terça-feira, 19 de agosto de 2008

DEU NO VALOR ECONÔMICO


PRA TUDO ACABAR NA QUARTA-FEIRA
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo


Ainda no início da crise financeira que ora assola o planeta, escrevi na "Folha de S. Paulo" que os economistas divergiam a respeito da intensidade, abrangência e duração da maré vazante. Em meio ao fogo cruzado das controvérsias, não faltaram analistas de boa reputação que insistiam em separar a pororoca financeira da supostamente saudável situação da economia real.

Walras, Wicksell, Hayek e Milton Friedman formularam teorias distintas, mas todas elas acolheram a hipótese da separação entre os "fatores reais" e os "fatores monetários". Os chamados novo-clássicos, escorados na hipótese das expectativas racionais, proclamaram a irrelevância dos fatores monetários e decretaram que as forças reais da produtividade e da poupança são as fontes de dinamismo das economias e da sucessão de ciclos que as acomete. Na contramão da "visão natural-realista" das economias de mercado, Keynes se dispôs a investigar as propriedades da Economia Monetária da Produção. Nela, imperam a divisão do trabalho, a propriedade privada das empresas, o pagamento de salários monetários aos trabalhadores e a moeda de crédito administrada pelos bancos. Sem a criação de meios de pagamento e o provimento de liquidez pelo sistema bancário, os empresários não podem comprar os meios de produção e pagar os salários aos trabalhadores.

Nessa economia, as expectativas dos empresários a respeito dos lucros futuros, ou seja, da captura dos ganhos proporcionados pelo aumento da produtividade social do trabalho, só são viabilizadas mediante o adiantamento de capital monetário. Isso, por sua vez impulsiona a competição pela inovação tecnológica incorporada nas novas gerações de insumos e equipamentos.

As relações de crédito-débito e as ações geram um estoque de direitos de propriedade e de apropriação sobre a riqueza e a renda da sociedade. As avaliações desses direitos nos mercados especializados passam a comandar as condições em que o crédito é ofertado pelos bancos e demandado pelas empresas. Elas determinam o ponto de demanda efetiva, ou seja, o estado de expectativas que permite a "criação" de valor, isto é, de certo nível de renda na "economia real".

O desenvolvimento da economia monetária da produção suscitou, sim, a subordinação do sistema de crédito à lógica da acumulação produtiva. Mas, ao mesmo tempo, ensejou a possibilidade de episódios especulativos, crises de crédito e seu rastro de destruição de valores. O economista Cláudio Borio, do Bank of International Settlements, discute, em artigo recente, as conseqüências da maior integração comercial e produtiva das economias, e crescente interdependência dos mercados financeiros "liberalizados". A combinação entre esses fenômenos, diz, acentuou o caráter pró-cíclico dos sistemas financeiros e impulsionou a criação de desequilíbrios cumulativos entre credores e devedores - famílias, empresas e países -, com sérias conseqüências para a eficácia das políticas monetárias nacionais.

A fragilidade financeira não decorre do comportamento irracional dos agentes, mas sim das relações entre os possuidores de riqueza

A questão central, na opinião do economista do Bank of International Settlements, reside nas limitações da política monetária, enclausurada nas metas de inflação, diante da excessiva inclinação dos sistemas financeiros a desatar movimentos pró-cíclicos. "Enquanto o sucesso da luta contra a inflação foi extraordinário, o mesmo não pode ser dito da estabilidade financeira. Desde a liberalização do início dos anos 80, observamos flutuações cada vez maiores na expansão do crédito e no preço dos ativos. Esses fenômenos desencadearam crises financeiras com conseqüências materiais para a economia real."

Borio suspeita que as regras microprudenciais (terrível neo-anglicismo) impostas às instituições pelos acordos da Basiléia I e II tiveram pouca eficácia para conter a sistemática subestimação dos riscos suscitada pelas articulações entre crédito farto e o valorização dos ativos. A despeito dos códigos da Basiléia, as "conjeturas" dos bancos e dos investidores - guiadas pelas benesses e ilusões da Grande Moderação - deflagraram as interações "virtuosas" entre o movimento de preços dos ativos e a euforia descontrolada na avaliação dos riscos de crédito. Tudo acabou na quarta-feira, quando sobreveio a ressaca da impropriamente chamada crise do subprime.

Borio chama a atenção para o caráter sistêmico, ou seja, macroeconômico dos processos de "euforia e desilusão". Como Minsky, ele admite que, em seu movimento de expansão, a economia monetária da produção produz endogenamente as situações de fragilidade financeira que culminam na crise e na destruição de valor da riqueza acumulada, com danos à economia real.

O desenvolvimento da fragilidade financeira não decorre do comportamento irracional dos agentes, mas sim do peculiar sistema de relações que se estabelece entre os possuidores de riqueza. Minsky sustentou que a formação dos preços dos ativos é determinada por fortes interações subjetivas entre os participantes do mercado. As condições de liquidez se alteram endogenamente ao longo do ciclo: primeiro, abundante; depois, eufórica; para, finalmente, desaparecer diante da demanda desesperada dos que carregam ativos cujas receitas tornaram-se inferiores aos pagamentos contratuais decorrentes da dívida assumida.

A rede de pagamentos formada pelo sistema bancário é crucial para o funcionamento adequado dos mercados. Ela se constitui na infra-estrutura que facilita o "clearing" e a liquidação de operações entre os protagonistas da economia monetária. A preservação dessas instituições, que estão na base do sistema de provimento de liquidez e de pagamentos, justifica as intervenções de última instância dos bancos centrais, sob pena de uma crise de liquidez se transformar numa crise de crédito com efeitos desastrosos sobre a chamada "economia real".

Não por acaso, Borio propõe a adoção, ao longo do ciclo, de medidas discricionárias - tais como requerimentos de margem mais rigorosos e restrições quantitativas aos empréstimos, atuando em conjugação com os instrumentos preventivos já existentes - para impedir a alavancagem excessiva e imprudente.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


PERCEPÇÃO DE LULA MUDA RADICALMENTE
Raymundo Costa


Circula em gabinetes bem localizados de Brasília uma pesquisa do Ipsos Public Affairs com um bem acabado retrato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 47 dias de uma eleição municipal e a pouco mais de dois anos da eleição presidencial. Após dois anos e meio de governo, Lula é um homem inteiramente diferente, aos olhos do eleitor, em relação ao metalúrgico de barba mal-aparada que em 1989 concorreu pela primeira vez à Presidência da República: Lula se livrou dos rótulos, símbolos, preconceitos e carimbos.

Para quem achava que Lula era incapaz de administrar um carrinho de pipoca, que sua experiência se resumia a tocar a peãozada de São Bernardo do Campo e uma passagem um tanto discreta pela Assembléia Nacional Constituinte, chega a surpreender os 71% que o Ipsos contabilizou para os que disseram que o presidente "tem experiência administrativa". Experiência administrativa era o item mais baixo (56%) em abril de 2005, data de início da série, antes portanto do escândalo do mensalão, que fez desabar todos os índices do presidente.

Curioso notar que os índices que se mantiveram mais estáveis foram aqueles que afirmam que Lula era "gente como a gente" ou "entende os problemas dos pobres", ambos, na apuração feita no mês de julho, com 77%. Mas assim como a identificação de classe aparece de modo estável desde abril de 2005 (como todos os outros, também caiu no final daquele ano), foi mesmo o "mensalão" que jogou para baixo os "atributos intrínsecos" do presidente: o terceiro deles, "tem o passado limpo", caiu de 66% para 46% de abril a novembro de 2005, o ano da grande crise. Atualmente, está em 55%, um índice considerado bom diante do terremoto ocorrido no terceiro ano de governo do PT.

A pesquisa Ipsos foi realizada entre os dias 23 e 30 de julho últimos, sendo selecionadas 70 cidades em nove regiões metropolitanas. Foram ouvidas 1.000 pessoas "face a face". A margem de erro é de três pontos percentuais com intervalo de confiança de 95%. O Valor teve acesso ao resultado das entrevistas - trabalho mensal intitulado "Pulso Brasil Onda 40" - com compromisso de não divulgar os responsáveis por sua contratação.

População aprova atributos do presidente

A moralidade não era àquela época (1989) um problema do PT. Os problemas eram o "sapo barbudo", a falta de experiência administrativa, mas sobretudo, talvez, a falta de preparo de Lula da Silva, que não dispunha de um diploma universitário, para ocupar o cargo e - pedra cantada - sua suposta fragilidade intelectual diante dos luas-pretas do PT, aqueles que enfim manipulariam, dos bastidores, as rédeas do poder.

O início do governo Lula deu essa impressão, com a evidência de que homens-fortes dividiam o comando, como eram então o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, os dois potenciais candidatos à sucessão de Lula. Tempos depois Lula livrou-se dos dois, passou a se sentir mais leve para governar, mas cabe o registro de que entre abril e pelo menos julho de 2005, a maioria ja tinha como "atributos de bom gestor" do presidente o "pulso forte" e o preparo "para ocupar o cargo",

Atributos que também foram para o fundo do poço com o mensalão. Os índices mais tarde se recuperariam, como os demais. Atualmente, 67% dos eleitores dizem que Lula "tem pulso forte, é decidido" - índice que continua alto mas tem oscilado para baixo com mais força que os demais. Mais ainda: 74% dos entrevistados aparentam não ter problema com o fato de o presidente não ter diploma universitário e o considerara preparado para o cargo. São índices que aos poucos parecem se tornar definitivos.

Evidente que nem tudo é inqüestionavelmente promissor para os entrevistados da Ipsos. Os próprios índices que medem os atributos do presidente já apresentaram melhores resultados que os de julho. No momento, muito embora mais da metade da população (54%) acredite que o país está no rumo certo, o otimismo é 4% menor que no mês anterior. "O que pode ser reflexo da percepção da alta dos preços dos alimentos e do aumento da inflação", diz a Ipsos. A avaliação positiva para a administração Lula se mantém relativamente estáveis, totalizando 57% ótimo e bom.

"A avaliação dos "atributos intrínsecos" do presidente apesar de bastante positiva, verificou pequena queda, já seus "atributos de bom gestor" permanecem inalterados. As pequenas oscilações nestas avaliações não indicam que a popularidade de Lula irá se reverter nos próximos meses". E a eleição é daqui a 47 dias.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

GOVERNO QUER ENDURECER COM 'FICHA-SUJA' E NANICOS
Vera Rosa


Proposta, que vai na contramão de decisão do STF, permite que candidato seja inelegível mesmo sem decisão de última instância

O governo vai enviar ao Congresso proposta de reforma política que torna mais rígidas as regras para barrar o lançamento de candidatos com ficha suja. A idéia, que entra em confronto com recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), abre caminho para que candidatos condenados tornem-se inelegíveis, mesmo que a sentença não tenha sido julgada em última instância. Não é só: pela cláusula de barreira em discussão no Planalto, partidos que não elegerem 10 deputados federais ficarão tão desidratados que praticamente deixarão de existir, pois perderão direito ao fundo partidário e ao tempo de TV na propaganda política.

Se a cláusula sugerida pelo governo estivesse em vigor hoje, partidos como o PSOL da ex-senadora Heloísa Helena - com três deputados federais - não poderiam indicar líder nem ter espaço em comissões parlamentares. Também nesse ponto a proposta contraria decisão do STF.Motivo: em 2006, os maiores partidos aprovaram norma pela qual as legendas que não atingissem 5% dos votos no País e pelo menos 2% em 9 Estados ficariam impedidas de funcionar no Congresso, mas os nanicos recorreram ao STF e conseguiram derrubar a cláusula, considerada inconstitucional.

Com a intenção de mexer novamente nesse vespeiro, a versão preliminar da requentada reforma política foi apresentada ontem ao presidente Lula pelos ministros da Justiça, Tarso Genro, e das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

A proposta será levada nesta semana ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e pode ser modificada até chegar ao plenário. Na tentativa de facilitar a votação, o governo pretende encaminhar o projeto “fatiado”, em seis tópicos, depois das eleições. Os pontos sugeridos pelo Planalto são financiamento público de campanha, voto em lista fechada, fidelidade partidária, fim da coligação proporcional, inelegibilidade e cláusula de barreira. Os dois últimos itens prometem ruidosa polêmica.

“Não vamos estabelecer nenhuma queda-de-braço com o Legislativo”, disse Múcio. “Queremos contribuir e debateremos o quanto for necessário.”

O STF rejeitou, no dia 6, pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para que candidatos processados fossem declarados inelegíveis. Alegou, para tanto, que ninguém pode ser impedido de disputar enquanto o processo não tiver transitado em julgado. A lista dos “fichas-sujas” da AMB incluía concorrentes a prefeitura.

Na avaliação do governo, há acusações graves que podem impedir candidaturas antes mesmo da sentença definitiva, como as de crime e tráfico de drogas. A proposta acata, porém, o princípio da fidelidade estabelecido pelo STF, de que os mandatos parlamentares pertencem aos partidos. Mesmo assim, o projeto concede anistia aos infiéis. Caso o texto receba sinal verde, políticos serão liberados para trocar de legenda um mês antes das eleições desde que tenham permanecido nela por 3 anos.

DEU NA GAZETA MERCANTIL

PROPOSTA DO PLANALTO RESTRINGE REPRESENTATIVIDADE DE PARTIDOS
Karla Correia


O governo deve enviar ao Congresso até a próxima semana um conjunto de propostas para fomentar a discussão em torno da reforma política onde, ao mesmo tempo em que afaga parlamentares criando uma pequena folga nos critérios de mudança de partido aprovados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por outro lado estabelece uma rígida cláusula de barreira.

Nesta, legendas com menos de 10 deputados federais eleitos perdem o direito à atuação partidária no Congresso, bem como à participação no fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão. Essa limitação atingiria hoje ao menos sete siglas com representação no Parlamento: PSol, PHS, PTdoB, PRTB, PMN, PRB e PTC.

A negociação dos pontos apresentados pelo Palácio do Planalto ontem à noite, aos ministros das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, e da Justiça, Tarso Genro, deve correr sob o signo da cautela. Os itens da reforma política desejada pelo governos, tema da reunião de Coordenação Política que aconteceu ontem no Planalto, serão apresentados ao Congresso apenas como "sugestões" à discussão já entabulada pelos parlamentares.

O conjunto de medidas envolve, além da cláusula de barreira, o financiamento público, a coligação em eleições proporcionais, a fidelidade partidária e um projeto com critérios "mais rigorosos e mais claros" para a questão da inelegibilidade, explica o ministro José Múcio. A idéia e aumentar a restrição aos candidatos "ficha suja" permitindo a impugnação das candidaturas de políticos condenados em segunda instância no Judiciário.

De acordo com o ministro, o detalhe que - na avaliação do Planalto - dará mais chances de aprovação ao pacote proposto pelo governo é a ausência de um projeto de lei unificando todos os itens. Cada ponto deverá ser negociado em projetos separados, o que diminuiria o risco de uma polêmica entre parlamentares em torno de uma proposta colocar em risco todas as demais.

"Vamos comer pelas beiradas, negociando ponto por ponto", diz José Múcio. Segundo o ministro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva só entrará na discussão assumindo a "paternidade" das propostas uma vez que haja consenso com o Congresso em relação aos pontos apresentados.

Foi para aumentar as possibilidades desse consenso que o governo incluiu entre os itens levados ao Parlamento a criação de uma janela para a mudança de partido, proporcionada a candidatos que já teriam cumprido o prazo três anos e quatro meses na legenda original. Um mês antes da realização da convenção nacional de sua sigla, esse candidato teria a possibilidade de mudança, segundo a proposta do governo. A troca de partido também seria facultada àqueles parlamentares eleitos por partidos que não conseguirem cumprir a cláusula de barreira de dez deputados federais.

Lula em campanha

O roteiro de participação do presidente Lula nas campanhas municipais também foi discutido na reunião. Lula pretende ampliar seu circuito de aparições nos palanques de candidatos aliados, originalmente restrito a São Paulo e São Bernardo do Campo (SP), incluindo as capitais Vitória (ES), Natal (RN) e Recife (PE).

A disputa pelo uso da imagem do presidente tem piorado as relações entre partidos aliados ao Planalto, mas que concorrem nas eleições municípios por coligações diferentes. O melhor exemplo é Salvado, onde o prefeito e candidato à reeleição, João Henrique , do PMDB, disputa a imagem do presidente com o deputado federal e candidato à prefeitura da capital baiana, o petista Walter Pinheiro.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PESO DO HORÁRIO ELEITORAL
Editorial / O Estado de S. Paulo

A contar de hoje, serão 45 dias de propaganda no rádio e na TV para as eleições municipais de 5 de outubro: em cada meio, uma hora diária, dividida em duas sessões, um dia para os candidatos a vereador, outro, para os candidatos a prefeito, menos aos domingos; e, também aos domingos, 30 minutos de anúncios de até 60 segundos, ao longo da programação, apenas para os aspirantes às prefeituras. Pode-se criticar a duração do horário eleitoral. Não bastariam, talvez, 21 dias até a antevéspera da votação? Nesse caso, teriam menos a reclamar os brasileiros para quem a política em geral e a conversa dos políticos em especial não passam de um aborrecimento - ainda mais esta última, por desarrumar o horário nobre que organiza as noites da maioria da população. Também se queixariam menos os eleitores cujo nível de informação torna esse período praticamente irrelevante para as suas escolhas nas urnas.

O que não se pode, no entanto, é condenar o chamado horário gratuito, ou porque seria uma mistificação ou porque o público, afinal, não se interessaria pelo espetáculo. Ambas as alegações são superficiais e parecem situar-se cada vez mais na contracorrente dos fatos sabidos - com a ressalva de que toda generalização é arriscada quando se trata de 15 mil candidatos a prefeito e outros 350 mil a vereador, disputando o voto de 130 milhões de eleitores em 5.500 municípios de um país continente. Isto posto, diga-se desde logo que o modelo brasileiro de campanha, dando aos políticos acesso à mídia eletrônica, sob normas concebidas para reduzir a desigualdade de oportunidades eleitorais entre eles, é muito mais democrático do que, por exemplo, o dos Estados Unidos, onde partidos e candidatos dependem dos lobbies do poder econômico para bancar com as suas doações os astronômicos custos da sua propaganda na televisão.

Além disso, no horário eleitoral, os políticos brasileiros já não conseguem engabelar os eleitores como decerto gostariam. A sucessão dessas temporadas bienais, de um lado, e a intimidade dos espectadores com os artifícios da linguagem televisiva, de outro - esta é uma das sociedades mais vidradas em TV que se conhecem -, combinam-se para tornar transparentes a grande número de eleitores os truques cênicos com que os marqueteiros tentam manipulá-los. Nos últimos 20 anos, pois, o brasileiro aprendeu razoavelmente a distinguir o joio do trigo nos shows de caça ao voto. E os caçadores sabem disso. Hoje em dia, em nenhuma outra modalidade de emissão, seja noticiosa, publicitária ou de entretenimento, os respectivos produtores esquadrinham sem cessar e tão de perto - online, a rigor - as reações do público como as equipes dos candidatos a cargos majoritários. À medida que amadurecem, tais respostas reduzem o espaço à pirotecnia e à enganação.

Mesmo nas breves inserções que podem ir ao ar a todo instante - e que se diferenciam dos horários fixos por focalizar antes a imagem com que os candidatos querem ser identificados do que as prioridades de governo pelas quais querem ser votados -, a engenharia da persuasão leva em conta constantemente o juízo do eleitor. Este, por sinal, costuma ficar mais atento do que se supõe ao que lhe é dito e mostrado, principalmente nos primeiros e nos últimos dias do ciclo (reproduzindo as curvas de audiência das novelas). Pesquisas vinculam esse estado de espírito à percepção de que o horário gratuito é a rara circunstância em que os políticos falam diretamente com ele, eleitor, em vez de falar só com outros políticos ou com o pessoal que encontra nas suas incursões eleitorais. Por isso, o período funciona como uma espécie de tira-teima, em que os votantes - no caso, cada vez mais seguros do que esperam de um prefeito - passam a limpo as suas impressões prévias dos candidatos.

Por fim, os efeitos da propaganda no rádio e na TV não dependem estritamente da sua massa de ouvintes e espectadores. Toda comunicação, como se sabe, flui em duas etapas: na primeira, os que a receberam formam a própria opinião a respeito; na segunda, formam, com as suas versões, a opinião dos que não foram diretamente alcançados pela mensagem. Com o horário eleitoral não é diferente - e desse modo influi poderosamente na definição do voto popular.

DEU NO JORNAL DO BRASIL

NA TV, O REAL INÍCIO DA CAMPANHA
Editorial/Jornal do Brasil


A PROPAGANDA ELETRÔNICA NO HORÁRIO eleitoral gratuito começa hoje e, com ela, instaura-se uma nova e decisiva fase da corrida para a sucessão municipal. Embora seja um terreno sobre o qual trafegam consideráveis divergências, a exposição no rádio e na TV costuma modificar o quadro de intenções de voto detectado até aqui. Para muitos, a campanha começa para valer agora ­ o momento em que o eleitor entra definitivamente em campo. Se a propaganda eletrônica já não decide o voto, o tempo na TV informa quem são os candidatos. Acelera-se o compasso da dinâmica eleitoral. Os cenários se cristalizam. Propostas são exibidas com maior clareza. Pro pagadores de ilusões podem ser descortinados.

Se é uma das faces pedagógicas da campanha, a propaganda eletrônica é também um espaço fértil para a proclamação de façanhas e virtudes questionáveis. Conforme o Jornal do Brasil já sublinhou mais de uma vez neste espaço, os candidatos precisarão exibir projetos concretos destinados a aplacar os problemas que atormentam os cariocas. Deverão colocar o dedo nas profundas feridas que abalam a cidade com incômoda insistência. Esta tarefa só será plenamente cumprida com a chegada do horário eleitoral gratuito ­ algo que dificilmente o corpo-a-corpo das ruas dá conta.

A propaganda no rádio e na TV constitui também uma boa hora para que, na comparação possível entre as campanhas e os candidatos, o eleitor possa decidir melhor que nome deseja para administrar a cidade nos próximos quatro anos. As mazelas do Rio, como se sabe, exigem um síndico à frente da prefeitura ­ eficiente, intolerante com o erro, preocupado com os rumos dos últimos anos, ciente da desordem ge neralizada e zeloso com os en cantos de uma cidade tão ma ravilhosa quanto tisnada pela in competência. São atributos que o prefeito Cesar Maia prometeu alcançar e não conseguiu.

Os candidatos terão a opor tunidade ainda de se desven cilharem de pontos fracos que possivelmente os tornarão eleitoralmente mais frágeis. Conforme mostram os repórteres Marcelo Migliaccio e Renata Victal, hoje no JB, o ataque às vulnerabilidades dos concorrentes é prática comum em exibição no horário eleitoral gratuito. A partir de hoje, portanto, será possível saber se Marcelo Crivella vai buscar distanciar-se da Igreja Universal. Se os problemas no campo da segurança pública abalarão a candidatura de Eduardo Paes. Se Solange Amaral continuará atrelada à imagem de um combalido prefeito. Se Jandira Feghali vai além dos temas relacionados à saúde. Se Alessandro Molon conseguirá surfar na onda do prestígio do presidente Lula. Se Chico Alencar e Fernando Gabeira vão mostrar consistência diante de um eleitorado dividido.

Esses e outros pontos de interrogação começarão a ser respondidos a partir de hoje. (Na verdade, o eleitor-espectador só poderá assistir aos candidatos à prefeitura amanhã, pois hoje é dia daqueles que desejam um assento na Câmara de Ve readores). Ao eleitor convém ficar atento. Períodos eleitorais, insista-se, convidam os políticos a viajar pelo campo das fantasias. A imaginação dos candidatos muitas vezes eleva-se a altitudes inverossímeis. Apreciam sublinhar os próprios feitos e virtudes e ignoram as deficiências. A vida real, contudo, desaconselha tais equívocos. Que até outubro os 12 candidatos produzam um espetáculo edificante para a cidade e apaguem em definitivo da memória do eleitor as debilidades da última campanha municipal ­ um processo cambaleante que resultou na apatia e na frustração do Rio. Os cariocas esperam que o debate escape dos insultos mútuos e da mera demarcação de diferenças individuais em nome da extensa agenda de discussões relevantes sobre os problemas que aguardam o futuro prefeito.

DEU EM ZERO HORA

UM COMÍCIO DE 45 DIAS
Editorial/Zero Hora

Começa nesta terça-feira o período mais importante da campanha para a eleição dos prefeitos e vereadores dos mais de 5 mil municípios brasileiros. Num momento em que a população do país revela um desalento em relação a seus políticos, a propaganda obrigatória de rádio e TV representa uma chance para os partidos e candidatos tentarem reconquistar a confiança e reverter essa tendência. Não se trata apenas de um resgate que beneficiará os políticos de maneira geral, devolvendo-lhes prestígio e confiabilidade. Trata-se acima de tudo do fortalecimento e da qualificação da própria democracia, que não se aprimora sem que seus agentes sejam competentes e éticos e sejam assim reconhecidos pela sociedade.

A existência de um horário eleitoral para os partidos e candidatos não deixa de representar uma espécie de financiamento público. O acesso ao espaço de televisão e de rádio é gratuito apenas para os partidos e candidatos, não para o país, que paga por ele. Por isso sua utilização deve ser responsável e produtiva. Pesquisas indicam que o desencanto com os políticos se reflete na audiência do programa eleitoral, mas, ao contrário do que comumente se pensa, tal audiência não é pequena: atinge direta ou indiretamente a maioria da população, constituindo-se em fator decisivo para que eleitores conheçam os candidatos e façam as escolhas. O horário obrigatório criou para os candidatos um imenso comício eletrônico e alterou radicalmente, desde que foi instituído, a própria maneira de se fazer campanha eleitoral. Além do varejo dos contatos pessoais, dos apertos de mão, dos cartazes e santinhos, das carreatas e dos próprios comícios, a televisão e o rádio abriram a possibilidade de um contato no atacado. Essa circunstância faz com que, na prática, comece hoje efetivamente a campanha às prefeituras e câmaras municipais.

Estas considerações revelam o quanto esse novo momento do calendário eleitoral é importante para os candidatos e para os eleitores. Elas sugerem também o nível de responsabilidade que está embutido no uso desse instrumento que a sociedade coloca a serviço dos candidatos para a qualificação da democracia. Para os destinatários das mensagens que a partir de hoje chegam aos lares brasileiros, o fundamental é que a companha seja construtiva e propositiva. Mais do que críticas ou ataques pessoais, ou seja mais do que os aspectos negativos, e muito mais do que palco para a demagogia, o horário da propaganda em rádio e televisão ensejará que partidos ou frentes partidárias apresentem propostas objetivas capazes de levar a avanços na qualidade da administração e a padrões éticos compatíveis com o que a população quer e merece.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL


O ATIVISMO JUDICIAL MAL COMPREENDIDO
Luiz Werneck Vianna


Faz tempo que a afirmação do Poder Judiciário na cena política brasileira não é mais objeto de controvérsia, fato reconhecido por analistas de diversas procedências ideológicas e pelos partidos políticos. Nada mais natural, uma vez que a Carta de 1988 definiu este Poder como um lugar estratégico a fim de que os princípios e os direitos fundamentais nela previstos ganhassem condições de eficácia, impondo inclusive limites à expressão da vontade majoritária quando viesse desalinhada da vontade geral consubstanciada no seu texto.

A chamada judicialização da política deve sua origem tanto ao legislador constituinte quanto à cidadania que, progressivamente, foi se apropriando, em suas práticas, dos novos institutos criados pela Carta, e não, como em outros contextos nacionais, pelo ativismo dos seus magistrados. Aqui, por várias razões, entre as quais o peso de uma formação positivista na cultura jurídica dos juízes, a judicialização da política encontrou mais resistência do que adesão, do que é exemplo mais forte o destino do mandado de injunção, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) converteu em letra morta.

Nesse sentido, a origem da judicialização da política deve ser buscada, de um lado, na iniciativa do legislador, e, de outro, nas demandas da cidadania no sentido de encontrar proteção dos seus direitos contra o Estado e as empresas. A origem de um processo social, porém, não contém em si todas as possibilidades do desenvolvimento da sua trajetória, sujeito, no seu curso, a muitas outras influências. Assim com os juízes — de início estranhos à nova institucionalidade, quando não refratários a ela —, que, com as transformações geracionais produzidas em seu corpus, com a emergência de uma nova bibliografia, e, talvez sobretudo, diante da crise do sistema da representação política, passam a se orientar pela filosofia política expressa na Constituição que pressupõe um Judiciário, na medida em que compreendido a serviço do ideal da igual liberdade, como instrumento de concretização dos direitos fundamentais.

A adesão a esta orientação, que se generaliza na corporação, não deve ser identificada a um ativismo judicial que ignore as fronteiras que apartam o juiz do político, e que pretenda, em nome do justo e da salvação pública, investir a Justiça do papel de um legislador providencial. A judicialização da política não deriva de um eventual sistema de orientação dos juízes, mas da nova trama institucional trazida pela moderna sociedade capitalista, que pôs o direito, seus procedimentos e instituições no centro da vida pública, e, neste preciso sentido, ela já é parte constitutiva das democracias contemporâneas.

Instituir o juiz como legislador, tal como, na prática, significa a pretensão dos Tribunais Eleitorais de recusarem registro a candidaturas a cargos eletivos sem base na lei, e apenas em nome do princípio da moralidade, é contrapor o justo ao direito. Quem e como se definir um candidato de “ficha suja”, e, como tal, sem direito a concorrer às eleições? Cada caso será um caso, examinado na ausência de qualquer regra prévia? Mas o juiz não será livre, nem livre e responsável, pontua com lucidez J. Derrida, “se não se referir a nenhum direito, a nenhuma regra ou se, por não considerar nenhuma regra como dada para além da sua interpretação, ele suspender sua decisão, detiver-se no indecidível ou então improvisar, fora de qualquer regra e de qualquer princípio” (Força da lei. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 45).

Na ausência de regras, a relevância do atual movimento de importantes setores da magistratura, contando com a presença da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que visa interditar a via eleitoral para candidatos de “ficha suja” — em si, um objetivo legítimo por critérios éticos e de moralidade pública ­—, ao insistir apenas no caminho judicial, perde de vista as amplas possibilidades que se apresentam aos seus propósitos na sociedade civil e na esfera pública, especialmente na arena parlamentar.

A opção pela via do ativismo judicial diante de oportunidades reais para a consecução do mesmo objetivo no campo da política institucionalizada não consiste em uma boa alternativa. Longe de ampliar apoios e alianças para os fins perseguidos pode, muito contrariamente, indispor contra eles, em razão do meio utilizado, o sistema político e seus principais personagens, e, ainda pior, tornar vulnerável a arquitetura constitucional que reservou ao Judiciário um papel saliente para a concretização dos direitos fundamentais.

O ativismo judicial, quando bem compreendido, estimula a emergência de institucionalidades vigorosas e democráticas e reforça a estabilização da nossa criativa arquitetura constitucional. Quando mal compreendido, entretanto, este ativismo é sempre propício à denúncia de um governo de juízes, de uma justiça de salvação, referida casuisticamente aos aspectos materiais em cada questão a ser julgada. Mal compreendido leva a concepções de uma justiça que abdica da defesa da integridade do Direito, tal como a conceituam, na esteira de Dworkin, Nonet e Selznick, e se torna, mesmo que em nome das melhores intenções, um instrumento do seu derruimento.

Rio, 14 de agosto de 2008.

FESTA E ALEGRIA EM COPACABANA

Organizada pelo PPS, a marcha pela avenida Atlântica, em Copacabana, na bela manhã de domingo foi um sucesso.

A presença de muitos candidatos a vereador pelo partido, como Stepan Necerssian e Paulo Pinheiro, além do presidente nacional, Roberto Freire e outros dirigentes estadual e nacional, deu um brilho a mais ao evento.

Gabeira e Luiz Paulo caminharam pela orla alternando a trilha sonora: ora o jingle da campanha, ora uma bateria ao vivo com direito a uma passista da pesada.

A resposta dos eleitores foi imediata, sempre com aquele calor humano que caracteriza o corpo-a-corpo. Nada melhor do que um bocado de sol e som para começar o segundo tempo de uma campanha que amanhã chega às rádios e as televisões.



O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1061&portal=

DEU NO JORNAL DO BRASIL


O PRÉ-SAL DA DEMOCRACIA
Wilson Figueiredo



Duas pesquisas simultâneas de opinião pública chegaram juntas à verificação de que o Brasil já tem uma classe média que ultrapassa a metade da população. Não se sabia mas se percebia que alguma coisa se passava na cabeça e no estômago do brasileiro. Apenas ninguém traduziu em conceitos os sinais antes que o IBGE e a FGV dessem a entender que a classe média estava aí para servir econômica e politicamente. A metade pode não ser suficiente mas já é referência digna neste "deserto de homens e de idéias", como observou com desalento Osvaldo Aranha, para engrenar um salto maior do que as pernas. Encheu-se o Brasil de homens mas faltaram idéias originais. Ninguém melhor do que o pequeno burguês, como é visto pelos localizados acima dessa faixa, e invejado pelos localizados abaixo do equador social, para assumir função histórica num país que não foi até hoje apresentado ao futuro, porque fatalmente um dos dois chega atrasado ao encontro e o outro desiste de esperar.

O que levou os dois institutos a atirarem juntos na mesma direção foi a conclusão, um pouco por acaso, para não dizer à brasileira, segundo a qual a parcela situada mais embaixo na escala social, batizada apenas com uma letra do alfabeto, já faz três refeições por dia (as noites não contam). Ora, ao alcançar esta marca, antes de tudo o brasileiro pode ser considerado cidadão e despertar para a responsabilidade política, com a qual ninguém nasce mas adquire, e quanto mais cedo melhor. Afinal, viver à margem da sociedade e dos semelhantes não é opção digna de animal gregário. A cidadania não o livrará, porém, de ser visto pelo foco clínico em que se distingue um pequeno burguês a olho nu, até aprender a usar corretamente os talheres à mesa, vestir-se de maneira apresentável (a ser definida pela moda), a partir das três refeições diárias, exceto nos regimes de emagrecimento. Aí já passa à categoria de burguês. Em seguida, a casa própria a perder de vista, e o automóvel, lhe completam o enxoval. Daí para cima, socialmente falando, a aferição seletiva tem critérios exclusivos. Já o burguês não é classificado apenas pela aparência, e sim pela renda.

Feita a apresentação, podem os políticos dispor, na caçada aos votos, de uma camada preciosa da cidadania emergente, cientificamente explorada, enquanto governo examina o que fazer no pré-sal que o separa do petróleo. Quando os dois se juntarem, pode ser que o Brasil faça pelo menos figura universal em números e se impunha nem que seja como novo rico, sempre melhor do que velho pobre, seja em olimpíadas esportivas ou no polimento da democracia resignada a esperar reformas. Há mais de duas décadas o Brasil está consolidando o estágio caracterizado pela aceitação da vontade política filtrada nas urnas. Tudo indica que o brasileiro se enfarou com a praxe republicana de contestar resultados eleitorais e reconheceu na maioria absoluta a primeira-dama da democracia representativa. Os golpes já deram o que tinham a oferecer e acabaram por tirar mais do que precisavam. As fraudes trocaram de roupa no intervalo. Firmou-se a convicção de que as urnas só passaram a falar a língua da democracia depois que se estabeleceu a certeza de que nada melhor do que um governo de esquerda ser sucedido por um de direita, ainda que (ou principalmente) com aparência de esquerda. Um verdadeiro milagre.

Coube ao governo Lula o mérito histórico de mostrar que esquerda e direita não foram varridas do mapa, e sim que a diferença caiu ao mínimo que poucos percebem. Tanto faz ser de esquerda como ter sido de direita. Sendo fictício o centro, de quatro em quatro anos, a esquerda e a direita vestem um novo sentido suficiente para fazer a felicidade de maior número. A maioria absoluta parece ter sido inventada na medida certa para o Brasil chegar à democracia. O vencedor chega na categoria de hóspede temporário. Os políticos estão em trajetória de baixa na opinião pública, mas ­ como dizia o ministro Delfim Neto no seu tempo - "deixem ir primeiro o bandido, depois a gente manda o xerife".

A atual tentativa democrática já faturou seis mandatos presidenciais, um indireto (de transição) e cinco pelo voto direto, sem o menor risco de retrocesso. É o mais novo capítulo que o ambidestro presidente Lula está rascunhando, ora com a mão esquerda, ora com a direita. Quer vacinar logo a classe média contra surtos de apoliticismo, que foi a dengue do século passado.

DEU EM O GLOBO

CAMPANHAS MILIONÁRIAS RUMO À CÂMARA
Sergio Duran e Alessandra Duarte

Andrea Gouvêa Vieira, Eider Dantas e Rosa Fernandes superam candidatos à prefeitura do Rio em arrecadação

A primeira parcial da prestação de contas dos candidatos a vereador apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), Eider Dantas e Rosa Fernandes (DEM) foram os que mais arrecadaram recursos no primeiro mês de campanha. Os valores obtidos por cada um deles supera a arrecadação declarada de postulantes à prefeitura da cidade, como Marcelo Crivella (PRB), Jandira Feghali (PCdoB), Alessandro Molon (PT) e Chico Alencar (PSOL). Buscando a reeleição, a tucana informou ter arrecadado R$256,9 mil. Dantas lidera a arrecadação milionária do DEM com R$210 mil. Em seguida, vem sua companheira de partido Rosa Fernandes, também candidata à reeleição, com R$198,6 mil.

Os 44 candidatos a vereador do DEM, partido do prefeito Cesar Maia, arrecadaram juntos aproximadamente R$1 milhão. O PSDB vem em segundo com R$448,6 mil, sendo que mais da metade do dinheiro foi contabilizado nos cofres de campanha de Andrea Gouvêa Vieira. O PV aparece na terceira posição com R$187,6 mil, mas apenas três dos 33 vereadores verdes concentram praticamente a totalidade dos recursos contabilizados através de doações: Alfredo Sirkis, Paulo Messina e Aspásia Camargo.

TSE diz que ainda há dados em processamento

Candidatos à prefeitura, Marcelo Crivella e Jandira Feghali informaram ter obtido R$167 mil e R$78 mil, respectivamente, desde o início da corrida eleitoral. Já Alessandro Molon arrecadou R$13.462, segundo o site do TSE, e Chico Alencar, R$8.180.

Dos 1.236 candidatos a vereador, 632 (51%) já tiveram as informações financeiras de campanha publicadas pelo TSE, que informa ainda ter dados em processamento. Até o momento, a arrecadação total dos vereadores de 26 partidos na disputa chega a R$3,4 milhões.

Na declaração de Andrea, está indicado que as doações foram feitas por pessoas físicas. As principais despesas da candidata foram justificadas com o pagamento de pessoal (R$92,1 mil), publicidade por materiais impressos (R$57,6 mil), encomenda de pesquisas eleitorais (R$27,2 mil) e alimentação (R$20,6 mil). No total, suas despesas já chegam a R$233,2 mil.

O ex-secretário de Obras Eider Dantas - que na terça-feira passada teve cabos eleitorais flagrados por fiscais do Tribunal Regional Eleitoral por uso da máquina pública - previu gastos de R$50 mil com recursos próprios, mais R$98,5 mil provenientes de doações de pessoas físicas e R$50 mil de jurídicas. Dantas gastou R$157,6 mil em um mês de campanha. Rosa Fernandes também mantém as contas no azul. Das doações recebidas por pessoas físicas e jurídicas, declara ter gastado R$108,7 mil.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


OS CHEFES DO TORTURADOR
Fábio Wanderley Reis


É famosa a manifestação de Pedro Aleixo a propósito do AI-5, retomando velha idéia e declarando que o motivo de preocupação era o uso que faria dos poderes arbitrários não o presidente da República, mas o guarda da esquina. É indicativo dos problemas atuais do Judiciário brasileiro o fato de que essa manifestação, opondo o guarda da esquina à figura do ditador (embora, naturalmente, essa não fosse a linguagem de Pedro Aleixo), venha sendo evocada, como em editorial recente do jornal "O Estado de S. Paulo", a propósito das relações das altas cortes de Justiça com juízes de primeira instância: se fizesse sentido ver estes últimos como instrumento de poderes ditadoriais, acabaríamos tendo, ao contrário do que pretende o jornal, um argumento em favor da independência dos juízes.

Mas a contraposição entre o ditador e o guarda da esquina é aplicada de maneira também confusa na discussão sobre a punição aos torturadores do regime de 1964. A defesa da punição se baseia na idéia de que, em vez de crime político, trata-se de crime comum, definido como tal na própria legislação em vigor durante o regime, e além do mais hediondo, inafiançável etc. Deslocando assim o problema para o terreno de tecnicismos jurídicos, a posição deixa de lado algo essencial: a relação do torturador (o "guarda da esquina" que comete abusos e violências) com seu chefe, o ditador.

Não há dúvida quanto ao caráter odioso do crime de tortura (que, de passagem, continua a ser prática corriqueira em nosso sistema prisional, lastreado, ademais, como mostram com clareza as pesquisas, em difundido desapreço pelos direitos civis na opinião pública do país), bem como de outros crimes de agentes do Estado que marcaram a ditadura. Mas sem ter havido qualquer empenho de trazer ao banco dos réus o ditador (ou os chefes maiores da ditadura, os ex-ditadores e seus colaboradores de alto nível), não cabe esquecer a banalidade de que o que define a ditadura é justamente a ruptura da vigência efetiva do quadro institucional-legal - e que essa ruptura torna irrelevante que em algum desvão da copiosa legislação escrita do país a tortura, como o assassinato e o que mais seja, tenha estado definida como crime. A ditadura instaura o vale-tudo e a violência e abre espaço e estimula tipos variados de comportamento sinistro, incluído o de assassinos e torturadores, que, na verdade, como destacava Elio Gaspari na "Folha de S.Paulo" há alguns dias, cumpriam determinações de seus superiores. Nessa perspectiva, é mesmo preciso apontar o que há de acomodatício e inaceitável na frase de Pedro Aleixo, furtando-se a confrontar o ditador que toma a iniciativa do AI-5 e é o grande responsável pelas feiúras correlatas. Ironicamente, o destino posterior do próprio Pedro Aleixo é prova adicional da irrelevância de qualquer aspecto dos dispositivos institucional-legais.

Poupar os chefes e punir os sabujos?

O que temos, em outras palavras, é luta política em forma nua e crua, que desbordava o quadro legal do ponto de vista tanto de certa esquerda e suas aspirações e disposições quanto da reação golpista e violenta da direita e dos militares (de maneira em boa medida independente, vale acrescentar, do grau em que haveria, de parte a parte, apego generoso a valores e ideais ou motivação ignóbil). A grande indagação refere-se às razões de que a luta política pudesse assumir essa forma - e a resposta se encontra, por certo, justamente na debilidade das instituições, que não são ajudadas pela adesão vigorosa e autocomplacente de grupos diversos a valores contrastantes. A questão agora é como construir instituições, como melhor transitar para um marco de democracia institucional real, isto é, de instituições que possam de fato enquadrar formalmente a luta política e regulá-la de modo efetivo e estável.

Nas análises de ciência política sobre os processos de transição à democracia, tendia-se a convergir no reconhecimento da necessidade de um realismo capaz de viabilizar compromissos e de permitir avançar além do mero jogo bruto de força física. Até que ponto seguirá valendo a recomendação de realismo, especialmente com relação aos militares, protagonistas decisivos daquele jogo? Nos debates latino-americanos de algum tempo atrás, o realismo assumiu, às vezes, a forma curiosa de simplesmente se fazer caso omisso da interferência militar, ou da presença mesmo legal das forças armadas como ator político, na avaliação das vicissitudes e perspectivas da democracia em diferentes países. Na atualidade brasileira, a pergunta é antes a de até que ponto não estaremos sendo (não estarão sendo os governos) mais realistas do que o rei: será verdadeira a força da ameaça latente de turbulência militar significativa na vida política do país que o pressuroso empenho de acomodação governamental parece contemplar?

Creio que, em nome da construção institucional, é bom esquecer os crimes (autênticos) e os enfrentamentos do passado. Mas não vejo razão para que, diante da postura desafiante adotada pela corporação militar em todas as ocasiões em que sua própria perspectiva a respeito lhe parece questionada, o governo haja como se os militares fossem de fato o poder autônomo e de inclinação hostil que transparecia na declaração do almirante Mário César Flores, ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Itamar Franco, no já longínquo ano de 1994: o regime civil brasileiro de hoje, dizia ele no Fórum Nacional, não deve ser visto como a "rendição incondicional" das forças armadas, mas apenas como um "armistício"...

Num mundo mudado, nossa democracia passa com êxito, quase cumpridos dois mandatos institucionalmente tranquilos de Lula e do PT na Presidência, por seu teste crucial. Já é tempo de acabar com o fantasma militar.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PREFEITOS ALIADOS TÊM MAIS VERBA DO FARMÁCIA POPULAR NO ANO ELEITORAL
Julia Duailibi e Pedro Venceslau


Das 351 cidades que receberam recursos em 2008 para o programa, 73% são comandadas por partidos da base

Em ano de eleição municipal, prefeituras do PT e do PMDB foram as mais beneficiadas na obtenção de recursos do Farmácia Popular, um programa do governo federal que subsidia o preço de medicamentos para a população carente.

Das 351 cidades de todo o País que, em 2008, receberam dinheiro do governo federal para instalar as Farmácias Populares, 73% estão ligadas a partidos da base governista. O PMDB, do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, é o líder em conseguir recursos, com 86 municípios beneficiados. É seguido do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com 63 cidades.

Já PSDB e DEM, os dois principais partidos de oposição, vêm na lanterninha: juntos conseguiram cadastrar neste ano apenas 70 municípios no projeto. Para se ter uma idéia, o DEM teve 21 prefeituras no Farmácia Popular, um terço do que o PT conseguiu, embora o partido governe praticamente o dobro de cidades que os petistas. O mesmo ocorre com os tucanos, que governam quase o triplo de cidades que o PT, mas cadastraram apenas 49 cidades neste ano.

O Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria de imprensa, nega qualquer favorecimento. Diz que os recursos são liberados de acordo com o interesse dos prefeitos. A oposição critica.

“Será possível que os quase 900 prefeitos do PSDB no Brasil não tenham interesse em ter uma Farmácia Popular na sua cidade? É claro que isso é uma desculpa esfarrapada”, declarou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). “Esses números refletem o aparelhamento do programa.”

Ao todo, o Farmácia Popular já liberou neste ano R$ 26 milhões para a implementação e manutenção do programa em todo País, segundo os números do Portal da Transparência, que mostra a execução orçamentária do governo federal. Lançado em 2004, o programa já atendeu até hoje mais de 20 milhões de pessoas em 471 farmácias distribuídas pelo País. Há atualmente 142 unidades em fase de implantação.

Nessas farmácias, 96 remédios podem ser obtidos a preços bem abaixo dos de mercado. Preservativos são distribuídos de graça. A cartela de um anticoncepcional fica em R$ 0,42, enquanto o preço numa farmácia é R$ 7. Mas os campeões de venda são captopril, para hipertensão, e sinvastatina, para colesterol.

Especialistas defendem a necessidade de dar acesso a medicamentos para a população carente. Dados do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, por exemplo, mostram que mais de 50% das pessoas interrompem o tratamento em razão da falta de recursos. Mas não há um consenso sobre a melhor forma de se fazer isso. “No Brasil, esse tipo de projeto fica muito poroso a influências políticas e privadas”, afirmou Paulo Elias, especialista em políticas de saúde e professor da Universidade de São Paulo (USP).

Outra crítica ao sistema é que ele rivalizaria com a distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de criar um custo extra para o governo, que tem de criar novas estruturas para distribuição. O médico sanitarista José Ruben de Alcântara, coordenador-executivo da Sociedade Executiva de Vigilância de Medicamentos (Sobravime), lembra que, pela Lei 8.080, de 1990, todo usuário do SUS tem direito a assistência farmacêutica completa. “Como isso nunca foi possível, o ideal é que os remédios subsidiados fossem vendidos dentro das Unidades Básicas de Saúde. A farmácia deveria ser mais que um comércio, deveria ser mais uma unidade de saúde”, diz Alcântara.

DEU EM O GLOBO

GOVERNO FAVORECE AS PREFEITURAS ALIADAS DO RIO
Leila Suwwan


Cidades comandadas por PT e PMDB receberam mais recursos
O governo federal abriu os cofres para as prefeituras aliadas no Estado do Rio. Levantamento de contratos feitos com as maiores cidades fluminenses, desde 2005, revela favorecimento a municípios comandados pelo PT ou pela ala governista do PMDB. Lindberg Farias (PT), de Nova Iguaçu, por exemplo, conseguiu quatro vezes mais recursos do que o prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), para saúde, educação, entre outros: R$225,90 por habitante, contra R$58 na capital.

Aliados campeões de recursos

Governo federal repassou mais verbas de convênios para prefeitos de PT e PMDB no Rio

As maiores cidades do Rio de Janeiro assistiram nos últimos anos a um escoamento desproporcional das verbas de convênios do governo federal para prefeituras aliadas. Levantamento dos contratos firmados entre prefeitos e ministros do governo Lula, de 2005 até hoje, mostra que os municípios comandados pelo PT ou pela ala governista do PMDB tiveram de duas a quatro vezes mais recursos destinados a projetos de saúde, educação, infra-estrutura, esporte ou turismo etc. Nova Iguaçu, do petista Lindberg Farias, conseguiu quatro vezes mais dinheiro que a capital, comandada por Cesar Maia (DEM), por exemplo.

Entre os 11 maiores municípios do estado, Nova Iguaçu é recordista: foram R$225,90 per capita firmados com a Esplanada, segundo o Portal da Transparência. Os outros "campeões" são Volta Redonda (PMDB), Itaboraí (PT), Niterói (PT) e Duque de Caxias (PMDB), que têm média de mais de R$110 por habitante em contratos feitos no período. Os dois peemedebistas em questão, Gothardo Netto e Washington Reis, são alinhados com o governador Sérgio Cabral.

No Rio, R$ 57,72 per capita em convênios

As cidades onde os interesses políticos esbarram com os do PT nesta eleição, ou se desalinham da base aliada nacional, tiveram pior desempenho, com média de menos de R$60 por pessoa em recursos de convênios federais. São elas: São João de Meriti, Petrópolis, Rio, Belford Roxo e São Gonçalo. Na primeira, o prefeito Uzias Mocotó, ex-PMDB e atual PSC, é próximo a Garotinho. Em São Gonçalo, a prefeita Aparecida Panisset (PDT) se aliou ao DEM para enfrentar o PMDB nas eleições. Em Belford Roxo, a prefeita Maria Lúcia dos Santos (PMDB) quer fazer a sucessora contra o PT.

A capital assinou contratos no período que resultaram em valor per capita de R$57,72, metade do que conseguiram aliados de Lula. Mas Cesar Maia evita criticar o governo:

- A prefeitura se sente muito bem tratada pelo governo federal. Todos os ministérios respondem positivamente a nossas demandas. Nunca houve discriminação, e as parcerias são totais. O ministro Patrus Ananias poderia ser do DEM, e o governo Lula nos trata muito melhor que o de FH.
Já Lindberg atribui seu sucesso à equipe especial que montou para solicitar e administrar projetos em parceria com o governo federal:

-Temos muitos projetos, isso falta nas prefeituras. E executar todas as exigências do governo é uma luta. Montamos uma equipe altamente qualificada. Nosso responsável por convênios já foi diretor da Caixa.

Mas ele admite que "ajuda" ter bom trânsito nos ministérios e ser amigo do presidente da República:

- Conquistei lá uma confiança. A turma de Brasília, o próprio presidente e a (ministra) Dilma (Rousseff, da Casa Civil) ficam impressionados com as prefeituras que não conseguem executar. Mas eles sabem que aqui a coisa anda, está azeitada. Agora, reconheço que a relação de amizade ajuda. Gasto um tempo grande em Brasília.

Governo diz que não há discriminação

O último colocado entre as cidades com mais de 200 mil habitantes é Campos dos Goytacazes, reduto de Anthony Garotinho e onde o prefeito, Alexandre Mocaiber (PSB), da base aliada, foi recentemente acusado de desvios milionários pela Polícia Federal. Chegou a ser afastado, mas voltou ao cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O município conseguiu angariar em Brasília apenas R$10,36 per capita, dos quais 72 centavos foram pagos. O convênio mais expressivo assinado entre o governo federal e Campos, desde 2005, foi pago por força de uma emenda parlamentar para a compra de um ônibus escolar.

A Secretaria de Relações Institucionais informou que o pagamento de convênios "depende da apresentação dos projetos e atende a critérios e exigências rigorosamente técnicos". Diz que o atendimento ocorre sem discriminação e justifica o fato de partidos aliados serem mais atendidos: "É natural que as prefeituras ligadas aos 14 partidos da base do governo recebam mais recursos simplesmente porque o número de prefeitos da oposição é muito menor. Como exemplo, podemos citar a prefeitura do Rio, ligada a um partido da oposição, que tem recebido uma série de recursos do governo federal por meio de convênios com diversos ministérios".

Além dos parcos recursos de convênios federais, a prefeitura do Rio tem um dos piores desempenhos na implantação de um dos programas-modelo do governo federal, o Saúde da Família. O Rio tem 149 equipes de saúde da família - que prestam atendimento a 8% da população. No início do mandato de Cesar Maia, eram 57 equipes (3% de cobertura). Em todo o estado há 1.385 equipes, que cobrem 30% da população - em 2005 eram 1015 equipes e a cobertura, de 23%.

O programa depende da iniciativa municipal, segundo o Ministério da Saúde, que não comenta o caso do Rio. Cesar Maia diz que os critérios do programa não se ajustam à realidade da cidade e culpa a violência:

- Poderíamos ter, talvez, uns 100 mil atendimentos a mais se os médicos aceitassem trabalhar em favelas. Se os candidatos reclamam que não podem entrar, os médicos têm medo. É o único problema.

domingo, 17 de agosto de 2008

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


MORRE O POETA DO MAR
O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1060&portal=

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA


NOTÍCIA DE UM ASSALTO INUSITADO
Ferreira Gullar

Havia necessidade de expressar o momento, quando um cheiro de jasmim atacou-me

CERTA noite, ao sair do prédio onde mora a Cláudia, fui surpreendido -seria melhor dizer agredido? assaltado?- por uma onda perfumada que me arrebatou: era o perfume que, como uma espécie de gás, emanava das flores de um jasmineiro postado ali, a poucos passos do portão do edifício.

Aturdido e inebriado, arranquei do jasmineiro um punhado de flores e, chegando-as ao nariz, aspirei-lhes avidamente o aroma que, para minha surpresa, revelou-se selvagem e quase me envenena. Embriagado, caminhei até o carro, nele entrei, atirei as flores sobre o banco ao lado e parti na noite, como não fosse para casa.

Mas fui e, ao chegar, depus sobre a estante da sala as brancas flores que já não exalavam tanto odor. Era óbvio que daquela inusitada aventura, nascesse um poema. E foi o que ocorreu, mas não naquela noite, que já havia sido suficientemente avassaladora.

Na manhã seguinte, sentei-me para escrever o poema que deveria expressar a aventura vivida na noite anterior, num jardim da rua Senador Eusébio, no Flamengo. Tinha diante de mim um papel em branco. Sim, e agora, o que fazer?

Por onde começar? Não sabia. Tudo o que havia era uma necessidade de, com palavras, expressar aquele momento quando um cheiro de jasmim atacou-me e aturdiu-me, como um assaltante vaporoso surgido da treva.

O poema, sabe, nasce do espanto, isto é, de um instante em que o enigma sempre não explicado e oculto da existência se põe à mostra. E então vemos que todas as explicações não explicam tudo, não explicam o que o cheiro de um jasmineiro nos revela, de repente, de noite, num jardim do Flamengo.

Até certo ponto, por seu caráter inusitado, o poema é uma notícia: notícia de um fato fora da História mas que pertence a ela, e que o poeta, como um repórter bêbado, quer dar a conhecer ao mundo, um testemunho: um cheiro de jasmim atacou-o, de súbito, num jardim aparentemente seguro, às 11h50 de uma noite de quinta-feira.

No entanto, dito assim como notícia, a ocorrência não chega a ser um poema. Seria, quando muito, uma nota na página policial do jornal, assim: "jasmim agride cidadão desavisado, no Flamengo". Caberia, na nota, uma referência ao policiamento ineficiente do bairro pelas autoridades competentes.

E não haveria exagero, se se leva em conta que, quando saí do prédio e fechei o portão, mal desci os dois degraus até o chão de terra, o assaltante, embuçado no jasmineiro -e que era o próprio jasmineiro- saltou sobre mim, como sombra, ou melhor, como aroma, e me agrediu nariz a dentro. Um assaltante disfarçado de arbusto, agindo impunemente num bairro residencial constitui de certo modo um "furo" jornalístico. E nisso o poema se assemelha à notícia, frutos ambos do ineditismo e do espanto.

Mas não se escreve um poema como se escreve uma notícia, com lide e sublide, tendo por objetivo principal relatar o ocorrido, de maneira o mais impessoal possível, com total isenção e sem ambigüidade. Já no poema, muito pelo contrário, o autor se confunde com o que diz, mistura-se com o fato, de tal modo que não se distingue o ocorrido do imaginado. O poeta, na verdade, não informa -inventa; não instrui o leitor, confunde-o deliberadamente, para deslumbrá-lo.

E por que inventa e confunde? Porque o perfume do jasmim -qualquer perfume- é intraduzível em palavras, e é o perfume -a iluminação, na noite, pelo olfato- que o poeta quer dar no poema, ou quer, melhor dizendo, fazê-lo exalar no teu dia, leitor, já não através do nariz mas da boca, ao lê-lo. Quer te dizer o indizível. E ali está ele, diante da página em branco, onde tudo pode acontecer mas, onde, por ora, nada acontece: apenas o silêncio anterior à fala.

Mas, se o perfume não se traduz em palavras, o que dizer com as palavras? O que há a dizer, de fato, ele não sabe, já que ainda não o disse: é só vontade, impulso indefinido. Assim, antes de ser escrito, o poema é apenas uma difusa intenção, não existe e pode nunca existir. Como a palavra não diz o aroma, escrevê-lo é um jogo de probabilidades, de necessidade e acaso, que começa quando a primeira palavra é posta na página em branco. Ela reduz a probabilidade, que era infinita, ao dar início a um discurso possível e não sabido.

Essa primeira palavra, que poderia ser outra, deflagra a invenção do poema, a aventura imprevisível de escrever o impossível que o poeta dará por finda arbitrariamente. E assim o cheiro do jasmim, que não está nele, tornou possível inventá-lo, como a expressão da ausência do vivido, ou uma de suas possíveis presenças.

DEU EM O GLOBO


MULTINACIONAIS EMERGENTES
Merval Pereira


Nova York. Cada vez mais há indicações de que as economias emergentes, com a crise dos EUA e o crescimento mais lento das economias avançadas, como a da União Européia e do Japão, adquiriram "novos e revolucionários meios de penetrar mercados e desafiar atores consolidados, principalmente por conta da queda dramática dos custos de acesso, processamento e transmissão da informação". Além disso, o economista Cláudio R. Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, vê um sinal mais importante de que o mundo está "de cabeça para baixo": progressivamente essas economias obtiveram a capacidade de sobrepujarem as economias avançadas, tanto no sentido de direcionarem o crescimento mundial, como de ampliarem sua participação nas exportações mundiais e transformarem suas empresas nos vetores internacionais de investimento mais dinâmicos.

A especialista em gestão da Fundação Dom Cabral e do Insead, Betania Tanure, vê a presença maior de multinacionais de países emergentes no mercado mundial como "uma terceira onda", conseqüência do impacto das forças da globalização no comportamento das empresas em todo o mundo.

O estudo de Claudio Frischtak mostra que mais de um quarto (27,8%) das exportações mundiais se originam atualmente de 13 economias emergentes. Algumas, como Hong-Kong, Cingapura, Taiwan e Malásia, já são relativamente maduras e caracterizadas por um forte impulso de integração, tanto no plano das exportações quanto de fluxos de investimentos diretos externos.

Outras, como a brasileira, ainda se encontram num processo de expansão e têm uma representação menos significativa dentre as empresas multinacionais emergentes (EMEs), segundo estudo de Frischtak.

Em 2006, das 100 empresas com os maiores ativos externamente, não mais do que sete eram EMEs, permanecendo um hiato considerável tanto no tamanho como nos indicadores de globalização das multinacionais das economias avançadas em relação às EMEs.

Este hiato está sendo reduzido com o tempo, pelo vigor do crescimento das EMEs, tanto domesticamente quanto nos mercados externos onde estão investidas. Segundo o estudo de Cláudio Frischtak, este dinamismo é maior entre as EMEs asiáticas, porém gradativamente as multilatinas - e brasileiras - vêm se aproximando.

O fluxo de investimento direto externo do Brasil e outras economias emergentes vem se expandindo de forma acelerada nos últimos anos, destaca ele, para ressaltar que mesmo levando em consideração que 2006 foi um ano atípico, pela magnitude da compra da canadense Inco pela Vale, "o país é - dentre os países emergentes e em desenvolvimento - um dos quatro maiores investidores externos".

Ao mesmo tempo, porém, o Brasil é um dos países com o menor número de EMEs: em 2006, de acordo com a UNCTAD, somente 165 empresas brasileiras tinham algum nível de transnacionalidade, tendo em conseqüência uma baixa representatividade entre as 100 empresas com maior nível de transnacionalidade oriundas de economias emergentes e em desenvolvimento: apenas três firmas - Petrobrás, Vale e Gerdau - fazem parte deste conjunto.

Uma perspectiva de médio prazo, contudo, sugere um dinamismo e importância maiores das EMEs brasileiras. Segundo o estudo de Frischtak, para o Brasil, seriam importantes três pontos:

1) evitar uma transnacionalização espúria, realizando as reformas e os investimentos necessários para reduzir os custos de se operar no país e aumentar a competitividade das empresas nacionais;

2) engajar - governo e setor privado - com maior vigor na aprovação de acordos comerciais, de bitributação e, eventualmente, de investimentos com os parceiros comerciais mais relevantes, e reforçar as estruturas de apoio da diplomacia econômica à internacionalização das empresas;

3) ampliar as modalidades de financiamento - até o momento centrado nos recursos do BNDES e eventualmente de um fundo soberano - por meio de uma maior integração do próprio Banco com os mercados de capitais e o acesso a novos pools de financiamento.

Já Betânia Tanure em seus estudos encontra sempre as principais barreiras na gestão de pessoas. O maior desafio é desenvolver e disseminar um "mind set" internacional nas empresas. Segundo ela, desafios considerados externos à empresa existem, como a imagem do país no exterior, negativa ou inexistente, e o "Custo Brasil", incluindo os custos elevados e a inadequação da infra-estrutura, as deficiências do sistema tributário e a fragilidade das nossas instituições.

Mas a aquisição feita pela InBev da cervejaria que fabrica a Budweiser nos Estados Unidos coloca no centro das discussões a competência das empresas em desenhar e implementar estratégias agressivas de crescimento e, mais ainda, conseguir gerir o "day after" das fusões e aquisições.

Betânia Tanure destaca que menos de 5% das fusões e aquisições feitas no Brasil o são por motivos relacionados a incorporação de competências ou a know-how. Justamente por isso, as pesquisas revelam que mais de 50% das F&A não atingem o objetivo proposto.

Segundo Tanure, não basta estar entre as melhores em seu país: é preciso mudar de patamar e medir-se em relação às melhores do mundo. "Foi o que fez a Gerdau, ao tomar como base de comparação a norte-americana Nucor, líder mundial no segmento das mini-usinas", ressalta.

A consultora lembra que é igualmente importante capitalizar experiências internacionais, com o desenvolvimento de produtos e processos e a adoção de novas tecnologias e práticas comerciais, estendendo o aprendizado resultante para toda a rede, incluindo a matriz. Bom exemplo seria a filial da Natura em Saint-Germain-des-Près, em Paris, que se tornou uma verdadeira escola para a organização.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


MANUAL DE AUTO-AJUDA
Dora Kramer


Reza a mais recente lenda eleitoral que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, cumpre uma frenética agenda de palanques para ajudar o PT a eleger seus candidatos a prefeito e vereador.

Depois de muita insistência do partido, o presidente Luiz Inácio da Silva teria “concordado” - contrariado, certamente - em liberar Dilma da regra imposta aos outros ministros, restritos à participação em campanhas nos respectivos domicílios eleitorais, para correr o País para ajudar os petistas a conquistar o coração do eleitorado.

Na mesma toada - menos enfeitada no tocante a devaneios, é verdade - segue o PSDB querendo fazer crer que a presença do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, é imprescindível para eleger tucanos aos magotes nesse Brasil varonil.

Aécio desembarcou outro dia em São Paulo para dar seu aval à candidatura de Geraldo Alckmin e, segundo consta, já gravou participação em programas no horário gratuito de mais de 50 candidatos.

Ao fato: Marta Suplicy disparou na dianteira com 15 pontos porcentuais de diferença sem que Dilma pusesse os pés em São Paulo, eleitoralmente falando; na seara tucana, entre as duas últimas pesquisas e a passagem do governador mineiro pela cidade, Alckmin caiu de 31% para 26% na preferência do eleitor.

E o que Aécio Neves tem a ver com isso? Tanto quanto Dilma Rousseff tem a ver com o desempenho de Marta: nada.

Antes que se diga que São Paulo é um caso à parte, combinemos que a assertiva não influi nem contribui para a análise do tema em tela simplesmente porque não quer dizer nada.

Só não se pode afirmar que a presença dos dois pretendentes a presidente nos palanques municipais de Norte a Sul, de Leste a Oeste, é também desprovida de significado porque, no tocante aos respectivos projetos políticos, quer dizer muito.

A oportunidade de aparecer em palanques reais e virtuais durante mais de 40 dias no País inteiro é uma chance de diamante para quem tem muito capital - próprio ou potencialmente transferível -, mas precisa construir popularidade e disseminar sua imagem para poder pensar em 2010 com objetividade.

Não há nada de errado no movimento de ambos. Ao contrário. Dariam o jogo por entregue ao adversário (os internos e os externos, explícitos e ocultos) se não aproveitassem a campanha de 2008 para, como se dizia na esquerda, acumular forças.

Principalmente no caso da ministra, só não fica bem falar à sociedade na base do sinal trocado, tentando transparecer uma força política que não tem, mas nada impede que possa vir a ter.

No presente momento, se alguém ajuda alguém de verdade são os candidatos municipais quando abrem espaço para seus correligionários com pretensão a dirigentes nacionais.

A ministra da Casa Civil e o governador de Minas quando correm o País não o fazem em auxílio a outrem. Se ajuda há, é em prol da causa própria.

Dilma não é “puxadora” de votos - nem sequer viveu a experiência de produzir alguma quantidade deles na vida - muito menos tem o condão de transferi-los, tarefa árdua até para um ás na captura de mentes como o presidente Lula.

Ao fato: em 2006, Roseana Sarney perdeu a reeleição para o governo do Maranhão, a despeito do apoio de um Lula reeleito.

Merece atenção o que disse o cientista político Jairo Nicolau ao jornal Valor dias atrás: “O presidente influencia, mas o que define votos nessas eleições são os temas locais”.

E mesmo assim, alguns referenciais de competência local não conseguiram impor seus pesos nas respectivas províncias no período inicial das campanhas.

Dois fatos: no mais conhecido, Aécio Neves com mais de 80% de avaliação positiva e o prefeito Fernando Pimentel, popular na casa dos 70%, ainda não fizeram seu candidato sair do terceiro lugar.

No menos, a candidata do PT em Natal tem o apoio de Lula, do presidente do Senado, da governadora, do prefeito, todos maravilhosamente bem avaliados, mas está levando um baile de 20 pontos da adversária sustentada por uma esquisita aliança do PV com o DEM.

Ora, sendo o eleitor um imprevisível, pode virar um rebelde diante de imposições muito explícitas.

Ubaldo

Mãe de criação da paranóia no mundo dos negócios e da política, a grampolândia desenfreada tem deixado espíritos habitualmente atormentados em petição de miséria.

O governador José Serra, por exemplo. Se o assunto requer reserva, põe o indicador sobre os lábios pedindo silêncio e aponta para as paredes em volta sinalizando cuidado com escutas ambientais.

Há quem já tenha presenciado Serra pedir ao interlocutor que retirasse o chip do celular antes de conversar.

Fernando Henrique Cardoso contou o caso a um deputado, mas ele achou a coisa com jeito de intriga da oposição. Até conferir com dois secretários do governo de São Paulo, que confirmaram a história.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


OPOSIÇÃO EM APUROS
Luiz Carlos Azedo

O presidente Lula sentiu o cheiro de animal ferido e, como um predador, resolveu participar da campanha dos aliados já no primeiro turno

Está cada vez mais evidente que o governador José Serra (PSDB) deu um tremendo tiro no pé ao apoiar a reeleição do prefeito Gilberto Kassab (DEM) contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Já não se trata de criar um desafeto no próprio ninho tucano na prefeitura da maior cidade do país. O risco que o governador paulista corre é o de alavancar o PT para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, comprometendo seu próprio favoritismo. O presidente Lula já sentiu o cheiro de animal ferido e, como um predador, resolveu participar da campanha dos aliados no primeiro turno, principalmente em São Paulo, onde Marta Suplicy (PT)agora é líder disparada.

Uma das duas

Marta Suplicy (PT) abriu 15 pontos de vantagem sobre Geraldo Alckmin (PSDB), com 41% dos votos contra 26%, segundo pesquisa do Ibope divulgada sexta-feira passada. Depois, vêm Paulo Maluf (PP), com 9%, e Gilberto Kassab (DEM), com 8%. Soninha (PPS) tem 2% das intenções de voto. Há menos de mês, Marta (PT) e Alckmin (PSDB) estavam em empate técnico. Como a campanha na tevê ainda não começou, o cenário não é definitivo. Uma vitória de Marta simplesmente pode levar Serra a jogar a toalha e disputar a reeleição em São Paulo, com risco até de perder. Tudo dependerá do cenário pós-eleitoral nas grandes cidades do interior paulista, onde o PT também está na ofensiva. É o caso de São Bernardo do Campo, por exemplo, onde eleger o ex-ministro Luiz Marinho virou uma obsessão do presidente Lula. Se vencer, Marta pode disputar o Palácio dos Bandeirantes ou a vaga de candidata petista à Presidência da República com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a preferida do Palácio do Planalto.

Muita fé

A arriscada aposta do presidente Lula no senador Marcelo Crivella (PRB), pastor da Igreja Universal, no Rio de Janeiro, está dando certo até agora. Crivella subiu cinco pontos no Ibope divulgado na sexta-feira, estando com 28% das intenções de voto. O candidato do governador Sérgio Cabral, Eduardo Paes, com 12%, subiu três pontos e passou Jandira Feghali(PCdoB), que caiu três pontos e está com 11%. Para o Palácio do Planalto, porém, o mais importante é que a candidata do prefeito Cesar Maia, Solange Amaral (DEM), cresceu apenas um ponto, estando com 6% das intenções de votos, Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS) desabou de 8% para 4% e está empatando com Chico Alencar (PSol). Ou seja, a oposição pode levar uma surra homérica no Rio.

Um poste

A comunista Jô Moraes (PCdoB) continua em primeiro lugar na disputa de Belo Horizonte, com 18% das intenções de voto, segundo o Ibope. Jô recebe o apoio velado dos ministros petistas Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) e Patrus Ananias (Desenvolvimento Social) e do vice-presidente José Alencar (PRB). Empatados tecnicamente, Leonardo Quintão (PMDB) tem 10%, Márcio Lacerda (PSB) 9% e Vanessa Portugal (PSTU), 5% das intenções de voto. Sérgio Miranda (PDT) está com 3% e Gustavo Valadares, do DEM, aparece com 2%. O governador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o prefeito Fernando Pimentel (PT) apóiam Lacerda, mas terão que suar muito as camisas para provar que são capazes de levantar um poste. A esperança, porém, não morreu: o candidato oficial subiu um pouquinho depois que tirou os óculos escuros.

A virada

Para complicar a vida da oposição, em Recife, o candidato do PT, João da Costa, passou o ex-governador José Mendonça Filho (DEM), segundo a mesma rodada de pesquisas do Ibope divulgada sexta-feira pela TV Globo. Cabeça de uma coligação de 15 partidos, Costa subiu 10 pontos e tem 30% das intenções de voto. Mendonça, caiu três pontos e está 27%. Cadoca (PSC), apoiado pelo ex-deputado Roberto Freire, presidente do PPS, caiu de 22% para 20%; e Raul Henry (PMDB), candidato do ex-governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), perdeu um ponto e está com 7%. Ou seja, mais uma capital estratégica onde a oposição está em apuros.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS


VENCER OU VINGAR
José de Souza Martins*


A nova esquerda pensa a nova sociedade como restauração e punição, na perspectiva e limites estreitos da tradição conservadora

O debate em torno do alcance da anistia política decretada ainda no regime militar não apenas põe na agenda da nossa consciência política os temas opostos do perdão e da vingança. Sobretudo, expõe as limitações do ideário das esquerdas no Brasil, já decantado pela anômala duração do regime autoritário, que expressou a fragilidade da nossa competência democrática. Decantado, também, pela extrema fragmentação das esquerdas, que o regime acentuou, dispersas por dilemas doutrinários.

A anistia foi um convite ao esquecimento do terrorismo do Estado e dos crimes que inventou para prender, torturar e matar. Num certo sentido, na lei de anistia o regime militar reconheceu oficialmente sua derrota pela sociedade civil obstinada que, por caminho diverso daquele dos que optaram pela luta armada para derrubá-lo, acabou por vencê-lo e superá-lo. O retorno à questão da anistia, concedida pelo próprio culpado, deixa de lado o fato de que a tortura era apenas a ponta extrema de um encadeamento perverso que ia do informante ao torturador, informante que, como mostram os documentos da espionagem e da repressão políticas desde os anos 20, não raro era conhecido, vizinho, amigo e até parente da vítima. Sem contar o fato de que no regime autoritário o Estado brasileiro se duplicou. Havia o Estado legal, mutilado pelas leis de exceção, e havia o Sistema, o Estado paralelo e invisível da tortura e das verbas secretas. Havia o Estado para inglês ver e o Estado para brasileiro sentir. É estranhíssimo que se defenda o torturador como se fosse legítimo funcionário do Estado legal.

Nesse processo à margem das opções radicais, uma das grandes transformações políticas ocorridas no Brasil durante a ditadura foi a fragilização da esquerda materialista e o fortalecimento e disseminação de uma nova esquerda fortemente enraizada no pensamento religioso, em particular no pensamento católico. Isso não ocorreu apenas no Brasil. Em vários países da América Latina, sob influência da Teologia da Libertação, Marx ganhou adeptos onde até então só tivera inimigos.

Essa nova esquerda chegou ao poder na Nicarágua, com o sandinismo, e no Brasil, com o petismo, aparente mescla de esquerdas antigas e novas. Mas na verdade sólida e nova organização política e ideológica, fortemente dependente da esquerda religiosa, que entre nós se disseminou com vigor e competência, sobretudo a partir dos anos 70. Uma esquerda que nasceu a propósito para ocupar o espaço perdido pela velha esquerda, esvaziada pelas próprias contradições.

A substancial diferença entre a velha esquerda e a nova esquerda está no abandono da concepção dialética da história e sua redução a uma concepção maniqueísta e caritativa da questão social. Em relação à velha esquerda, a nova esquerda desconhece completamente o princípio da superação como ponto referencial da prática política e desconhece, em decorrência, o primado do historicamente possível na orientação da ação política. Uma renúncia completa ao reconhecimento de que o historicamente possível se propõe no plano das condições sociais e políticas do agir histórico.

Não apenas neste retorno à questão da anistia, mas no próprio móvel da nova esquerda, de que o agir político se resume à revisão da história consumada, à revisão da própria historicidade que trouxe este País até o ponto em que estamos. Em vez de transformar, retroceder. Em diferentes momentos destes últimos 30 anos temos testemunhado surtos de revisão da história, propostos como tentativas radicais de refazer o já feito. Tudo compreensivelmente dominado por uma larga e amarga consciência das grandes injustiças que marcaram a história social do Brasil ao longo dos séculos, das escravidões indígena e negra, e mesmo branca, na peonagem, até às iniqüidades sociais do presente.

Já nas comemorações do quinto centenário da descoberta do Brasil a mentalidade da nova esquerda se fez presente, na própria celebração da missa pelo enviado papal, na Bahia, na tentativa de transformá-la numa celebração alternativa que, decantando a realidade mestiça e mesclada, resgataria a pureza virginal das supostas raças constitutivas da sociedade brasileira para pedir-lhes perdão pela iniqüidade de tê-las transformado em brasileiras, é verdade que por meio de penoso, violento e iníquo processo histórico. O próprio cardeal sentiu-se obrigado a mencionar que a história não é só de perdas, mas também de ganhos. Ali, justamente, o pedido de perdão aos índios por ter o Brasil e terem os brasileiros os privado de suas terras, de sua cultura e de seus direitos imemoriais careceu de sentido. Só é legítimo e político o pedido de perdão quando a vítima a que se dirige está em condições de perdoar. Os mortos não têm como fazê-lo. No mínimo está em jogo, em casos assim, a legitimidade da representação dos que foram vitimados pelas injustiças e violências reconhecidas, que contraditoriamente são também herdeiros de seus benefícios. Em relação ao negro tem se repetido pedidos de perdão que não alteram os fatos consumados nem reorientam a sociedade no sentido de que tais iniqüidades não voltem a ocorrer.

Volta e meia, os militantes da nova concepção de revolução social se emaranham num passado idealizado, como o dessa ficção das três raças originárias, para reivindicarem e imporem mudanças em nome do pretérito. Na verdade, uma idealização vingativa do passado, em que o vingador se iguala, na lógica e nos procedimentos, aos responsáveis pelas iniqüidades cujo reparo pedem, porque pleiteiam a anulação de identidades e o apagamento da pluralidade do ser social de agora. Não há aí a concepção de superação do presente, de construção da sociedade nova que todos almejam. O mesmo ocorre em relação à anistia, 29 anos depois. A superação que se pretende baseia-se no pressuposto anti-histórico da anulação da história. A nova esquerda pensa a nova sociedade como restauração e punição, pensa-a na perspectiva e nos limites estreitos da tradição conservadora.

* José de Souza Martins é titular de Sociologia na USP e autor, entre outros, de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto)

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


O PASSADO JÁ PASSOU?
Alberto Dines

Com uma pérola litero-filosófica o ministro da Defesa, Nelson Jobim, pretendia enterrar o debate sobre a revisão da Lei da Anistia. "O passado já passou", pontificou e com isso tentava diminuir as novas tensões produzidas a respeito dos Anos de Chumbo.

O ministro cometeu pelo menos dois deslizes: o pretérito não é um vazio, nem é oco, é apenas um estado anterior ao momento em que se está. Seu potencial de energia não pode ser esvaziado. Quem intempestivamente tirou do armário a questão da tortura e dos torturadores foi o seu colega da Justiça, Tarso Genro. Mas como ministros não podem confrontar-se em público, a culpada é a de sempre, a imprensa.

Basta olhar a primeira página dos jornais de ontem, hoje e amanhã para verificar que o passado não passou, nem está extinto. É real, palpitante. Às vezes sossega, mas vive, como um vulcão inativo. Cada lance do noticiário é uma remissão ao já acontecido.

O esforço da China nesta Olimpíada para igualar-se ao Ocidente nada tem a ver com uma disputa ideológica, é um empenho nacional para superar velhas frustrações e humilhações que remontam às Guerras do Ópio em meados do século 19 (1839-42 e 1856-60).

A questão das algemas que apaixona nossos juristas é outra prova da inabalável persistência de velhos problemas. A grande verdade é que perdemos a guerra contra a corrupção tanto no campo moral como penal e, para não encarar a cruel realidade, nos divertimos com bizantinices e eufemismos forenses.

A mais cabal contestação da teoria jobiniana a respeito da anulação do passado é oferecida pela nova catástrofe bélica nos confins do Velho Mundo. O passado insepulto foi o protagonista do banho de sangue nos Bálcãs. Novamente esquecido reaparece no Cáucaso. A Geórgia, enquanto Estado organizado, enfrentou a pressão imperialista da Rússia desde os tempos de Catarina, a Grande (1783).

A resistência georgiana remonta aos primeiros séculos da Era Comum com a adoção de um alfabeto próprio e uma rica produção literária. Na antiga URSS, a República da Gruzínia manteve a sua identidade e depois da Perestroika, graças à presença do georgiano Eduard Shevardnadze ao lado de Gorbachiov, consolidou-se como ente nacional. Em 1991 chegou a suprimir a autonomia da Ossétia do Sul e da Abkhazia, antigos enclaves russos, experiência que tentou reeditar agora.

São venerandas as queixas paraguaias contra o Brasil e não se resumem às magras tarifas que pagamos pela energia de Itaipu. Nesta sexta-feira, ao comparecer à posse do ex-bispo Fernando Lugo, o presidente Lula foi cobrado nas ruas de Assunção por populares. Ninguém lembrou da Guerra do Paraguai (como aqui a conhecemos), ou a Grande Guerra como é chamada pelos antigos adversários ou Guerra da Tríplice Aliança (como é conhecida na Argentina e Uruguai).

O maior conflito internacional no Novo Mundo (1864-1870) derrubou o caudilho Solano Lopes e devastou o Paraguai, morreram 300 mil soldados e até hoje o país ressente-se do desbalanceamento demográfico. A sobrevivência da oligarquia dos colorados que o novo presidente veio interromper é, em grande parte, atribuída ao Brasil. Trata-se de um passado que, para os paraguaios, ainda não passou.

Um pouco mais de história e mais cuidado com as blagues são de grande utilidade aos aprendizes de política. Ao rever as razões que levaram a França e Alemanha a engalfinharem-se três vezes ao longo de 69 anos seus dirigentes produziram os acordos iniciais que culminaram com a criação da União Européia, experiência supranacional única na história da humanidade.

O passado não pode ser sepultado nem passado a limpo. Ignorá-lo leva às repetições (como disse George Santayana), remoê-lo, agarrar-se a ele, leva ao revanchismo.

Déspotas abominam a memória, também os oportunistas. Com o passado convive-se. E se aprende.

» Alberto Dines é jornalista.

DEU NO ESTADO DE MINAS


O POVO E OS POLÍTICOS
Marcos Coimbra

"Analisados em conjunto, os resultados da pesquisa mostram que há muitos preconceitos e estereótipos na visão da população sobre a política, somados a muita desinformação. Mas há nela muita coisa que se formou a partir do que fizeram e deixaram de fazer nossos políticos"

A pesquisa que a Associação dos Magistrados Brasileiros encomendou à Vox Populi, divulgada esta semana, tem muitas coisas que merecem comentário. Feita em todo o país entre os últimos dias de junho e o começo de julho, ela ouviu cidadãos de todos os segmentos socioeconômicos e demográficos, residentes nas capitais, cidades médias e pequenas. Fornece um retrato do que pensam as pessoas sobre temas políticos e institucionais na véspera das eleições municipais.

Seus resultados não são surpreendentes e confirmam achados que outras pesquisas, recentes e mais antigas, encontraram. Pode-se, portanto, dizer que ela revela um quadro de percepções estáveis, quando não cristalizadas, de nossa população a respeito desses assuntos.

Como a grande maioria das conclusões da pesquisa está longe de ser favorável, temos aí uma primeira nota de preocupação. Se a desconfiança e o desapreço das pessoas pelo sistema político e seus atores diretos, os políticos, mostrados por ela, fossem conjunturais, causados por uma crise episódica qualquer, seria menos grave.

Não é esse o caso. Pensando no que ocorreu na política brasileira nos últimos anos, até que estamos vivendo um período bom, sem nenhum grande escândalo em pauta. Os vilões mais recentes, aliás, estão na iniciativa privada, ao contrário do que tem sido a regra.

Se, então, nos bons tempos, as coisas são assim, imagine-se nos maus! A pesquisa mostra quão disseminados são alguns sentimentos hostis em relação àqueles que se dedicam à vida política: 82% dos entrevistados acham que os políticos não cumprem as promessas que fazem nas campanhas; 85% que a política é uma atividade que os beneficia mais que aos eleitores; 64% acreditam que os políticos escapam da punição quando cometem irregularidades.

Uma nuvem de desconfiança envolve as instituições de representação: 52% das pessoas ouvidas não concordam com a frase “De modo geral, as eleições no Brasil são feitas de maneira limpa, sem fraudes, e têm resultados confiáveis”. Apenas 57% dos entrevistados discordam da frase “No sistema eleitoral brasileiro, os políticos têm como ficar sabendo em qual candidato cada eleitor votou”, ou seja, quase a metade não sabe dizer ou concorda que, em nosso sistema eleitoral, o eleitor não pode estar tranqüilo com a inviolabilidade de seu voto. A conseqüência disso é a elevada concordância, de 73% das pessoas ouvidas, com a frase “No Brasil de hoje, ainda acontece de alguém votar em um candidato só por medo de perder o emprego”.

Talvez por se sentir perdida dentro de um sistema em que confia pouco, a maior parte das pessoas reage com cinismo ao que supõe ser suas regras, como se dissesse que, se é assim que as coisas são, “quero também levar vantagens”. Nada menos que 60% dos entrevistados concordam com a expressão “A maioria das pessoas que conheço aceitaria votar em um candidato em troca de alguma vantagem pessoal”.

Sentimentos como esses não são, contudo, os únicos que a pesquisa revela. Quase a totalidade dos entrevistados, 89%, considera errado que “o eleitor receba ajuda de um candidato em troca do voto”; duas em cada três pessoas ouvidas acredita que “meu voto em um candidato pode mudar muito a minha vida, tanto para melhor quanto para pior”, indicando que a descrença na validade dos mecanismos democráticos existe, mas é minoritária.

Analisados em conjunto, os resultados da pesquisa mostram que há muitos preconceitos e estereótipos na visão da população sobre a política, somados a muita desinformação. Mas há nela muita coisa que se formou a partir do que fizeram e deixaram de fazer nossos políticos.

Aumentar a informação sobre as instituições, torná-las mais transparentes, evitar que mudem a cada capricho de alguém, tudo isso tem que ser feito. Mas de pouco vai adiantar se os próprios políticos não se convencerem de que precisam mudar.

Em quê, não há um que não saiba.