Folha de S. Paulo
As direitas que se opõem ao petista
desenharam a sua estratégia à espera de um extremista que não vai disputar a
eleição
A única polarização na disputa presidencial
se dá entre Lula (PT) e todos os outros, excetuando-se Ciro Gomes (PDT), já
digo por quê. E é do tipo aritmética, não ideológica: o petista
ou tem mais votos do que a soma dos adversários ou empata com eles.
Tanto os candidatos de direita como os de
extrema-direita —Bolsonaro e Sergio Moro— insistem, no entanto, em caracterizar
o moderadíssimo ex-presidente como um radical de esquerda.
E aí as respectivas campanhas dessa turma semelham parafuso espanado e começam a girar em falso, limitando-se a falar com os fiéis de sempre. Vão mudar a tempo para tentar exaltar as próprias virtudes em vez de lutar contra um adversário comum, construído por seus delírios? Não sei. Faço análises, não previsões.
Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil e
hoje um dos sócios majoritários do governo, desponta como o articulador da
campanha continuísta. Já escreveu um artigo
nesta Folha e
concedeu uma entrevista ao Globo com conteúdo idêntico: o Lula que se aproxima
de Geraldo Alckmin seria mero truque.
Esse ser caroável esconderia o amigo da
Venezuela e de Cuba... Se Nogueira tivesse com o povo do Piauí o zelo que
demonstra com cubanos e venezuelanos, a vida no Estado seria melhor... Ocorre
que esse candidato do PT —que ele já considerou
o "melhor presidente da história do Brasil"— só existe na sua
ficção eleitoral. Afinal, se o fanático não servir nem para combater o
comunismo, ainda que imaginário, vai servir para quê?
Também circula por aí a informação de que
João Doria (PSDB) pretende dar prioridade aos ataques ao candidato do PT num
mix de restrições entre ideológicas e éticas, buscando reavivar mensalão e
petrolão.
Há tempos me pergunto, e respondo, se,
depois de tudo, faz sentido insistir nessa tecla. Lula conseguiu pôr um
escolhido seu no segundo turno, em 2018, mesmo preso. Está livre. Também das
ações judiciais. Uma coisa e outra —a condenação sem provas e a anulação dos
processos— são, a seu modo, obras de Moro.
Então falemos sobre o ex-juiz, ex-ministro
de Bolsonaro, ex-funcionário
da Alvarez & Marsal e
atual candidato —conseguiu ser tudo isso em quatro anos. Um prodígio! Converse
com pessoas dos mais diversos matizes ideológicos. Todas elas, se responsáveis,
falam sobre a necessidade de haver alguma forma de conciliação para, ao menos,
levar o navio ao cais. Depois a vida volta ao normal.
Elio
Gaspari já disse com acerto neste jornal que o líder petista está um
passo à frente nesse esforço. É o significado de suas conversas com Alckmin e
outros à sua direita. Para tornar viável a sua candidatura, Moro tem de propor,
necessariamente, a guerra.
Segundo números da pesquisa Ipespe —para
citar o levantamento mais recente—, o ex-juiz, parcial e incompetente, tem de
convencer os brasileiros de que só ele pode impedir a concretização da vontade
de 68% a 70% dos eleitores —é a soma das respectivas intenções de voto no
ex-presidente e no atual; o primeiro tem quase o dobro do segundo.
Se o percurso não deixou clara a tese,
vamos à síntese: os direitistas e extremistas de direita que se opõem ao
ex-mandatário desenharam a sua estratégia à espera de um bárbaro que não vai
disputar a eleição. Ciro caminha por fora e resolveu antagonizar com a real
polarização aritmética: Lula contra os outros. É como se dissesse: "A seu
modo, todos representam o ‘statu quo’; eu mudo esse destino". Não é tarefa
fácil.
Lembro do poema "À Espera dos
Bárbaros", do poeta grego, nascido no Egito, Constantino Kafávis. A
oposição de matriz reaça ou conservadora ao candidato do PT está como os
romanos do texto. Sua existência era pautada pela expectativa de que aqueles
chegariam. E, no entanto, não chegaram. E são estes os versos finais: "Sem
bárbaros o que será de nós?/ Ah! eles eram uma solução."
Nota particular: Se a pessoa que me tomou
emprestado o livro "90 e Mais Quatro Poemas", de Kaváfis, primeira
edição da tradução do poeta português Jorge de Sena, estiver lendo este texto,
peço: "Devolva meu livro, vai!" Prometo não o emprestar nunca mais.
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