e o queijo por meio das emendas RP9, e ai do presidente que mexa nesse vespeiro, pois a espada do impedimento será colocada imediatamente sobre sua cabeça pelo presidente da Câmara de turno.

Aliados de Lula contam com uma eleição com ampla margem de votos para que ele tenha “legitimidade” para propor aos partidos uma nova pactuação da governabilidade.

Soa bonito na teoria, mas quando se sabe que Arthur Lira já está praticamente reeleito presidente da Câmara, vença quem vencer, automaticamente se conclui que estamos diante uma vez mais da palavra que já vai dando engulhos de tanto que tem moldado o debate eleitoral nesse 2022 polarizado: a tal da narrativa.

Os lulistas sabem disso, e afirmam que o próprio ex-presidente, em todas as conversas, afirma que, caso seja eleito, terá seu mandato mais difícil, pois quando presidiu o Brasil duas vezes não existia bolsonarismo como força política, e ele não vai morrer nem em caso de derrota de Bolsonaro. Uma coisa é ter tucanos de punhos de renda na oposição, outra é um grupo ligado a um político que nunca se importou em tensionar a democracia, mudar as regras do jogo com fins políticos, tentar aniquilar opositores e conspurcar as instituições nem quando jurou fazer o oposto e respeitar a Constituição.

 

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