quinta-feira, 17 de maio de 2012

Alvo de bronca de Dilma diz que se conteve para não reagir

"Tive que me acalmar, senão seria pior", diz representante de municípios

Vaia após discussão sobre royalties do petróleo em encontro com prefeitos irritou presidente em público

BRASÍLIA - Um dia depois de ser repreendido em público pela presidente Dilma Rousseff, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, disse ontem que evitou reagir para não prolongar a cena constrangedora. "Tive que me acalmar, porque senão seria pior", disse.

A cena ocorreu depois que Dilma foi vaiada ao discursar durante encontro com prefeitos do país inteiro num hotel de Brasília, na terça-feira. Havia 2.500 prefeitos no hotel.

Instada pela plateia a se pronunciar sobre a divisão das receitas de royalties do petróleo, que os municípios desejam mudar, a presidente afirmou que eles deveriam desistir de mexer nos campos de petróleo que já estão em exploração e restringir o debate apenas aos que serão explorados daqui para frente.

A declaração de Dilma foi recebida com vaias pelos prefeitos e ela irritou-se. Encerrada a solenidade, ela se levantou e dirigiu-se com o dedo em riste a Ziulkoski, que estava a seu lado no palco.

Segundo Ziulkoski, a presidente lhe disse nesse momento que os municípios vão perder se insistirem em alterar as regras dos campos de petróleo mais antigos. "As imagens que estão lá falam mais do que as minhas palavras", afirmou Ziulkoski.

"[A divisão dos royalties] é um assunto polêmico que suscita muitas paixões", disse a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. "A presidente foi muito corajosa e clara com os prefeitos."

Ziulkoski esteve ontem com dezenas de prefeitos na Câmara dos Deputados. Eles ocuparam o Salão Verde da Câmara com camisetas que faziam referência à discussão da véspera: "O Brasil quer royalties para todos".

FOLHA DE S. PAULO

Acordo exclui governadores de foco da CPI

Após ameaças de lado a lado, governo e oposição decidiram restringir apurações apenas ao grupo de Cachoeira

Também vão para o arquivo os pedidos de quebra de sigilo das contas da Delta em todo o país e de Cavendish

Andreza Matais, José Ernesto Credendio

BRASÍLIA - Governo e oposição fizeram ontem um acordo para não investigar governadores, o comando nacional da empreiteira Delta e parlamentares na CPI do Cachoeira.

O pacto tem como objetivo restringir o foco da comissão a personagens secundários do grupo do empresário Carlinhos Cachoeira.

O acordo, que deve esvaziar politicamente a CPI, surgiu após PT e PMDB ameaçarem aprovar na sessão de hoje da comissão um requerimento de quebra do sigilo telefônico do governador Marconi Perillo (PSDB-GO), suspeito de ter vendido casa ao empresário -ele nega.

Mas o líder tucano no Senado, Alvaro Dias (PR), mandou avisar ao relator Odair Cunha (PT-MG) que retaliaria, apresentando requerimento de igual teor contra os governadores Agnelo Queiroz (PT-DF) -também suspeitos de envolvimento com o grupo de Cachoeira- e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que aparece em fotos e vídeos confraternizando com o empresário Fernando Cavendish, dono da Delta.

"Se houver deliberação a respeito do Perillo, vamos dar o troco", disse Dias.

Diante da ameaça, petistas e peemedebistas recuaram e decidiram focar os trabalhos nos auxiliares diretos de Cachoeira, já fartamente investigados pela Polícia Federal.

Com o acordo, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) foi convencido a retirar o seu requerimento que pedia a quebra do sigilo do governador de Goiás da pauta da reunião de hoje. "Para não parecer uma proteção aos demais governadores, vou pedir para que o meu não seja votado."

Também vão para o arquivo os pedidos de quebra de sigilo das contas da Delta em todo o país e de Cavendish.

Agora, só será pedida a abertura dos dados da Delta no Centro-Oeste, base das operações de Cachoeira.

O PSDB, que defendia a quebra do sigilo da empreiteira, concordou em restringir o pedido ao Centro-Oeste em troca de salvar Perillo.

Para o governo, não interessa investigar a Delta nacionalmente porque a empresa é a maior recebedora de recursos federais desde 2007.

Isso apesar de as investigações da Polícia Federal na Operação Monte Carlo terem levantado suspeitas de que Cavendish sabia das ações conduzidas pelo ex-diretor da empreiteira no Centro-Oeste Claudio Abreu.

A Delta diz que eventuais desvios são responsabilidade de Abreu.

Parlamentares como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), também foram deixados de lado. Não serão votados requerimentos de convocação hoje.

FOLHA DE S. PAULO

Saída do governo Agnelo: Freire anuncia intervenção no diretório do PPS do Distrito Federal

Freire vai entregar todos os cargos que ocupa no governo Agnelo Queiroz

Valéria de Oliveira

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), divulgou, nesta quarta-feira, nota anunciando intervenção no diretório regional do partido no Distrito Federal. No texto, Freire afirma que está autorizado pela Executiva Nacional a tomar medidas para tornar efetiva a decisão de afastar o PPS do governo do DF.

A decisão da Executiva foi tomada no último dia 8 por unanimidade. Resolução resultante desse entendimento determinou ao diretório do DF que entregasse todos os cargos ocupados por filiados no governon Agnelo Queiroz, o que não ocorreu.

A razão do afastamento, diz a resolução, é que as denúncias de envolvimento do governador com o contraventor Carlinhos Cachoeira, apontada pelas operações Vegas e Monte Carlo, estavam expondo o partido, nacionalmente, "a uma posição constrangedora, contrária aos princípios republicanos" que a sigla defende.

Roberto Freire determina a constituição de uma Comissão Organizadora, com prazo de seis meses para convocar um congresso que elegerá o novo diretório no DF.

Leia, abaixo, a nota sobre a intervenção.

"PARTIDO POPULAR SOCIALISTA

Resolução Orgânica nº 06/2012

Considerando o não cumprimento da Resolução Orgânica nº 5 pelo Diretório do PPS do Distrito Federal;

Considerando que a Executiva Nacional do PPS, em reunião ocorrida no dia 08 de maio de 2012, autorizou o Presidente Nacional a tomar as medidas necessárias para tornar efetiva a decisão de afastamento do partido do Governo do Distrito Federal;

O Presidente da Comissão Executiva Nacional, RESOLVE:

Art. 1º. Intervir no Diretório do Partido Popular Socialista do Distrito Federal, constituindo Comissão Organizadora, com prazo de seis meses, nos termos do artigo 30, parágrafo único, do Estatuto do PPS.

Art. 2º. Nomear Comissão Organizadora do partido no Distrito Federal, composta pelos seguintes membros: Caetano Ernesto Pereira de Araújo (presidente), Irina Abigail Teixeira Storni, Aldo Pinheiro da Fonseca, Augusto Silveira de Carvalho, Demétrio Carneiro da Cunha Oliveira, Teia Lira Fernandes e Francisco de Sousa Andrade.

Art. 3º. Encaminhar o pedido de anotação da Comissão Organizadora para o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.

Brasília, 15 de maio de 2012.

Roberto Freire
Presidente Nacional"

FONTE: PORTAL DO PPS

Código de Ética de Cabral não investiga governador e vice

Texto afirma que as acusações contra eles devem ser investigadas pela Assembleia

RIO - Publicado no "Diário Oficial" do Estado de segunda-feira, o Código de Conduta do governo estadual não poderá investigar irregularidades eventualmente praticadas pelo governador Sérgio Cabral ou por seu vice, Luís Fernando de Souza, o Pezão.

Denúncias contra o governador, por exemplo, deverão ser apuradas pelos deputados da Assembleia Legislativa (Alerj) ou pelo Ministério Público estadual.

A comissão constituída para apurar os desvios dos servidores públicos só irá apurar as suspeitas sobre secretários, subsecretários ou presidente de empresas estatais.

O grupo terá um representante de cinco unidades do governo estadual. Os representantes são indicados pelo próprio governador, pela Casa Civil, secretarias de Fazenda, de Planejamento e pela Defensoria Pública.

De acordo com o novo código, os servidores devem manter distância de eventos sociais promovidos por fornecedores do Estado.

Prevê ainda que servidores devem evitar frequentar os mesmos lugares ou aparentar intimidade com empresários que prestem serviços para o governo do Estado.

O código foi criado em julho do ano passado -logo depois que o governador Sérgio Cabral foi criticado por ter viajado para o sul da Bahia em um avião emprestado pelo empresário Eike Batista, para participar da festa do empresário Fernando Cavendish, da Delta Construções.

A nova redação foi feita após a divulgação de fotos de Sérgio Cabral com Fernando Cavendish e outros executivos em Paris e Mônaco.

As imagens, segundo o ex-governador Anthony Garotinho (PR), mostram as relações "mais do que pessoais" entre Cabral e o empresário que tem muitos contratos no governo do peemedebista.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Governistas impedem convocação dos presidentes do BNDES, Delta e J&F

Caio Junqueira e Maíra Magro

Vanderlei Macris: "Basta ver o número de parlamentares que hoje estão aqui para derrubar o requerimento"

A tropa de choque governista na Câmara dos Deputados impediu ontem a aprovação de um requerimento da oposição na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, cujo objetivo era convocar o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e representantes da construtora Delta - principal empresa envolvida no escândalo envolvendo Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira - e da holding J&F Participações.

Os pedidos foram apresentados pelo PSDB e pelo PPS, para obter esclarecimentos sobre a compra da Delta pela holding. A principal justificativa era de que o frigorífico JBS, uma das principais empresas da holding, recebeu nos últimos anos aportes financeiros do BNDES.

Alguns dos principais articuladores do Palácio do Planalto estiveram presentes na comissão, como o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), o líder do PT, Jilmar Tatto (SP), e o vice-líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

Eles fecharam acordo com a oposição para transformar as convocações em requerimentos de informação ao Ministério do Desenvolvimento, sobre eventual interferência do governo nas negociações e envolvimento de recursos do BNDES na transação. O ministério tem 30 dias para responder.

A oposição não gostou. "É pública e notória a mobilização do governo quando se trata da Delta. Basta ver o número de parlamentares que nunca estão aqui e hoje estão para derrubar o requerimento", disse o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP).

Os governistas, contudo, refutaram essa argumentação. "Estão querendo fazer aqui uma sucursal da CPI. Me parece que tem um esquema de corrupção no Estado de Goiás, então por que o governador de Goiás [Marconi Perillo, do PSDB] não aparece nos requerimentos? Se vocês na CPI não conseguem colocar a agenda que querem, não é aqui que farão isso", disse o vice-líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).

Segundo Cunha, toda vez que há a votação de requerimento para convocar autoridade do governo, a base se mobiliza para derrubar. O líder do PT, Jilmar Tatto (PT-SP), também minimizou a operação governista. "Não houve preocupação em derrubar as convocações.
Todos os líderes estavam ali para prestigiar a ministra Ideli Salvatti, que falaria na sequência."

Na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as relações de Cachoeira com políticos e empresas, o PSDB trabalha para que o governador de Goiás não seja convocado sozinho. "Não vamos permitir que Perillo fique como boi de piranha dessa CPI. Se chamar um, tem que chamar os outros", disse o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

Lideranças tucanas se reuniram na terça-feira à noite com o governador goiano e parlamentares do partido integrantes da CPI, para ouvir explicações sobre as denúncias envolvendo seu nome e discutir estratégias de atuação na comissão.

A comissão reúne-se hoje para votar diversos requerimentos. Devem ser aprovadas as quebras de sigilo de empresas de fachada de Cachoeira e, talvez, da Delta, pelo menos no que se refere a suas operações no Centro Oeste. Alguns integrantes querem também que sejam votadas as convocações de governadores e representantes da Delta.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) estuda chamar os governadores de Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), e do Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB). "Começam a surgir fortes elementos [contra os dois governadores]", disse Randolfe, mencionando supostos contratos entre empresas ligadas a Cachoeira e esses governos. O senador ressalva que os indícios mais fortes são contra Perillo e, em segundo lugar, contra Agnelo Queiroz (PT-DF) e Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ).

Ontem, representantes da defesa de Cachoeira estiveram na sala cofre do Senado onde estão guardados os documentos das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal, enviados à CPI. O advogado Augusto de Arruda Botelho - que representa Cachoeira, no grupo liderado pelo advogado Márcio Thomaz Bastos - disse que, do material que encontrou na sala cofre, a defesa ainda não havia tido acesso à íntegra do inquérito da operação Vegas, já que a denúncia contra Cachoeira foi gerada principalmente pelo material da Monte Carlo.

O advogado afirmou que outros profissionais seriam deslocados para analisar a documentação, mas adiantou que não teriam tempo para verificar tudo. A defesa ainda não decidiu se pedirá novo adiamento do depoimento de Cachoeira à CPI, marcado para terça-feira. Com o acesso dos advogados à documentação, ficou prejudicada a liminar que adiou o depoimento desta semana, concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello.

Parlamentares contestaram a fala do advogado. "Pode ter certeza de que os advogados do Cachoeira têm muito mais documentos que nós temos em nossa sala secreta. E o que temos é falho. Há pastas em branco, arquivos corrompidos, que não abrem. Foi um pretexto para protelar o depoimento do Cachoeira", disse o líder da bancada tucana no Senado, Alvaro Dias (PR). "É uma medida protelatória, mas ele tem o direito de permanecer em silêncio", concordou o senador Randolfe. "Mas será o fim da picada se o Supremo, de novo, deixá-lo não comparecer." (Colaborou Raquel Ulhôa)

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Governo Cabral dá verba a empresa de irmão de secretário

Fábrica de microscópios ganhou empréstimo de R$ 5 milhões antes de ter licença completa para funcionar

Sérgio Cortês (Saúde) não comentou; órgão do governo do Rio diz que critérios para concessão da verba foram técnicos

Marco Antônio Martins

RIO - Uma empresa administrada pelo irmão do secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Sérgio Côrtes, obteve R$ 5 milhões de financiamento do governo do Estado.

O dinheiro para a DFV Comercial e Industrial Ltda foi liberado antes de a empresa possuir a licença completa para funcionar.

A verba saiu em 2 de dezembro de 2010, sendo que as autorizações de funcionamento foram concedidas pelas secretarias de Ambiente e da Saúde apenas em junho e dezembro de 2011, respectivamente.

A apresentação de toda a documentação é uma das exigências para que empresas ganhem o incentivo público no Rio, segundo informação passada no início da semana por Maurício Chacur, presidente do Investe Rio, programa de crédito do governo.

Após a reportagem constatar a situação insuficiente da documentação, voltou a entrar em contato com o órgão, mas a assessoria de imprensa deu versão diversa.

Afirmou apenas que basta a licença de instalação para que haja a liberação.

A Folha não conseguiu falar novamente com Chacur.

A DFV é administrada por Nelson José Côrtes da Silveira, irmão de Sérgio Côrtes.

O secretário estadual de Saúde fez parte da comitiva do governador Sérgio Cabral, em 2009, em viagem a Paris.

Em uma foto dessa viagem, divulgada pelo deputado federal Anthony Garotinho (PR), Côrtes aparece dançando, acompanhado de outros secretários, com um guardanapo na cabeça.

O financiamento de R$ 5 milhões à empresa administrada pelo irmão representou metade do valor, segundo cálculo da própria empresa, para a instalação da fábrica de microscópios, em Valença.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

MPF vai investigar 'venda' da Delta

Procurador abriu inquérito para apurar condições da negociação e já pediu explicações à construtora, ao grupo J&F e ao BNDES

Wilson Tosta

RIO - O procurador da República Edson Abdon abriu inquérito civil público para investigar a venda da empreiteira Delta Construções ao Grupo J&F Participações, proprietária do JBS, frigorífico que tem 31,4% de suas ações sob controle do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O objetivo da investigação, pedida na semana passada pelo procurador regional da República no Rio de Janeiro, Nivio de Freitas Silva Filho, é evitar que os controladores da construtora - mais de 80% são propriedade do empresário Fernando Cavendish - fujam ao pagamento de eventuais prejuízos causados por supostas irregularidades cometidas pela empresa.

A empresa é suspeita de envolvimento com o suposto esquema do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para corromper agentes públicos e superfaturar obras, entre outros crimes. Cachoeira está preso desde fevereiro e o envolvimento de parlamentares com o grupo está sendo investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.

Ontem, deputados e senadores também apresentaram uma série de requerimentos para investigar na CPI do Cachoeira a venda da Delta para o grupo J&F. Há vários pedidos de convocação de representantes das duas empresas. Alguns parlamentares querem ouvir o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Negociação. A venda da Delta, anunciada na semana passada, foi recebida com estranheza pelo mercado. Não houve, segundo anunciado, desembolso de dinheiro. Os novos controladores terão dois meses para administrar a empreiteira e examinar sua contabilidade e compromissos, para então anunciar se vão realmente comprá-la.

Cavendish, que se afastara do Conselho de Administração da empreiteira, não teria alternativa - a outra seria aceitar a falência, já que a perda de credibilidade lhe fechou portas de financiamentos pelos bancos.

Integrante da área de Patrimônio Público da Divisão de Tutela Coletiva do Ministério Público Federal no Rio, Abdon oficiou ao BNDES para que explique sua eventual participação no negócio. O banco nega ter tido influência na compra e afirma que é somente sócio de uma controlada do J&F, sem influência na holding - embora a maior delas.

O procurador também pediu informações sobre a venda à própria Delta e à J&F. Há suspeita de influência política no negócio, já que interessaria ao governo que a Delta, detentora de muitos contratos de obras federais, não falisse, e teme-se que recursos públicos acabem injetados na empreiteira. O Palácio do Planalto nega ter influenciado no caso e afirma que a empreiteira poderá ser declarada inidônea.

Abdon solicitou ainda ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União informações sobre supostas irregularidades envolvendo obras e licitações federais vencidas pela Delta no Rio de Janeiro. O procurador requereu ainda à Junta Comercial cópias dos atos constitutivos da Delta e da J&F e pediu à Secretaria-Geral da Presidência da República cópias de todos os contratos da União com a empresa no Rio. / Colaborou Ricardo Brito

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Esgotamento do modelo contrapõe agenda de reformas ao voluntarismo:: Jarbas de Holanda

A multiplicidade de indicadores negativos do desempe-nho da economia até abril, já com extensão ao mês de maio e incluindo efeito inflacionário da valorização do dó-lar, além de evidenciar a inviabilidade da meta oficial de crescimento do PIB em 2012 (seja a de 4,5% da presiden-te Dilma seja a menos ambiciosa, de 4%, do ministro da Fazenda) e de levar a maioria dos analistas e das institui-ções financeiras a projetá-lo agora abaixo de 3%, ade-mais disso essa multiplicidade está reforçando a cobrança da retomada de reformas macroeconômicas, descartadas desde a segunda metade do primeiro governo Lula. Co-brança que vai passando a dominar as preocupações de crescentes segmentos do empresariado, e também de consultores econômicos politicamente próximos do ex-presidente e de sua sucessora, como Delfim Netto. Que, em nome do realismo, deixou de lado ou relativizou tal cobrança, de sete anos atrás, após o bloqueio à proposta do déficit zero, dele e do então ministro da Fazenda An-tonio Palocci, na sequencia da queda deste. Proposta centrada num consistente controle dos gastos públicos, como arma para combinar baixa inflação e um crescimen-to consistente do PIB ancorado sobretudo em investimen-tos privados, que, porém, recebeu o qualificativo de “tos-ca” ou “rudimentar” da nova chefe da Casa Civil de Lula, Dilma Rousseff.

Pois agora, diante das evidências de esgotamento do modelo baseado na volumosa e bem paga exportação de commodities, dos últimos anos, e na expansão do con-sumo interno propiciada sobretudo pelo aumento dos gas-tos estatais, Delfim retomou a prioridade da reforma tribu-tária em artigo no Valor de ontem, intitulado “Tributação e crescimento”, do qual se seguem alguns trechos: “Como a história ensina, há aritméticas “desagradáveis” que im-põem realismo às políticas sociais e econômicas com ex-cessivo viés quer para o consumo (como é o caso brasi-leiro) quer para o investimento (como é o caso chinês). Elas sempre terminam de forma traumática quando não pressentidas e corrigidas no momento adequado”. “A car-ga tributária bruta do Brasil é, de longe, a mais elevada de todos os países que têm uma renda per capta parecida com a sua (a nossa) e pior: 1º - é absolutamente disfunci-onal (tributa demais os investimentos que são o cresci-mento futuro e as exportações que financiam esse cres-cimento); 2º - é absolutamente injusta e regressiva; 3º - é, talvez, a mais complexa do mundo; 4º - o Fisco persegue apenas a “facilidade” da tributação; e 5º - conserva o mau hábito que tinha justificativa quando havia hiperinflação: o imposto é recolhido antes de o produto ser faturado, e seu valor recebido pelo produtor”.

Relações capital/trabalho e infraestrutura – Por ou-tro lado, a abertura anteontem no BNDES do Fórum Na-cional (em sua 24ª edição e coordenado pelo ex-ministro do Planejamento Luís Velloso, reunindo lideranças em-presariais e autoridades dos governos atual e anteriores) ensejou fortes críticas aos problemas estruturais que en-travam o desenvolvimento do país, combinadas com a demanda de “reformas indispensáveis e urgentes”. Postu-ras assumidas pelos presidentes da Odebrecht e da Sie-mens Brasil em palestras no Fórum que foram objeto de ampla reportagem do Valor, na qual se incluem os seguin-tes trechos: “O empresário não se incomoda de pagar mais para o trabalhador, mas pagar mais para render mais”, afirmou Marcelo Odebrecht. Para o qual o Brasil está sofrendo apenas de forma relativa e localizada (na indústria) os efeitos da crise internacional, e que a verda-deira crise ainda está por vir, será a da produtividade, que ele chamou “a mãe de todas as crises”. “Tanto Odebrecht quanto Paulo Stark, da Siemens, mostraram indicadores segundo os quais o Brasil tem sérios problemas de com-petitividade decorrentes, principalmente, da infraestrutura deficiente, da má qualidade da educação e da falta de re-formas estruturais, como a tributária e a trabalhista”. “O presidente da Siemens mostrou que, além da mão de obra industrial mais cara, o Brasil tem o segundo maior custo da energia elétrica, carga tributária de 40,3% do PIB e custos de logística correspondentes a 20% do PIB”.

A presidente Dilma voltou, ontem no encontro com os prefeitos, a reconhecer a elevada carga de impostos co-mo um dos entraves ao crescimento, somando-a àqueles habitualmente apontados em seus discursos – as defici-ências da infraestrutura e os altos juros praticados no país (pelos quais responsabiliza exclusivamente o sistema fi-nanceiro privado). E ao reconhecimento do problema adi-cionou o propósito de “fazer reforma tributária fatiada”, como destacou o Estadão de hoje, tendo em vista a re-dução do ônus fiscal incidente sobre o setor hidrelétrico. Uma reforma desse tipo, embora positiva, está mais pró-xima das medidas pontuais de respaldo seletivo a algu-mas atividades produtivas, que ela tem adotado, do que de uma resposta de abrangência ampla que as restrições ao crescimento estão exigindo. Resposta esta que, po-rém, implicaria um choque significativo com sua própria visão estatizante, matriz do voluntarismo de suas ações na economia e, tão ou mais complicado que isso, com o populismo do lulopetismo, baseado centralmente no gi-gantismo estatal.

Jarbas de Holanda é jornalista

Inadimplência do consumidor cresce 4,8%

A inadimplência do consumidor aumentou 4,8% em abril ante março, puxada por dívidas não pagas de cartões de crédito, financeiras e outros compromissos, de acordo com a Serasa Experian. Foi a maior variação mensal para abril desde 2002. A pesquisa mostra, porém, que a renegociação de dívidas cresce com a queda dos juros.

Inadimplência do consumidor é recorde

Aumento em abril foi de 4,8% em relação a março e de 23,7% na comparação com mesmo mês do ano passado; alta é a maior em dez anos

Marcelo Rehder, Márcia de Chiara

A inadimplência do consumidor deu um salto de 4,8% em abril na comparação com março. Foi a maior alta para o mês em dez anos, de acordo com o indicador de atraso no pagamento das contas apurado pela Serasa Experian. Em relação a março do ano passado, a variação foi de 23,7%. No primeiro quadrimestre de 2012, a inadimplência cresceu 19,6%.

Para economistas da Serasa, o forte aumento da inadimplência mostra as dificuldades do consumidor de honrar as despesas de início de ano, que incluem o pagamento de impostos como o IPTU (propriedade de imóveis urbanos) e o IPVA (propriedade de veículos), matrícula escolar e primeiras parcelas das compras de Natal. Este ano, as dificuldades foram maiores, por causa do endividamento crescente do brasileiro, e se estenderam para além do mês de março, considerado o mais crítico do ano, avaliam os técnicos.

As lojas já sentem os efeitos da inadimplência sobre as vendas. Nos últimos meses, muitos consumidores se endividaram tanto - quando os juros ainda estavam mais elevados -, que agora não podem mais comprar a prazo, porque tiveram o nome incluído na lista negra de inadimplentes.

Um alto executivo de uma grande rede de varejo de eletroeletrônicos, que prefere ficar no anonimato, conta que, há menos de um ano, 9% das consultas para venda a crédito indicavam pessoas que estavam com o nome sujo na praça e, portanto, só poderiam comprar à vista. Hoje, segundo ele, esse número já chega a 40%.

Em março (último dado disponível), a inadimplência nos financiamentos de veículos no País bateu todos os recordes. Segundo dados do Banco Central, 5,7% dos financiamentos estavam com mais de 90 dias de atraso. Há um ano, a inadimplência no setor era de apenas 3%.

Não por acaso, os bancos passaram a ser mais restritivos na concessão de crédito, o que fez cair as vendas de automóveis. Montadoras e sindicalistas, por sua vez, recorreram ao governo para pressionar os bancos para liberar crédito e alimentar as vendas do setor.

Recuperação de crédito. Dados preliminares de maio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) mostram que o calote do consumidor paulistano teve forte crescimento na primeira quinzena deste mês. Entre os dias 1.º e 15 de maio, o número de carnês com prestações atrasadas acima de 30 dias cresceu 3,6% em relação ao mesmo período do ano passado, depois de ter encerrado abril com alta de 1% na comparação anual.

Apesar de a taxa de crescimento ter mais que triplicado de um mês para outro, a pesquisa mostra que a renegociação de dívidas em atraso teve crescimento significativo. Na primeira quinzena de maio, cresceu 5,5% o número de carnês inadimplentes renegociados em relação aos mesmos dias de 2011. Em abril, o acréscimo do volume de dívidas renegociadas tinha sido de 3,2% em relação ao mesmo mês do ano passado.

"A inadimplência acelerou um pouco, mas o movimento de queda dos juros está contribuindo mais para a renegociação das dívidas em atraso do que para ampliar as vendas financiadas", observa o economista da ACSP, Emílio Alfieri. Ele diz que, com encargos menores, os consumidores estão lidando melhor com a inadimplência.

Para se ter uma ideia do impacto do juros na renegociação, o economista destaca que, da primeira quinzena de abril para a primeira quinzena de maio, o volume de dívidas atrasadas e refinanciadas cresceu 30,6%, enquanto a inadimplência subiu 9% na mesma base de comparação. Alfieri diz que o consumidor neste momento está aproveitando o juro baixo para limpar o terreno da inadimplência e, num segundo momento, deve voltar às compras.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Querem salvar a Delta via BNDES :: Sérgio Guerra

Uma frase antiga ensina que, na política, para entender de verdade os fatos, é preciso esperar as ondas pararem de bater e analisar a espuma.

O que a espuma do escândalo Cachoeira revela é estarrecedor e ofende a integridade dos brasileiros.

Explico.

Existem na República dois cargos que são os mais importantes na definição de um governo, seja pelo seu caráter simbólico ou pelo que significam na realidade: o do ministro da Justiça e o do presidente do Banco Central. Cabem a esses dois cargos, mais do que a qualquer outro, zelar pela Justiça e pelos interesses maiores do país, manifestados nas decisões econômicas que afetam todos os brasileiros. São, portanto, cargos cujo exercício é indissociável da ética.

É, portanto, com perplexidade que os brasileiros são informados pela imprensa que o ex-ministro da Justiça do governo Lula, Márcio Thomas Bastos, se transformou, nada mais, nada menos, do que em advogado de defesa de Cachoeira pela bagatela, publicada, de 13 milhões de reais.

Não fosse essa aberração suficiente, o país é surpreendido com a revelação de que o ex-presidente do Banco Central, também no governo do PT, será o novo presidente da construtora Delta. E isso, numa operação absolutamente atípica, já que a imprensa revela que a holding que comandará a Delta assumirá seu controle sem fazer nenhum aporte financeiro.

Seria abusar muito da ingenuidade dos brasileiros acreditar que os dois teriam aceitado essas funções, sem antes consultar o governo federal e os líderes do PT, já que as biografias e credenciais no mercado de ambos estão certamente vinculadas às suas antigas funções no governo petista.

Mas se alguém ainda acreditasse - e antes que o governo diga que não tem como interferir na atuação profissional de ninguém -, a pá de cal na boa-fé foi dada com a informação divulgada de que a empresa que vai assumir a construtora Delta tem, na verdade, como maior acionista o BNDES. Em outras palavras, o dinheiro público dos brasileiros está sendo usado para salvar a construtora.

E confirmando a tese de que tudo que é ruim pode piorar, um dos donos da empresa controladora afirma em alto e bom tom que o governo federal foi previamente consultado e apoiou essa transação tapa-buraco porque "não quer que a construtora quebre". E arremata: "Imagina que o doutor Henrique Meirelles [ex-presidente do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da holding J&F] vai fazer um negócio que o governo não quer! 99% da carteira da Delta é com o governo federal, estadual e municipal."

O tabuleiro de xadrez se fecha com a lembrança de que, após contratar José Dirceu como consultor, a Delta teve seus contratos com o governo federal ampliados de forma extraordinária.

A pergunta que se impõe é: quais são os verdadeiros elos que existem entre o PT e Cachoeira, que fazem com que alguns dos principais rostos do governo petista estendam a mão de forma tão urgente ao contraventor e à empresa acusada de manter relações ilícitas com ele? Como pode o governo federal se mobilizar - e mobilizar recursos públicos que tanta falta fazem em outras áreas da vida nacional - para salvar uma empresa acusada de superfaturamento e danos ao erário? Por que tanto interesse em ajudar Cachoeira e a Delta?

O que está se passando diante de nossos olhos e o país ainda não enxergou?

Tudo indica que existe um escândalo ainda maior dentro do escândalo gigantesco que já conhecemos.

Sérgio Guerra é presidente nacional do PSDB.

FONTE: O GLOBO

João Gilberto - Palpite Infeliz (Noel Rosa)

Um luxo:: Merval Pereira

Certa vez Caetano Veloso disse que ter tido Fernando Henrique Cardoso e depois Lula como presidentes era "um luxo" para o Brasil. Ontem, na posse da Comissão da Verdade, que não por acaso também marcou a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, tivemos, graças à presidente Dilma, uma demonstração de que estamos avançando, apesar das lutas políticas e dos eventuais desvios, na construção de uma democracia estável e madura.

Para dar o caráter de ato de Estado, e não de um governo isolado, a presidente convidou os ex-presidentes dos últimos 28 anos, o mais longo período consecutivo de democracia que já experimentamos como nação, e se referiu aos dois falecidos, Tancredo Neves e Itamar Franco, reconhecendo o papel que cada um desempenhou nessa nossa caminhada de construção da democracia.

Em seu discurso, a presidente disse que se orgulhava de estar à frente do governo quando essas duas ações entram em vigor, permitindo que o Estado brasileiro se abra, mais amplamente, ao exame, à fiscalização e ao escrutínio da sociedade.

Mesmo que se saiba que muitas repartições públicas não estão ainda preparadas para dar acesso às informações tão amplo quanto o previsto na lei, e que muitos serão os obstáculos para sua plena realização, a Lei de Acesso à Informação é considerada uma das mais avançadas do mundo e permite ao cidadão o acesso a informações públicas não sigilosas, sem nem mesmo a necessidade de justificar a solicitação.

Essa "transparência obrigatória" funcionará, disse Dilma, como "o inibidor eficiente de todos os maus usos do dinheiro público, e também, de todas as violações dos direitos humanos". É o país consolidando seu pertencimento à moderna democracia digital, que permite que a sociedade acompanhe passo a passo a atuação dos funcionários públicos e, por conseguinte, dos governos como um todo.

Esta semana, por um desses acasos que o destino às vezes arma, Lula e Fernando Henrique Cardoso, dois desses ex-presidentes que mais incisivamente ajudaram a moldar a sociedade que está se organizando em torno de valores democráticos, estiveram em destaque no noticiário justamente pelo reconhecimento internacional de suas atuações à frente do governo brasileiro.

O ex-presidente Lula recebeu o "Prêmio Internacional das Quatro Liberdades" (Four Freedoms Awards 2012), homenagem da fundação holandesa Roosevelt Stichting em referência ao discurso proferido em 1941 no Congresso Americano por Franklin Roosevelt, no qual o presidente dos EUA definiu os tipos de liberdade necessários a um mundo seguro: de opinião e expressão, de culto, liberdade das privações e liberdade dos temores. O Four Freedoms Awards é concedido desde 1982 a pessoas e instituições que se engajaram para proteger a liberdade usando instrumentos pacíficos e já foi dado a Nelson Mandela, ao bispo Desmond Tutu, e ao ex-presidente americano Jimmy Carter.

Já a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, a mais antiga instituição cultural do país, concedeu o prêmio John W. Kluge 2012, considerado o Nobel das Ciências Humanas, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "por suas contribuições ao estudo de humanidades e pela liderança na transformação do Brasil".

O prêmio Kluge existe desde 2003, quando foi agraciado o filósofo polonês Leszek Kolakowski, e não tem periodicidade: desde 2008 não era concedido. Normalmente o prêmio de US$ 1 milhão, o mesmo valor do Prêmio Nobel, é dividido entre dois ganhadores, mas desta vez o ex-presidente brasileiro foi premiado sozinho.

O presidente Lula ganhou o Prêmio Quatro Liberdades "por ter demonstrado ao longo de toda a sua vida um compromisso com a justiça social e econômica, e por ter contribuído para promover um clima de paz e conciliação entre as nações do mundo". A Fundação Roosevelt Stichting considerou Lula uma inspiração para a comunidade internacional por sua "ascensão da pobreza abjeta à Presidência do Brasil, e sua determinação em livrar o país da extrema pobreza e da injustiça social que por tanto tempo flagelaram seus cidadãos menos afortunados".

Lula não pode comparecer à cerimônia, que contou com a presença da princesa Beatrix, por causa de sua saúde, mas enviou um vídeo no qual descreve as liberdades de opinião e expressão e a de culto, como "a cúpula de um edifício, devendo assegurar a todos o direito de pensar e crer". Mas salienta que "para levantar-se bem alto, o edifício deve contar com sólidos alicerces", que na imagem do ex-presidente seriam as "liberdades de base", a das privações e a dos temores.

"Estas devem assegurar uma vida digna a todos, acima da penúria, garantindo uma participação justa nos bens materiais".

Fernando Henrique Cardoso foi escolhido para o prêmio John W. Klkuge - um magnata americano do ramo das comunicações benfeitor da Biblioteca do Congresso - porque "aplicou políticas coerentes com seu trabalho acadêmico. Suas análises das estruturas sociais do governo, da economia e das relações raciais no Brasil assentaram as bases para sua liderança como presidente na transformação do Brasil de uma ditadura militar com alta inflação a uma democracia vibrante, inclusiva e com forte crescimento".

Segundo a Biblioteca do Congresso, a profundidade intelectual do ex-presidente, a quem classifica de um dos "maiores líderes do Brasil", fica clara no fato de seus sucessores na presidência terem mantido várias de suas políticas.

"O presidente Cardoso tem sido o acadêmico moderno que combina o estudo aprofundado com o respeito pela evidência empírica. Sua aspiração fundamental é buscar sobre a sociedade a verdade que melhor possa ser determinada, enquanto se mantém aberto à revisão de conclusões diante de novas evidências", disse James Billington, o presidente da Biblioteca do Congresso dos EUA, que considera FH "em termos puramente acadêmicos, o mais destacado cientista político do fim do século XX na América Latina".

Não é mesmo um luxo?

FONTE: O GLOBO

Exceção à velha regra:: Dora Kramer

A citação do autor até desqualifica o tema, mas no marco da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação é simbólica a frase do notório Delúbio Soares - "transparência assim é burrice" - sobre uma proposta discutida no PT em 2004 sobre a abertura das contas de campanhas eleitorais na internet.

Com todos os percalços, resistências, lacunas, dúvidas, atrasos, despreparos, enfim, dificuldades oceânicas a serem enfrentadas, nada invalida o valor da nova legislação.

Por mais complicada que se configure sua execução e ainda que seja muito demorada a sua efetiva inclusão nos meios e modos de o Poder se relacionar com o direito do público à informação, a nova regra por si já terá o condão de iniciar um processo de mudança no País.

Ficará mais difícil alguém ousar tratar o conceito de transparência como sinônimo de falta de inteligência, inépcia ou tolice com aquela falta de cerimônia de anos atrás, quando a argumentação foi suficiente para um partido aceitá-la e rejeitar a exibição de suas contas no curso do processo eleitoral.

Haverá obstáculos a atos como o do governador Sérgio Cabral Filho no ano passado quando recorreu ao Supremo Tribunal Federal para restringir o uso de requerimentos de informações do Legislativo ao Executivo por considerá-los "abusivos" e causadores de "embaraços" à administração.

No primeiro momento, a nova lei pode até não ser eficaz. E provavelmente não terá mesmo a eficácia pretendida no texto. Ambicioso, saudado por especialistas nacionais e estrangeiros por sua modernidade e abrangência, está a léguas de distância da realidade atual.

Mas sem a indicação do ideal não se pavimenta o caminho do possível. Correndo o risco de incorrer em excesso de otimismo, diria que agora mais importante que o tamanho do trajeto é o passo inicial.

Em muitos, senão na maioria dos países onde já existem legislações semelhantes, a prática mostra-se distinta da teoria em variados graus; em muitos deles os avanços ainda não são significativos comparativamente ao tempo de vigência da regra.

A enormidade do caminho a ser percorrido, o desafio de fazer acontecer é enorme e fundamental, mas na essência menor que a magnitude da mudança de concepção proposta.

Inverte-se, por ela, a noção de que o Estado é dono soberano absoluto da informação e que a torna disponível ao cidadão quando e se achar conveniente. Como se fizesse um favor.

Essa regra, pelo que está escrito na lei, torna-se a partir de agora a ser obrigatoriamente vista como exceção.

A sociedade passa a deter de fato o direito sobre as informações das quais o Estado, fica entendido, é mero guardião. Despido do monopólio do conhecimento e desprovido da prerrogativa da ocultação.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Memória e história:: Eliane Cantanhêde

Dilma Rousseff pode ter vivido ontem o grande momento de seus quatro (ou oito) anos de governo, com a instalação da Comissão da Verdade e o início da Lei de Acesso à Informação. São dois passos importantes para um país que há 27 anos tricota sua democracia.

A menina que lutou, foi presa e torturada por uma ditadura militar tornou-se a primeira presidente mulher do Brasil e, emocionada, mal contendo o choro, lembrou que a verdade não é retaliação nem perdão, é "memória e história".

E centrou no drama interminável dos desaparecidos, que é um drama também de cada um de nós: "É como se disséssemos que existem filhos sem pai, existem pais sem filhos, existem túmulos sem corpos".

Para dar um caráter histórico à cerimônia, Dilma se fez ladear pelos antecessores Sarney, Collor, Fernando Henrique e Lula, brindando com todos eles num almoço no Alvorada. Um momento, mais do que suprapartidário, republicano.

Quanto aos alvos e à extensão da Comissão da Verdade, seus sete membros refletem o que se discute na própria sociedade e divergem publicamente se é para investigar só os torturadores ou se é para vasculhar também a esquerda armada.

Diante do consenso de que a verdade é "memória", sem retaliação e sem a intenção de judicializar os resultados, a solução para o impasse -ou como se chamem as divergências- é simplesmente contar a história, com seus atores e seus momentos, sem cortes, sem trucagens.

Não se preocupem as vítimas, os familiares, a esquerda, porque essa história fala por si. Basta contá-la, sistematizando o que já há e acrescentando o quanto falta para que tenha um começo, um meio e (finalmente...) um fim.

Foi uma guerra desigual e desumana, com torturadores de um lado e torturados de outro. Não há nenhuma outra verdade a ser investigada que possa se impor a essa realidade.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A nova batalha :: Janio de Freitas

Militares já investigaram a esquerda, mas com métodos que não tiveram a coragem de reconhecer

A divergência em torno da Comissão Nacional da Verdade, sobre investigar os crimes e criminosos da ditadura ou também as mortes e outras violências cometidas por oposicionistas, é o primeiro ato da série de problemas e contestações que se deve esperar dos investigáveis e seus associados.

Militares do Exército e da Marinha, aparentemente todos da reserva, participantes da ditadura, organizam-se para acompanhamento dos trabalhos da Comissão. Os seus centros serão (ou já são), na tradição das agitações contra a estabilidade institucional do país, os respectivos clubes Militar e Naval.

A probabilidade é de que aos dois se junte o Clube da Aeronáutica, porque a FAB teve participação, intensa por certo período, na repressão mais brutal. A propósito é suficiente lembrar, inclusive à comissão, o brigadeiro João Paulo Burnier e seu plano de lançar oposicionistas (estudantes, jornalistas e políticos) no mar, conforme a denúncia do então capitão Sérgio Miranda de Carvalho, um bravo falecido precocemente.

Presença ativa na confrontação inaugural, Nelson Jobim cobra a investigação das ações da oposição armada, tema que "discutiu com o então ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, e que ficou acertado", com o duplo alvo da comissão (Folha de ontem).

O persistente Paulo Vanucchi foi o executivo da Presidência no processo que levou à Comissão da Verdade. Mas os "acertos" e decisões finais só poderiam firmar-se, é claro, com a autoridade presidencial. No caso, de Lula -que era quem estava dando a marretada na cortina de ferro da resistência militar.

E, cá para nós, se Paulo Vannuchi saiu ileso do governo, Nelson Jobim deixou pegadas desde antes, com a adulteração do texto da Constituinte e, para encurtar, com depoimentos à Câmara (governo Lula), sobre aparelhos e compras do Exército e da Abin, muito longe de verdadeiros.

Mas, enquanto se trata de investigar, para descobrir ou comprovar, as ações e autorias pessoais da ditadura, as ações da esquerda não exigem mais do que as recuperar. Hoje ainda é preciso investigar crimes da ditadura justamente porque seus militares e policiais investigaram as ações da esquerda desarmada e da esquerda armada.

Fizeram-no com os métodos que depois não tiveram a hombridade e a coragem de reconhecer, motivo real da Comissão da Verdade. Os processos, porém, com os atos oposicionistas descritos e suas autorias, são encontráveis nos arquivos da Justiça Militar. Nela mesma, aliás, não se perca a oportunidade de lembrar, houve atitudes de dignidade militar e pessoal de homens como o general Pery Bevilacqua e o almirante Júlio de Sá Bierrenbach.

É isso, sim: como pensam os coronéis Ustra, o do DOI-Codi, e Wilson Machado, o da bomba no Riocentro, a luta continua.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Contra o Estado-anunciante :: Eugênio Bucci

No México, os meios de comunicação estão se vendendo - e se rendendo - à força do governo. O diagnóstico é de Rubén Aguilar, professor e jornalista mexicano que foi porta-voz da Presidência da República de seu país entre 2002 e 2006 (governo Vicente Fox). "Tudo está à venda", disse ele durante sua palestra no seminário Meios de Comunicação e Democracia na América Latina, realizado no Instituto Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, no final da tarde de terça-feira. E arrematou: "Só o que se discute é o preço".

No México descrito por Aguilar, a tensão entre a imprensa e o poder, que é natural e desejável nos regimes democráticos, tende a desaparecer para dar lugar a uma relação de troca negocial, um toma lá, dá cá em que os governantes ganham poder (com o apoio dos veículos jornalísticos) e os empresários do setor ganham dinheiro (tendo no Estado um anunciante camarada). Assim, enquanto uns faturam votos e outros faturam lucros, a sociedade perde: a fiscalização do poder some de cena e a imprensa se converte em mercadoria política.

Diante desse cenário, o ex-porta-voz foi coerente e se declarou contrário ao uso de verbas públicas no mercado publicitário. O Estado, quando se converte em anunciante, passa a constranger, seduzir, cercear ou mesmo chantagear órgãos de imprensa, não necessariamente nessa ordem. O jornalismo investigativo perde fôlego - e a democracia, também.

Na abertura do mesmo seminário, Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisa Social, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizador do livro Meios de Comunicação e Democracia: Além do Estado e do Mercado (publicado no ano passado pelo Centro Edelstein), tocou no mesmo ponto. Para ele, devemos considerar a necessidade de impor limites ao crescente investimento de dinheiro público em propaganda de governo. Aos que defendem a publicidade governamental com o tortuoso sofisma de que ela jogaria recursos em pequenos jornais e emissoras, contribuindo assim para a "diversidade" no debate público, Bernardo Sorj argumenta, corretamente, que, se for esse o objetivo, o Estado deveria abrir linhas de financiamento público, a partir de critérios democráticos, impessoais e transparentes. Essa seria a política adequada para apoiar veículos menores e fortalecer a pluralidade e a concorrência saudável.

Aos poucos, ainda que tardiamente, vai nascendo entre nós a percepção de que a publicidade governamental distorce, deforma e degrada o debate público. Ela, que sempre foi uma unanimidade entre os agentes políticos - basta ver que, no Brasil e em todos os países da América Latina, os governos anunciam cada vez mais, qualquer que seja o partido do mandatário -, começa finalmente a ser descrita como problema para os observadores mais críticos.

Já era tempo. Aqui mesmo, neste mesmo espaço, esse problema já foi denunciado mais de uma vez: o que existe hoje nas nossas democracias ainda precárias é uma simbiose promíscua entre Estado e meios de comunicação privados, gerando um ecossistema com o qual é muito difícil romper.

No Brasil, a prática avança numa progressão de enrubescer o erário. Na primeira década do século 21 será difícil encontrar, na administração pública brasileira, uma rubrica orçamentária que tenha crescido mais.

Comecemos pela Prefeitura de São Paulo: num intervalo de seis anos, o montante jogado em publicidade oficial praticamente decuplicou, saltando de R$ 12 milhões em 2005 para R$ 108 milhões em 2010. Na cidade do Rio de Janeiro, a evolução foi ainda mais estonteante: em 2009, ao menos de acordo com os dados oficiais, a soma aplicada em publicidade da prefeitura ficou na casa de R$ 0,47 milhão e, em 2011, o total alcançou a cifra de R$ 74 milhões. O governo estadual do Rio de Janeiro passou de R$ 70 milhões em 2005 para R$ 172,5 milhões em 2011. No governo federal, conforme cifras divulgadas no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a Secom, os gastos da administração direta e indireta (contando, portanto, com as empresas estatais) vêm oscilando em torno da marca do bilhão de reais. No ano de 2009 houve um pico: R$ 1,7 bilhão. Também em 2009, o governo paulista alcançou um ápice de R$ 314,6 milhões, ante apenas R$ 33 milhões em 2003.

A que se destinam tantas fortunas? Elas não geram ambulatórios, não criam vagas nas escolas públicas, não abrem um só quilômetro de metrô, não aumentam o efetivo policial, não melhoram as estradas, nada disso. Nem sequer informação elas oferecem à sociedade. Só o que essa dinheirama produz é fetiche: uma boa imagem - imagem mercadológica - para aqueles que governam. É bom observar, a propósito, que a linguagem, a estética e a forma narrativa da propaganda oficial são idênticas - são as mesmas - às adotadas pelos filmetes partidários exibidos no horário eleitoral. A propaganda governamental é o prolongamento escancarado da propaganda eleitoral - e vice-versa. Ao contrário do que dizem os governantes, não sem cinismo, essas peças de comunicação não informam coisa alguma - apenas contam lorotas publicitárias.

O pior, o mais grave de tudo, é que elas esvaziam a independência dos órgãos jornalísticos de pequeno e de médio porte. Dizem as autoridades da comunicação oficial que, distribuindo seus milhões para os pequenos, os governos fortalecem os jornais locais ou "alternativos". É mentira. A verba pública transformada em verba anunciante nos jornais e nas emissoras locais produz neles uma dependência mortal. O dinheiro público entra pela porta e a independência crítica é expulsa pela janela. Também por isso, a figura novíssima e abrutalhada do Estado-anunciante só enfraquece a democracia.

Têm razão Rubén Aguilar e Bernardo Sorj. Mas que político terá coragem de romper com o ecossistema?

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Pêndulo da balança :: Míriam Leitão

A análise da balança comercial nos quatro primeiros meses do ano mostra que não é mesmo o valor do dólar que garante as exportações. As vendas brasileiras tiveram aumento pífio, apesar da desvalorização cambial. Os números dizem também que o comércio foi afetado pela política protecionista argentina e pela desaceleração da China, que diminuiu o preço do minério de ferro. O Brasil continua dependente de poucos produtos.

De janeiro a abril, o superávit comercial do Brasil caiu 35% em relação ao mesmo período de 2011. Só não recuou mais porque os Estados Unidos aumentaram a compra do nosso petróleo. A desaceleração chinesa derrubou o preço do minério de ferro, e a Argentina criou barreiras que impediram a entrada do produto brasileiro no país. Mesmo com a desvalorização do real, as exportações, pela média diária, subiram só 2% no período, e as importações cresceram 4,8%. O superávit caiu de US$ 5 bilhões para US$ 3,3 bilhões.

Com déficit em conta corrente desde o ano passado, uma indústria pouca competitiva e sem acesso a crédito internacional, o governo argentino resolveu buscar dólares na relação comercial com o Brasil. A ideia foi criar barreiras contra produtos brasileiros, para reduzir nosso superávit. A medida já deu resultado e o saldo nos quatro primeiros meses do ano caiu 54%, de US$ 1,3 bilhão para US$ 600 milhões. As vendas para a Argentina ficaram 11,7% menores, e isolando o mês de abril a redução foi de 27%.

A reação do Brasil começou esta semana, e, como informou O GLOBO na terça-feira, atinge cerca de 60% a 70% da pauta de exportações da Argentina para cá. Produtos como maçã, uva passa, batata, farinha de trigo e vinho deixaram de ter o licenciamento automático, que facilita a entrada de produtos. Na prática, ficarão mais tempo nas fronteiras, correndo risco de estragar.

A atitude da Argentina e a resposta brasileira enfraquecem o Mercosul. Elas vão diminuir a corrente de comércio entre os dois países justamente no momento em que o mundo está em crise e a demanda mundial está mais fraca. Mas, principalmente, porque é um sinal na direção exatamente contrária ao que se deve dar num bloco comercial. Por isso, o encontro ontem entre ministros de Brasil e Argentina, no Ministério de Relações Exteriores, foi positivo, o melhor caminho é negociar.

Segundo José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), quem se aproveita da disputa é a China. Enquanto a exportação do Brasil para a Argentina caiu 11,7% de janeiro a abril, a dos chineses caiu bem menos, apenas 3%.

- A China faz investimentos na Argentina e exige em troca que eles comprem produtos chineses. Então a Argentina está trocando o Brasil pela China - disse.

A crise na Europa tem reflexos sobre o crescimento chinês, e isso afeta o Brasil indiretamente. Para a China, nossas exportações subiram 5%, com um recuo forte no minério de ferro sendo compensado por uma alta no embarque de soja. O minério de ferro, que é o principal produto de nossa balança comercial, está com preço 20% menor este ano. Somente essa queda nos preços faria com que o valor exportado de minério em 2011, de US$ 40 bilhões, caísse para US$ 32 bi. Esse caso mostra a excessiva dependência que o Brasil tem da China e o risco que isso representa. O governo chinês tem dado sinais de que o país vai crescer menos, e pelas projeções do FMI a média de crescimento da China nos próximos seis anos será de 8,6%, contra um crescimento médio de 10,8% dos últimos seis anos. O Brasil precisa se preparar para essa mudança.

- A China vai passar a ter um modelo mais focado no consumo do que no investimento. O consumo das famílias representa só 30% do PIB chinês, enquanto no Brasil e nos Estados Unidos chega a 60%. Isso significa menos compras de minério de ferro - disse o analista Felipe Queiroz, da Austin Rating.

O que evitou que o comércio exterior brasileiro ficasse no vermelho foi a decisão americana de diversificar suas fontes de suprimento de energia. Houve um aumento de 88% na compra de petróleo do Brasil por parte dos americanos, e isso ajudou nossas exportações no período subirem de US$ 6,78 bilhões para US$ 9,01 bi. Um crescimento de 33%. Os americanos representaram 12% de nossa pauta comercial, enquanto os chineses ficaram com 15%.

- É bom aumentar as vendas para os Estados Unidos, porque eles são a principal economia mundial e também o maior importador, e isso dá status. Mas o que estamos vendo foi uma decisão unilateral dos americanos de comprar mais petróleo do Brasil, e não o resultado de uma política nossa de conquistar mais mercado por lá - explicou José Augusto de Castro.

O Brasil ainda não tem uma estratégia de comércio exterior. O governo não parece ter entendido a eloquência desses números. O país continua tendo uma política comercial pouco ofensiva. Se a China tiver uma queda forte no crescimento será o suficiente para um resultado negativo na balança comercial.

FONTE: O GLOBO

Maratona e ruína dos bancos:: Vinicius Torres Freire

Temor de saída do euro acelera corrida para sacar dinheiro dos bancos gregos, o que ameaça bancos europeus

Uma corrida bancária quebra um banco. O corre-corre para sacar dinheiro de vários bancos, como na Grécia, pode quebrar o país inteiro. Pior, pode servir de exemplo para cidadãos de Portugal, Itália, Espanha.

O medo de ver seu dinheiro evaporar leva correntistas a sacar tudo de suas contas. Como a maior parte dos recursos depositados nos bancos "não está lá" (foi emprestada, usada em outros negócios), basta que fatia dos depósitos seja resgatada para que o banco quebre.

Ainda que não quebre -ou na tentativa de evitar a quebra-, o banco provoca mais danos ao resto da economia. Promove uma liquidação de seus ativos a fim de levantar dinheiro e atender aos pedidos de saques feitos pelos clientes. Na liquidação, o preço geral dos ativos financeiros (e de muito mais) cai. Forma-se uma bola de neve de baixa de preços e vendas de liquidação.

Esse cenário "clássico" da corrida bancária havia quase desaparecido na poeira da história das crises graves do mundo desenvolvido. Como agora há garantias legais para os depósitos, que na maioria não somem mesmo em caso de falência bancária, evitam-se corridas bancárias "clássicas".

Faz dois anos, mais ou menos, há uma corrida bancária "lenta" na Grécia e em vizinhos do sul da Europa. Tratava-se de uma maratona; pode ser que se torne uma corrida mais acelerada. Motivo: não há garantia de que um euro não venha a se transformar em desvalorizados dracmas ou escudos.

Na terça-feira, o banco central grego mandou avisar aos líderes políticos que os gregos mais e mais sacam euros de suas contas. Têm medo de que governo transforme euros em dracmas, o que ocorrerá caso o país deixe de fazer parte da zona monetária europeia.

O medo é compreensível, apesar de algo paradoxal. A maioria dos gregos votou pelo fim em partidos que propõem a rejeição dos acordos gregos com a União Europeia. Sem acordo, não haverá dinheiro europeu. Sem tais recursos, o governo grego terá de imprimir dracmas a fim de pagar suas contas e salvar o que puder dos bancos do país, além de confiscar euros para pagar contas externas.

A mera ameaça de saída do euro causa estragos. Os bancos gregos apenas sobrevivem com dinheiro europeu (para alguns mais quebrados nem esse dinheiro haverá, avisou ontem a União Europeia). Com o aumento de saques, pode haver quebras imediatas ou ainda menos crédito na economia.

Portugueses, espanhóis e italianos podem imaginar que em breve talvez estejam na situação dos gregos. Não há sinal de aceleração dos saques nesses países, por ora, mas um colapso grego incentivaria tal comportamento. Talvez por medo de que tais países deixem o euro ou de que seus bancos quebrem com o calote final da Grécia.

A agonia grega, portanto, vai provocar danos ao resto do mundo mesmo sem um final operístico, com a denúncia do acordo de arrocho.

Tal receita, enfiada pela goela grega, tendia a dar nisso. Ao final deste ano, a economia grega será 18% menor do que era em 2007. Na tentativa de empurrar a crise com a barriga, até que ela passasse, os líderes europeus empurraram a Grécia para o abismo.

E, ressalte-se, estão com a barriga colada à Grécia.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Energia mais barata:: Celso Ming

Ao anunciar que vai atacar distorções do sistema tributário do Brasil, a presidente Dilma mostra que está fazendo o diagnóstico correto. O setor produtivo perdeu competitividade em consequência do alto custo Brasil. Isso precisa de imediata reversão.

Dilma aponta uma dessas distorções: o altíssimo custo da energia elétrica (o quarto mais caro do mundo), tão inaceitável quanto os juros escorchantes, que tem de ser drasticamente reduzidos para viabilizar a produção.

Esse caso é ainda mais incompreensível na medida em que nada menos que 75% da energia elétrica do Brasil é gerada por fonte hídrica e, nessas condições, obtida de graça. Nos países mais avançados, os preços da energia elétrica são uma fração da cobrada no País e, no entanto, a maior parte de suas fontes é de insumos obtidos a alto preço, como óleo combustível, gás, carvão ou urânio enriquecido.

O principal fator de encarecimento da energia no Brasil é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos governos estaduais. Em São Paulo, essa tributação encarece nada menos que 33,3% da energia. Mas há Estados que cobram ainda mais, como Minas Gerais (42,9%) e Rio de Janeiro (47,1%).

Falta saber como a presidente Dilma vai reverter esse jogo perverso. Na maioria dos Estados, as receitas com o ICMS sobre a energia elétrica correspondem a alguma coisa entre 7% e 9% da arrecadação total.

Até agora, todos os projetos de reforma tributária (e há algumas dezenas deles dormindo na gavetas das repartições públicas) só admitiram mexidas no sistema que não reduzam a arrecadação. Ou seja, no máximo querem mais racionalidade, especialmente na cobrança do ICMS - desde que a carga tributária (de cerca de 37% do PIB), que tira poder de competição da indústria, fique intocada. Se esse pressuposto for mantido, não haverá redução significativa nas tarifas de energia elétrica.

A presidente Dilma está para autorizar a renovação de grande número de concessões que vencem em 2015 e 2017. Até meados de julho, concessionárias terão de comunicar ao governo seu interesse pela renovação. Para isso, têm de saber as condições.

É provável que o governo imponha novas condições tarifárias. Pode se comprometer a baixar os chamados encargos setoriais, que elevam custos em cerca de 10%. E pode desistir de parte da arrecadação do PIS/Cofins que oneram custos em cerca de 3% ou 4%.

Mas esses abatimentos serão insuficientes para garantir uma energia elétrica a custos compatíveis com os vigentes internacionalmente caso não haja cortes firmes nas alíquotas do ICMS cobradas pelos Estados.

Uma das hipóteses é que o governo condicione a renegociação da dívida dos Estados com a União a cortes mais profundos da alíquota do ICMS sobre a energia elétrica. A ver.

A presidente Dilma avisa que vai parar de discutir as reformas, que nunca saem, e que vai agir. Ela está carregada de razão. O único risco é que, como outras tantas iniciativas do seu governo, essa ação não passe de mais um item da política de puxadinhos, feita com improvisos e meias soluções, apenas para dar a impressão de que o governo faz alguma coisa.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Grécia, democracia e vampirismo:: Clóvis Rossi

Se a Europa tivesse aceitado o plebiscito, economizaria seis meses de muito sangue

A chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy deveriam telefonar hoje mesmo para George Papandreou e pedir desculpas por terem forçado a saída dele do governo grego no fim do ano passado.

Sumária recapitulação: Papandreou ameaçou tascar democracia no jogo da crise, na forma de um referendo para que o eleitorado grego decidisse se queria ou não o dinheiro europeu, acompanhado de rígida austeridade.

A sugestão surgiu quando os líderes do G20 começavam a se reunir em Cannes. Merkel e Sarkozy convocaram o então premiê grego ao agradável balneário francês para ouvir um pito em regra, sem nenhuma consideração pelo protocolo entre chefes de Estado ou pelos ralos cabelos brancos do colega.

Não restou alternativa a Papandreou a não ser renunciar. O que veio depois todo mundo sabe: um governo não eleito, comandado por um tecnocrata oriundo da banca e da burocracia internacional, a aceitação do pacotão europeu, o agravamento da crise, até a Grécia voltar exatamente ao ponto em que estava quando a Europa decapitou Papandreou.

Ou seja, de volta ao ponto em que tem que decidir se continua no jogo como está posto ou se sai do euro.

Se o plebiscito tivesse sido realizado seis meses atrás, haveria uma de duas hipóteses: ou os governantes gregos -legitimados pelo referendo- convenceriam os colegas europeus a dar pelo menos uma cenoura para que a sociedade grega aceitasse o imenso porrete a que está sendo submetida; ou preparar-se-ia a saída do euro de uma forma menos atabalhoada.

Economizar-se-iam seis meses de dor e sangue para os gregos e, de quebra, poupar-se-iam países como a Espanha de chegar ao limite da quebra.

Mariano Rajoy, o presidente do governo espanhol, apareceu ontem na TV aterrorizado e avisando que a Espanha está para ser cortada inteiramente do mercado de crédito, o que a obriga a viver só do que arrecada, o que é impraticável no curto e médio prazo.

Na Grécia, é pior: o presidente Karolos Papoulias contou aos líderes partidários com os quais vem se reunindo que, só na segunda-feira, fugiram dos bancos locais imponentes € 700 milhões, sem contar € 800 milhões em ordens de compra recebidas pela banca grega de títulos alemães.

Como, em março, os bancos gregos tinham em caixa meros € 165,36 bilhões, se esse vampirismo financeiro continuar no ritmo de segunda-feira, os fundos acabam em apenas oito meses e a banca quebra. O mais lógico é supor que, ante a instabilidade política, as retiradas só aumentem doravante -e a quebra virá antes.

Não quero dizer, como é óbvio, que o plebiscito teria resolvido todos os problemas e que os gregos, os espanhóis, todos os europeus seriam hoje felizes e assim ficariam para sempre. Claro que não há saída indolor para a crise.

Só quero dizer que, um, democracia é sempre melhor que a força -e há poucas coisas mais democráticas que referendos. Dois, que saudades dos grandes e visionários estadistas que construíram o sonho europeu, hoje um pesadelo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A banda de música do mensalão :: Marcus Pestana

Numa das mais belas passagens do "Romanceiro da Inconfidência", Cecília Meireles tece um trecho definitivo: "Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda."

Boa parte da energia criativa de líderes políticos, filósofos, sociólogos, poetas, psicanalistas, economistas, escritores, juristas, cineastas, foi despendida com o debate sobre os limites que envolvem a liberdade humana. A grande ideia vitoriosa neste início de século XXI é a do império da liberdade, da democracia e da tolerância sobre todas as coisas. Ditaduras existem, na Síria, em Cuba, na Coreia do Norte, na China. A xenofobia e o extremismo crescem na Europa. Mas o vetor predominante no mundo contemporâneo conspira a favor da liberdade.

Em 1977, o grande cineasta sueco Ingmar Bergman realizou um filme marcante, "O ovo da serpente". Em clima tenso são descritos o quadro da Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial, as consequências do Tratado de Versalhes, a hiperinflação, a humilhação e a autoestima no chão de todo um povo - traços que construíram a incubadora perfeita para o desenvolvimento do "ovo da serpente", o nazismo.

A esquerda brasileira carregou até os 80 os traços autoritários típicos das inúmeras variações nascidas a partir do marxismo-leninismo. Os ventos democráticos do eurocomunismo custaram a aportar em terras brasileiras. Talvez tenha sido Carlos Nelson Coutinho com seu texto "A democracia como valor universal", de 1979, que tenha prenunciado uma ruptura de paradigma.

Hoje a esquerda se inseriu na dinâmica da democracia. A percepção de que a liberdade é um princípio permanente, inegociável e universal é hoje amplamente difundida e enraizada. As visões do caráter de classe da democracia residem em partidos políticos radicais, marginais e exóticos e na formulação de uns poucos teóricos ainda prisioneiros da ortodoxia marxista-leninista.

Mas os arroubos autoritários de parcela do PT preocupam. A insistência em denunciar uma suposta grande mídia "golpista", a permanente intenção de criar "controles sociais" sobre a imprensa, a histriônica campanha contra a revista "Veja" parecem revelar um autoritarismo adormecido, prestes a agredir um dos pilares da democracia que é a mais ampla liberdade de imprensa. Somam-se as manobras de intimidação à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de criar um clima de desconfiança e desmoralização das instituições, ambiente julgado necessário para beneficiar os réus do mensalão. Que a ingenuidade e a passividade não gerem o calor necessário para que "ovos da serpente" germinem no Brasil.

Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG).

FONTE: O GLOBO

Canto do meu canto:: Thiago de Mello

Escrevi no chão do outrora
e agora me reconheço:
pelas minhas cercanias
passeio, mal me freqüento.
Mas pelo pouco que sei
de mim, de tudo que fiz,
posso me ter por contente,
cheguei a servir à vida,
me valendo das palavras.
Mas dito seja, de uma vez por todas,
que nada faço por literatura,
que nada tenho a ver com a história,
mesmo concisa, das letras brasileiras.
Meu compromisso é com a vida do homem,
a quem trato de servir
com a arte do poema. Sei que a poesia
é um dom, nasceu comigo.
Assim trabalho o meu verso,
com buril, plaina, sintaxe.
Não basta ser bom de ofício.
Sem amor não se faz arte.

Trabalho que nem um mouro,
estou sempre começando.
Tudo dou, de ombros e braços,
e muito de coração,
na sombra da antemanhã,
empurrando o batelão
para o destino das águas.
(O barco vai no banzeiro,
meu destino no porão.)

Nada criei de novo.
Nada acrescentei às forma
tradicionais do verso.
Quem sou eu para criar coisas novas,
pôr no meu verso, Deus me livre, uma
invenção.