O Globo
A segurança com que Ciro Nogueira atira em
Lula, cuspindo no prato em que comeu, e vende uma certeza que não tem na
reeleição de Jair Bolsonaro vem de um fator que será chave na eleição deste ano
e que qualquer presidente eleito em outubro terá imensa dificuldade em
reverter: o Orçamento da União foi privatizado, está nas mãos do Centrão, e é
por isso que seus caciques não estão nem aí para quem vai vencer a eleição.
O avanço muito rápido dessa apropriação dos
recursos e das políticas públicas pelos aliados do governo no Congresso é o que
faz com que partidos como PL e PP permaneçam no barco de Bolsonaro haja o que
houver, diga ele o que disser em relação a qualquer tema, de vacinação infantil
ao cumprimento de decisões judiciais.
A ideia é secar as tetas da União até as eleições, pois é esse dinheiro, via Auxílio Brasil, emendas do relator, fundo partidário e outros mecanismos orçamentários aprovados pelo Parlamento e mantidas por um presidente que faz bravata de machão, mas é refém e inseguro, que vai assegurar não só a reeleição dos mesmos caciques de hoje, mas o aumento de seu exército.
Mecanismos adicionais, como a janela
partidária, ajudam a criar um ambiente de atração fisiológica de outros
congressistas para as hostes governistas. Leia-se: o que interessa é disputar a
eleição em alguma das siglas com acesso indiscriminado ao dinheiro que deveria
ser público, mas foi apropriado. Depois, a depender de quem vença, se faz um
novo movimento, uma vez que as janelas se abrem às vésperas de cada pleito,
para propiciar os arranjos de ocasião.
Como o futuro presidente vai conseguir
desarmar essa bomba de tamanha complexidade, que foi sendo assegurada por
Propostas de Emenda à Constituição, dribles a decisões do Supremo Tribunal
Federal e ameaças veladas de impeachment caso o Executivo ousasse se meter?
O ex-presidente Lula já manifestou a
aliados preocupação com a forma como a governabilidade está sendo garantida
hoje. Não que os métodos anteriores fossem altamente republicanos. Escândalos
como o dos Anões do Orçamento, ainda no governo Itamar Franco, a compra de
votos pela reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, e o mensalão no
primeiro governo Lula mostram que o presidencialismo brasileiro não conseguiu
desenvolver um fluxo entre aprovação de propostas e a legítima demanda de
parlamentares por participarem na definição da alocação de recursos que não
vire caso de polícia.
Acontece que, agora, não é necessário nem
mais que deputados e senadores façam romaria a ministérios e negociem seus
votos por emendas. Estão na mão do Congresso a faca e o queijo por meio das
emendas RP9, e ai do presidente que mexa nesse vespeiro, pois a espada do
impedimento será colocada imediatamente sobre sua cabeça pelo presidente da
Câmara de turno.
Aliados de Lula contam com uma eleição com
ampla margem de votos para que ele tenha “legitimidade” para propor aos
partidos uma nova pactuação da governabilidade.
Soa bonito na teoria, mas quando se sabe
que Arthur Lira já está praticamente reeleito presidente da Câmara, vença quem
vencer, automaticamente se conclui que estamos diante uma vez mais da palavra
que já vai dando engulhos de tanto que tem moldado o debate eleitoral nesse
2022 polarizado: a tal da narrativa.
Os lulistas sabem disso, e afirmam que o
próprio ex-presidente, em todas as conversas, afirma que, caso seja eleito,
terá seu mandato mais difícil, pois quando presidiu o Brasil duas vezes não
existia bolsonarismo como força política, e ele não vai morrer nem em caso de
derrota de Bolsonaro. Uma coisa é ter tucanos de punhos de renda na oposição,
outra é um grupo ligado a um político que nunca se importou em tensionar a
democracia, mudar as regras do jogo com fins políticos, tentar aniquilar
opositores e conspurcar as instituições nem quando jurou fazer o oposto e
respeitar a Constituição.
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