quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Câmara conclui votação da minirreforma eleitoral e mantém doação de empresas a partidos

• A presidência da República tem prazo de 15 dias úteis para decidir pela sanção ou veto, integral ou parcial, do texto. Com esse prazo, as novas regras poderão valer já para as eleições municipais do ano que vem.

- Eduardo Piovesan - Agência Câmara

A Câmara dos Deputados concluiu nesta quarta-feira (9) a votação da chamada minirreforma eleitoral. Os deputados mantiveram a doação de empresas a partidos políticos e os limites a essas doações. A matéria será enviada à sanção presidencial.

A presidência da República tem prazo de 15 dias úteis para decidir pela sanção ou veto, integral ou parcial, do texto. Com esse prazo, as novas regras poderão valer já para as eleições municipais do ano que vem.

O Plenário aprovou parcialmente o texto do Senado para o projeto de lei 5735/13. Em relação aos limites de gastos de campanha, a Câmara manteve o texto do Senado que mudou o percentual para as campanhas a cargos proporcionais, fixando também para o cargo de deputado federal o teto de 70% do maior gasto contratado nas eleições anteriores em cada circunscrição (estado ou município).

Aprovada por meio de destaque do PT, a regra já valia, no texto da Câmara, para os cargos de senador, deputado estadual, deputado distrital e vereador. A redação derrotada previa 65% do maior gasto em todo o País para a disputa a deputado federal.

O relatório do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) muda as leis de partidos políticas (9.096/95) e das eleições (9.504/97) e o Código Eleitoral (4.737/65), alterando vários itens, como tempo gratuito de rádio e TV, prazo de campanha, prestação de contas e quantidade de candidatos, por exemplo.

Limite de doação
Além do limite de doação na lei atual, de até 2% do faturamento bruto da empresa no ano anterior à eleição, o texto prevê que as doações totais poderão ser de até R$ 20 milhões e aquelas feitas a um mesmo partido não poderão ultrapassar 0,5% desse faturamento. Todos os limites precisam ser seguidos ao mesmo tempo.

Acima desses limites, a empresa será multada em cinco vezes a quantia em excesso e estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público por cinco anos por determinação da Justiça eleitoral.

Contratação de empresas
As empresas contratadas para realizar obras, prestar serviços ou fornecer bens a órgãos públicos não poderão fazer doações para campanhas na circunscrição eleitoral de onde o órgão estiver localizado.

Assim, por exemplo, empresas que atuem em um determinado estado e tenham contrato com um órgão estadual não poderão doar para campanhas a cargos nesse estado (governador ou deputado estadual), mas poderão doar para campanhas a presidente da República.

Aquela que descumprir a regra está sujeita à mesma penalidade de multa e proibição de contratar com o poder público.

Doações de pessoas
O limite de doações de pessoas físicas a candidatos e a partidos continua a ser 10% de seus rendimentos brutos no ano anterior à eleição.

Fora desse montante estão as doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, cujo teto o projeto aumenta de R$ 50 mil para R$ 80 mil reais de valor estimado.

O candidato, entretanto, poderá usar recursos próprios limitados à metade do teto para o cargo ao qual concorrerá. Atualmente, o teto é o limite de gastos de campanha definido pelo partido.

Pelo substitutivo, aqueles que exercem funções de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta e são filiados a partidos políticos poderão realizar doações aos partidos.

Caberá à Receita Federal fazer o cruzamento de valores doados às campanhas com os rendimentos da pessoa física doadora para verificar incompatibilidades.

Quanto à divulgação de dados sobre os valores de doações recebidos para a campanha, o projeto determina a sua divulgação, pelos partidos, coligações e candidatos, em site criado pela Justiça eleitoral, em até 72 horas do recebimento, com os nomes, CPF ou CNPJ.

Gastos de campanha
Na contagem dos gastos de campanha, serão levadas em conta as despesas amparadas por recursos captados pelos candidatos e os repassados pelo partido. Atualmente, a legislação prevê que o partido define o quanto gastará na campanha.

Para presidente da República, governador e prefeito, se houver apenas um turno, o limite fixado pelo projeto será de 70% do maior gasto declarado para o cargo. Esse teto valerá para o primeiro turno das eleições seguintes.

Nos locais em que houver dois turnos na eleição passada, o limite será de 50% do maior gasto declarado para o cargo, que também valerá no primeiro turno.

Em ambas as situações, se houver segundo turno na eleição seguinte à vigência da futura lei, os gastos desse outro pleito serão de ser 30% do fixado para o primeiro turno.

Prefeito e vereador
O teto de gastos de campanha para os cargos de prefeito e de vereador em cidades com até 10 mil eleitores será de 70% do maior gasto declarado na última campanha para o cargo ou de R$ 100 mil para prefeito e de R$ 10 mil para vereador, o que for maior (valor fixo ou 70%).

Uma vez encontrados todos esses tetos pela Justiça eleitoral, ela deverá divulgá-los até 20 de julho do ano da eleição e atualizar monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para as eleições subsequentes.

O texto estabelece multa equivalente a 100% da quantia que ultrapassar o limite de gastos e o candidato poderá ainda ser processado por abuso do poder econômico.

Nas eleições de prefeito e vereador em cidades com menos de 50 mil eleitores, será possível fazer prestação de contas por sistema simplificado se o candidato movimentar, no máximo, R$ 20 mil.

Já as transferências dos partidos aos candidatos, oriundas de doações, deverão figurar na prestação de contas da legenda sem a individualização dos doadores.

Janela de desfiliação
Uma das principais mudanças aprovadas, por meio de um destaque do PSB, incluiu uma janela de 30 dias para desfiliação sem perda do mandato, válida antes do prazo de filiação antecipada exigida. Esse prazo de filiação também mudou, de um ano antes das eleições para seis meses anteriores.

Esse destaque obteve 323 votos a favor e 115 contrários e prevê outras duas “justas causas” para a desfiliação sem perda do mandato: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação política pessoal.

Processos eleitorais
Em processos eleitorais que levarem à perda do mandato, o testemunho de uma pessoa sem outras provas não será aceito pela Justiça eleitoral.

Já as sanções aplicadas a candidato pelo descumprimento da lei não se estenderão ao respectivo partido, mesmo se este tiver se beneficiado da conduta, exceto se for comprovada sua participação.

O julgamento, pelos tribunais regionais eleitorais, de ações que impliquem cassação de registro, anulação geral de eleições ou perda de diploma somente poderão ocorrer com a presença de todos os membros.

Continua
 Texto acaba com repasses do fundo para partidos que tiverem contas desaprovadas
 Período de propaganda eleitoral será reduzido para eleições gerais
 Minirreforma eleitoral garante voto em trânsito para todos os cargos
 Minirreforma redefine período para realização de convenções partidárias
 Manutenção do financiamento empresarial de campanhas é maior polêmica da minirreforma eleitoral
 PL-5735/2013

Câmara volta a permitir doação de empresas

• Deputados também derrubam restrições a pesquisas aprovadas pelos senadores; projeto vai à sanção de Dilma

Isabel Braga - O Globo

- BRASÍLIA- Apenas um dia após o Senado proibir as doações de empresas a candidatos e partidos políticos nas campanhas eleitorais, a Câmara dos Deputados derrubou a proibição ontem à noite e retomou o texto aprovado anteriormente pelos deputados, que mantém liberadas as doações empresariais. Foram 285 votos a favor das doações de empresas e 180 contra.

O projeto de minirreforma política aprovado pela Câmara, que vai agora à sanção da presidente Dilma Rousseff, também reduz de 90 para 45 dias o tempo de duração das campanhas eleitorais, e de 45 para 35 dias o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Outra alteração aprovada é a que facilita ao candidato a troca de partido antes das eleições. Atualmente, a lei exige que o candidato esteja filiado à legenda pela qual concorrerá um ano antes da eleição. Os deputados reduziram esse prazo para seis meses.

A Câmara também derrubou as restrições impostas anteontem pelo Senado às pesquisas eleitorais. Os senadores tinham proibido veículos de comunicação de contratar institutos de pesquisa que nos 12 meses antes da eleição tivessem prestado serviço a candidatos, partidos ou órgãos da administração pública. O texto aprovado pelos deputados eliminou esse item.

Antes da votação na Câmara, a Associação Nacional de Jornais ( ANJ) criticara a restrição a pesquisas aprovada pelos senadores. O diretor executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, entende que o texto do Senado contrariava o direito da sociedade de ser amplamente informada sobre o cenário eleitoral. Segundo ele, os veículos de comunicação devem ter liberdade de contratar as pesquisas que considerarem adequadas.

Mudanças no senado são rejeitadas
Como o projeto de minirreforma eleitoral foi aprovado antes de 2 de outubro, valerá já para as eleições municipais do próximo ano se for sancionado por Dilma. Por ser tema de interesse do Parlamento, os deputados não acreditam em vetos da presidente às mudanças aprovadas.

O relator da minirreforma, deputado Rodrigo Maia ( DEM- RJ), rejeitou a maioria das mudanças feitas pelos senadores ao texto aprovado pela Câmara. Além de manter a doação de empresas, o relator também não concordou com o fim dos cabos eleitorais e dos carros de som, e com as restrições a pesquisas eleitorais.

— O problema não são as doações de empresas, mas, sim, o caixa 2, o dinheiro ilegal. A participação de pessoas jurídicas nas campanhas é importante. Janela para o troca- troca é inconstitucional, e não concordo com as restrições às pesquisas eleitorais, pois as pessoas têm direito à informação — justificou Maia.

O PT e outros partidos tentaram acabar com a doação de empresas, mas foram derrotados.

— A Câmara caminhou na contramão do desejo da sociedade brasileira e jogou no lixo o avanço aprovado pelo Senado. Pesquisas mostram que 80% da população brasileira defendem vedar o financiamento empresarial de campanhas — criticou o deputado federal Alessandro Molon ( PT- RJ).

A Câmara aprovou, porém, emenda do Senado que garante uma janela de 30 dias para o trocatroca partidário antes das eleições. Pela emenda aprovada, o candidato poderá trocar o partido pelo qual foi eleito até o mês de março do ano da eleição, para concorrer por outra legenda.

Outra mudança em relação às regras atuais é a introdução do voto impresso. A votação continuará acontecendo na urna eletrônica, mas haverá um equipamento acoplado a ela que imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em uma urna lacrada. A votação só será concluída depois que o eleitor confirmar o voto. Não há a quebra de sigilo do voto, mas, se houver desconfiança, poderá ser requisitada a contagem da urna.

Limite de R$ 20 milhões
A Câmara manteve a doação empresarial, mas estabeleceu um limite de doação de R$ 20 milhões por empresa, dentro da regra de limite de doação de 2% do faturamento bruto. No ano passado, algumas empresas fizeram doações bem maiores que esse teto. A Câmara também tenta impedir que uma mesma empresa doe apenas para um único partido. Pela regra, dos 2% do faturamento que pode doar, a empresa só poderá dar 0,5% para um partido.

O projeto aprovado ontem também estabelece teto de gastos de campanhas de acordo com o cargo em disputa. Hoje, quem estabelece quanto os candidatos irão gastar em suas campanhas são os próprios partidos. A partir da próxima eleição, os prefeitos e vereadores, por exemplo, terão um teto de gasto de cerca de 70% do valor declarado pelo candidato que mais gastou naquela cidade na última eleição. A mesma regra valerá para candidatos a presidente e vice, a governos estaduais, ao Senado e a deputado estadual para as respectivas circunscrições. Para deputados federais, a Câmara decidiu pôr como teto 70% da campanha mais cara de deputado federal no país em cada estado da federação. Com isso, o teto de gastos na campanha de deputado federal em São Paulo não será o mesmo, por exemplo, que em Roraima.

— O limite é vergonhosamente alto para todas as campanhas e totalmente casuístico no caso de deputados — criticou Molon antes da mudança.

O projeto também regulamenta a pré- campanha. O candidato poderá fazer reuniões políticas, discutir conjuntura, dar entrevista, mas não poderá pedir votos diretamente. Houve também uma mudança nas coligações partidárias. Nas disputas para presidente, governador e prefeitos, apenas os seis maiores partidos da coligação serão considerados para a divisão do tempo de TV e rádio. A ideia é acabar com as pressões dos pequenos partidos. No caso das coligações de deputados e vereadores, todos os partidos contam.

O texto cria ainda a possibilidade de prestações de contas eleitorais simplificadas. Nas eleições de prefeito e vereador em cidades com menos de 50 mil eleitores, será possível fazer prestação de contas por sistema simplificado se o candidato movimentar, no máximo, R$ 20 mil.

Câmara derruba proibição a doações de empresa privada

• Após conclusão da votação da reforma política, pacote de medidas segue para sanção da presidente Dilma

• Deputados também rejeitaram proposta do Senado que restringia atuação de institutos de pesquisa nas eleições

Ranier Bragon Débora Álvares – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados derrubou nesta quarta (9) decisão do Senado que vedava o financiamento empresarial de campanhas políticas.

Com isso, mantém-se a possibilidade de as empresas fazerem doação eleitoral.

Nos últimos meses, Câmara e Senado têm analisado propostas de reforma política e eleitoral. A parte da reforma que não altera a Constituição segue agora para a sanção ou veto da presidente Dilma Rousseff. A questão do financiamento de campanha já havia sido votada antes, foi modificada pelo Senado e, por isso, voltou para nova análise dos deputados.

Partidos de esquerda que defendem o financiamento exclusivamente público de campanha tentaram manter a decisão do Senado, mas a emenda encampada por eles foi derrotada por 285 votos a 180.

PT, PSB, PDT, PC do B, PPS, PV e PSOL votaram contra o financiamento privado. PMDB, PSDB, DEM, PSDB, PR, PTB, PP e demais partidos votaram a favor.

"Essa é uma medida moralizadora", discursou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). "Tirar o financiamento das empresas é estimular o caixa dois", rebateu o deputado Marcus Pestana (MG), que falou em nome da bancada do PSDB.

O projeto também estabelece teto de doação de R$ 20 milhões e limites de gastos. O texto ainda reduz o atual tempo de campanha (de 90 para 45 dias) e de propaganda eleitoral na TV (de 45 para 35 dias). Fica proibido também o uso de efeitos especiais nesses programas. O objetivo, segundo congressistas, é diminuir o custo das campanhas.

O texto-base das modificações nas regras políticas e eleitorais foi aprovado de forma simbólica, sem registro nominal dos votos.

A Câmara também rejeitou outras propostas do Senado, como a proibição do uso de cabos eleitorais e de carros de som nas campanhas e de coligações partidárias nas eleições para o Legislativo.

Pesquisas eleitorais
A Câmara derrubou ainda restrições impostas pelo Senado à realização de pesquisas eleitorais.

O Senado havia aprovado medida que proibia veículos de comunicação de contratar instituto de pesquisa que tivesse prestado, nos 12 meses anteriores às eleições, serviços para partidos, candidatos ou órgãos da administração pública. Os defensores da proposta argumentavam que o objetivo era evitar a divulgação de pesquisas viciadas.

José Serra - Vai passar. Que bom!

- O Estado de S. Paulo

Os 30 anos de democracia inaugurados com a eleição de Tancredo Neves representam a fase de maiores conquistas políticas e humanas da História do Brasil. Nunca o País conheceu três décadas ininterruptas de democracia. A Nova República caracterizou-se pela ausência de conspirações, quarteladas, golpes e epílogos políticos trágicos, ao contrário do “interregno” democrático de 1946-64. Mais ainda: houve um significativo progresso social, refletido na melhoria dos indicadores de rendimento, saúde e educação.

Duas das grandes barreiras ao desenvolvimento foram removidas: o atraso agrícola e a superinflação. Nossa agricultura consolidou novas fronteiras, modernizou-se nas áreas já ocupadas e mostrou-se altamente competitiva. Aquela maldição antiga – inelasticidade da produção quando cresce a demanda por alimentos – ficou para trás.

A superinflação, que infernizou a vida nacional desde os últimos anos do regime militar, foi derrotada, em 1994, pelo Plano Real, que soube aproveitar lições de planos de estabilização anteriores. Foi, talvez, o melhor momento da política econômica brasileira no pós-guerra. Nem os governos militares, no auge da sua força, com grande capacidade de repressão social e de imposição de leis e normas, conseguiram reduzir a inflação a um dígito.

Essa fase democrática contabiliza, entretanto, dois insucessos em frentes importantes: a Constituição de 1988 e a desaceleração do crescimento.

Apesar de grandes méritos – liberdades democráticas, garantias individuais e efetiva independência dos Poderes –, a Carta tem defeitos severos: prolixidade, concessões às corporações, principalmente às estatais, e ausência de um regime único, equitativo e financeiramente viável de Previdência.

A desaceleração do crescimento foi impressionante. Se entre 1950 e 1980 o PIB por habitante do País aumentou 3,6 vezes, de 1985 até 2015 aumentou só 40%! Nestes últimos 30 anos o PIB por habitante da Coreia do Sul quadruplicou e o chinês multiplicou-se por dez!

A principal responsável pela desaceleração foi e tem sido a indústria de transformação, cuja participação no PIB, que chegara a 22% em meados dos anos 1970, caiu para menos da metade no presente, voltando ao nível do pós-guerra.

Até meados da década de 90, a causa do retrocesso industrial foi a superinflação. Em seguida veio a sobrevalorização cambial dos primeiros anos de afirmação do Plano Real. A desvalorização que se seguiu, aliada à bonança externa que agraciou o governo Lula – com alta dos preços das commodities e ausência de perturbações externas até 2008 –, permitiu recuperação mais acentuada na década passada. Mas os frutos da bonança foram torrados em aumento do consumo, principalmente de bens industriais importados e turismo externo. Não foram aproveitados para aumentar a competitividade da economia. Ao contrário, promoveu-se um continuado aumento da carga tributária e do custo Brasil.

Em 2008, quando governador de São Paulo, alertei sobre o frenesi fiscal da época: “(A prosseguir a tendência recente) os gastos reais do governo federal até 2012 serão 130% mais elevados do que em 2002. Sem reduzir o superávit primário, isso exigirá um aumento descomunal e sustentado de receita a cada ano”. Claro que esse aumento de carga não se pôde materializar e os desequilíbrios criados se intensificaram, chegando ao presente de forma devastadora.

Em razão do novo ciclo de sobrevalorização cambial, no fim da década passada, e do impacto do custo Brasil sobre a competitividade, a expansão industrial voltou a se retrair nos anos seguintes. Apesar das desonerações tributárias e dada a baixa rentabilidade esperada, os investimentos foram declinando e puxando para baixo a economia. Assim, ironicamente, foi sob a Presidência de um ex-operário industrial que a desindustrialização brasileira e a marcha forçada do atraso econômico e social ganharam impulso decisivo.

Paralelamente ao esgotamento do modelo petista, as manifestações de rua de 2013 expressaram insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, a falta de perspectivas de melhores empregos – duas decorrências do enfraquecimento da economia – e a baixa representatividade do sistema político.

Tudo se agravou no “day after” da reeleição de Dilma: a explosão da crise fiscal, o encolhimento da área social do governo, o desemprego crescente e a percepção traumática dos males trazidos ao País e à política pelo patrimonialismo petista.

A sensação de fraude retirou da presidente reeleita o mínimo crédito de confiança, aquele que se costuma dar aos governantes no início de mandato, necessário para a adoção de medidas de recuperação econômica. Tudo agravado pela proverbial incompetência administrativa, pela falta de traquejo político e pelas deficiências de um programa de ajuste desajustado. Houve erros crassos na previsão de receita tributária, desconhecimento da real magnitude da herança de 2014, políticas monetária e cambial que conspiram contra o equilíbrio fiscal e péssima relação com o Legislativo.

Um exemplo do desnorteamento? As injustificadas operações dos chamados swaps cambiais, que custaram ao Tesouro R$ 115 bilhões em 12 meses, gasto superior aos orçamentos da Educação ou da Saúde. São operações sem cabimento num país com déficit externo declinante e que detém US$ 370 bilhões de reservas cambiais.

A exponencial rejeição popular à presidente e o acirramento das ações corporativistas para escalpelar o Tesouro têm feito a base política do governo no Congresso se esfarelar, gerando um círculo vicioso.

Compartilho a crescente preocupação de todos com o desfecho da crise. Uma coisa, no entanto, me tranquiliza. À diferença do que muitos dirigentes petistas têm pregado, inexiste risco de retrocesso institucional. O petismo precisa parar de confundir seus delírios autoritários com a História do País, que fez uma escolha inequívoca: a democracia. Por isso mesmo se busca uma forma pacífica, e pacífica será, de se ver livre de um modo de governo que empurra o Brasil para o atraso e a melancolia. Vai passar!
----------------------
*José Serra é senador (PSDB-SP)

Merval Pereira - Sem rumo

- O Globo

A S& P entendeu bem a nossa situação e rebaixou o nosso grau de investimento justamente devido às dificuldades políticas que parecem não ter fim. A tendência negativa corresponde justamente ao grau de desorganização do governo e à falta de perspectiva de uma solução. A maior demonstração de que o governo não tem um projeto realístico para sair da crise é a verdadeira algaravia em torno das soluções, sem que exista alguém para arbitrar nem um conjunto coerente de medidas que deem a sensação de que temos saída.

Durante a campanha eleitoral, a presidente Dilma recusou- se a apresentar um programa para o segundo mandato que pretendia nas urnas, pois, afirmou, não seria um novo mandato, mas a continuação do primeiro, e, portanto, não haveria novidades, apenas tocar em frente os programas existentes.

Provavelmente por isso foi reeleita, pois, por meio de uma falsa propaganda, prometia um mundo que já havia acabado há muito tempo, mas cujas consequências não haviam chegado ainda aos bolsos dos cidadãos.

Iniciado o segundo mandato, já sabíamos que o ambiente econômico era completamente diferente daquele apresentado pela candidata Dilma, e que medidas “amargas” teriam que ser tomadas, justamente ao contrário do que ela dizia.

Chamar um economista da escola de Chicago, conhecido pelo dom de saber cortar custos, não poderia ser a única solução mágica para uma “travessia” tão tumultuada como a que se avizinhava.

O tal programa de governo que não apareceu na campanha eleitoral teria que surgir agora, incorporando os tais “remédios amargos”, mas também medidas estruturais que permitissem ver uma luz no fim do túnel. E as medidas estruturais seriam necessariamente muito mais profundas do que simplesmente aumentar impostos ou apresentar reformas fundamentais como a da Previdência ou trabalhista.

O governo teria que se reinventar, enxugar sua própria estrutura, dar o exemplo, depois, claro, de ter feito um mea- culpa que pudesse servir de início de um novo ciclo. Como, no entanto, pedir sacrifícios da população se todo esse estrago feito deve- se à incompetência e à irresponsabilidade do mesmo governo que pediu ao eleitor um voto de confiança para continuar governando sem revelar a real situação da nossa economia?

As trapalhadas que se sucedem mostram apenas que o governo perdeu a capacidade de liderar o que quer que seja, e busca uma solução mágica para tapar os buracos que ele mesmo cavou, e continua cavando.

A ressurreição da CPMF foi substituída pelo aumento do IR e de outros impostos, sem que exista um nexo entre eles, a não ser arrecadar mais. E o governo já cortou tudo o que podia cortar, anuncia a presidente Dilma, como se ainda estivesse de posse da decisão final.

O PMDB já anunciou que, antes de aprovar aumentos de impostos, quer ver a redução da máquina pública. A Cide ( Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) dos combustíveis, que ninguém sabia o que era e que serviu até de pegadinha num debate presidencial, agora é a bola da vez para aumentar a arrecadação do governo.

Foi criada no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, quando Everardo Maciel estava na Receita e David Zylbersztajn, na Agência Nacional do Petróleo ( ANP). Imaginou- se a criação de um imposto que servisse essencialmente ao financiamento da infraestrutura de transportes e à melhora dos impactos ambientais decorrentes do uso de combustíveis fósseis. Ou seja, um subsídio cruzado, onde o consumidor de combustíveis financiaria a qualidade das estradas e a melhoria da mobilidade urbana.

O governo Lula, ao retirar a Cide da gasolina, fez o Robin Hood às avessas, tirando do contribuinte como um todo e subsidiando os donos de automóveis. Isso tudo na contramão das principais reivindicações das manifestações de 2013, pela melhoria do transporte urbano.

Por lei, a Cide dos combustíveis pode aliviar os gastos do setor de transportes e eventual subsídio de combustíveis. Não pode servir para fazer caixa do Tesouro Nacional. É, portanto, mais uma tentativa fadada ao fracasso, pois as contas não podem ser fechadas com a Cide, que tem recursos e finalidades carimbadas.

José Roberto de Toledo - De erro em erro

- O Estado de S. Paulo

A Câmara pingue: põe doação de empresas a candidatos na Constituição. O Senado pongue: proíbe as contribuições empresariais via lei ordinária. Os deputados pingue: derrubam a proibição que havia sido imposta pelos senadores. E segue o jogo. No pingue-pongue da reforma política, a bolinha é o eleitor. Seu interesse é inerte ante raquetadas de quem deveria representá-lo. Voa para lá e para cá sem saber aonde vai dar.

Por enquanto não dá para adivinhar se a legislação eleitoral vai melhorar ou piorar. Depende de qual Casa do Congresso vai dar a cortada definitiva e ganhar a partida. Não é impossível um empate que mantenha tudo como está. Afinal, essa tem sido a regra de todo ano pós-eleitoral: muito barulho por nada. Mas, se uma das mudanças vier a prevalecer, a do Senado é a menos pior.

Ambas são corporativistas e não atacam as raízes da crise de representatividade da democracia brasileira, mas algumas das medidas aprovadas pelos senadores estão na direção certa, enquanto os deputados insistem em marchar apenas à ré. Não que não haja problemas no que o Senado decidiu. Muito longe disso.

Entre outras bizarrices do substitutivo ao projeto 75/2015 há um artigo anti-Ibope: proíbe jornais e TVs de contratarem instituto de pesquisa que tenha prestado serviço para governos, partidos ou candidatos nos 12 meses anteriores à eleição. Ou seja, nenhum meio poderia divulgar pesquisa de intenção de voto do Ibope em 2016. A cláusula pune a competência. Quem pesquisa mais, tem mais clientes e credibilidade é impedido de trabalhar.

Funciona mais ou menos assim: candidatos, partidos ou governos contratam os melhores institutos para saberem o que se passa de fato na cabeça do eleitor e, assim, montarem suas estratégias. De quebra, “queimam” esses institutos e impedem que as melhores e mais confiáveis pesquisas cheguem ao conhecimento do público. Vão sobrar as dos institutos que ninguém quis contratar. Genial.

Pesquisas eleitorais são informação estratégica. Tão importantes que os políticos que as criticam são os mesmos que as contratam. O Supremo Tribunal Federal já julgou décadas atrás que toda tentativa de cercear o acesso do público à pesquisa eleitoral é atentar contra a liberdade de expressão e informação. Pior, neste caso, porque cria um monopólio para os políticos.

Idiotices à parte, o projeto do Senado tem avanços. Impõe uma série de barreiras à proliferação dos partidos nanicos. Dando direito a tempo de propaganda na TV e dinheiro da União aos mais espertos, o sistema político brasileiro fomentou uma indústria partidária. Além de multiplicar candidatos-Cacareco e consumir dinheiro, tempo e paciência do público, ela estimula o toma lá dá cá do Legislativo com o Executivo. Com 32 partidos, nenhum governo consegue eleger maioria no Congresso. Tem que obtê-la depois da eleição e pagar o preço que for necessário.

O projeto remendado pelos senadores aumenta as exigências que os partidos têm que cumprir para terem direito às benesses. Nada muito radical ou de efeito imediato. Mas, se não vierem a ser derrubadas pela Justiça (como o STF fez com a cláusula de barreira), devem produzir uma limpeza paulatina do quadro partidário ao longo das próximas duas ou três eleições.

Some-se às novas exigências a eventual proibição de os partidos e candidatos receberem dinheiro de empresas, e a atratividade do negócio partidário talvez diminuísse – em vez de aumentar, como ocorre hoje. É pouco? Claramente. É insuficiente? Sem dúvida. Mas, como escreve Joaquim Falcão no recém-lançado livro Reforma Eleitoral no Brasil, é improvável o consenso entre legisladores quando o que estão votando é seu próprio destino.

Reforma política, se houver, será sempre incremental, transitória e por tentativa e erro. Muito erro.

Rogério Gentile -PMDB já discute o pós-Dilma

- Folha de S. Paulo

Michel Temer divulgou uma nota no feriado para tentar desfazer a impressão de que trabalha "nas sombras" para substituir Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Não conseguiu, obviamente, ainda que, ao pé da letra, não deixe de ter certa razão. Outros atuam nas sombras por ele.

O vice atua às claras mesmo, com movimentos calculados e sugestivos, ainda que em alguns instantes tenha dado passos maiores do que a extensão de suas pernas –daí a necessidade de precisar se explicar em um texto tão inusitado quanto estéril. Temer disse que não conspira contra a presidente e que "sabe, no limite da lei, até onde pode ir".

O peemedebista age sempre no interesse de atingir três objetivos imediatos: expor seu comprometimento com a estabilidade econômica (e com o empresariado), demonstrar sua capacidade de apaziguar o Congresso e evidenciar, por ação ou omissão, a fragilidade política da sua antiga companheira de chapa.

Fora isso, com o governo em estado pré-falimentar, seu trabalho maior é o de sentar e aguardar. Aguardar os desdobramentos da operação Lava Jato, aguardar a análise das supostas pedaladas fiscais no TCU e aguardar os entendimentos que seus correligionários iniciaram com a oposição em torno de um cenário pós-Dilma.

Conversas sobre as quais FHC jogou alguma luz ao falar que a solução da crise passa pela "formação de um novo bloco de poder que tenha força suficiente para reconstruir o Estado brasileiro". Na prática, isso significa acertar a seguinte costura: os tucanos participam de um eventual governo Temer, o apoiam no Congresso, mas exigem que ele deixe o caminho livre para 2018.

A anemia de Dilma é tão grande que, mesmo diante de tudo isso, precisa fechar os olhos. Se já está difícil sobreviver com o PMDB mexendo-se nos bastidores, imagine o que pode ocorrer se o partido ganhar um motivo para romper de fato.

Luiz Carlos Azedo – Aposta no impeachment

• A intenção dos oposicionistas na Câmara é endossar o pedido apresentado pelo jurista e ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que fundamentaria o afastamento da presidente da República

Correio Braziliense

Líderes do PSDB, DEM, PPS, PSC e SDD pretendem lançar hoje, na Câmara dos Deputados, o Movimento Pró-Impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). “Nossa ideia é reforçar a mobilização da sociedade pela saída de Dilma e, com a pressão popular, agilizar o andamento dos processos de impeachment que tramitam na Câmara. O país não vai aguentar mais três anos de desgoverno e incompetência”, disse o líder do PPS, deputado federal Rubens Bueno (PR).

A intenção dos oposicionistas na Câmara é endossar o pedido de impeachment apresentado pelo jurista e ex-deputado Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, que, na opinião do líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), fundamentaria as razões para o afastamento da presidente da República. Pareceres de outros juristas, como Ives Gandra Martins, serão anexados ao pedido. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), autorizou o líder tucano na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP), a endossar a proposta.

Para que seja proposto e admitido, o impeachment de um presidente da República, é preciso caracterizar a existência de crime de responsabilidade. Para a oposição, os crimes culposos de imperícia, omissão e negligência estão caracterizados na conduta de Dilma, tanto quando foi presidente do Conselho da Petrobras, quanto agora. como presidente da República.

A questão, porém, é polêmica. Para o jurista Miguel Reale Junior, consultor do PSDB e autor do pedido de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, por exemplo, o impeachment não seria juridicamente viável porque os atos que poderiam justificá-lo ocorreram no mandato anterior. “Não existe vaso comunicante. Para se pedir o impeachment, a presidente precisaria ser suspeita de algum malfeito de janeiro até agora”, argumenta.

A presidente Dilma Rousseff, porém, corre o risco de ter as contas de 2014 rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União, o que abriria caminho para impeachment por crime de responsabilidade. Os problemas de Dilma não são apenas as chamadas “pedaladas fiscais”, que são atribuídas ao ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, mas a edição de decretos que ampliaram ilegalmente os gastos do governo e quebraram país.

Falta combinar
Não há a menor possibilidade de o impeachment prosperar sem a adesão maciça da bancada do PMDB na Câmara. Se depender do líder da bancada, Leonardo Picciani, não haverá impeachment. Mas o mesmo não se pode dizer do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem a prerrogativa de pôr o pedido em pauta.

Acusado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter recebido US$ 5 milhões de propina desviada da Petrobras, Cunha nega a acusação. A presidente Dilma Rousseff tentou uma aproximação com o peemedebista, mas ninguém tira da cabeça do presidente da Câmara de que houve dedo do Palácio do Planalto para que fosse o primeiro da fila dos políticos envolvidos na Lava-Jato denunciados por Janot.

O rito do impeachment, segundo a Constituição, é rigoroso. A Câmara não tem o poder de cassar o mandato da presidente da República, apenas o de aceitar o pedido, o que exige o mínimo de 342 votos em plenário, de um total de 513. Mas isso implica no automático afastamento do cargo, cabendo ao Senado julgar a presidente da República e aprovar o impeachment. Nos cálculos da oposição, se Dilma for afastada pela Câmara e o vice-presidente Michel Temer assumir o poder interinamente, a petista não voltará.

O fato de Temer ter se distanciado de Dilma animou a oposição, mas isso não significa que ele tenha embarcado na aposta do impeachment ainda. O que a mantém no poder não é a força do PT, nem o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são as regras do jogo e a preocupação dos grandes empresários do país com os riscos de uma crise institucional levar a economia de vez para o buraco. O problema é que Dilma cava a cada dia um abismo aos próprios pés. Ontem o buraco ficou mais fundo: o Brasil perdeu o selo de ‘bom pagador’ e passou a ter grau especulativo pela Standard & Poor’s, embora mantenha ainda o grau de investimento nas agências de risco Fitch e Moody’s.

Meia volta, volver!
O ministro da Defesa, Jaques Wagner, solicitou ontem a republicação do decreto que transfere responsabilidades dos antigos ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para o Ministério da Defesa, com errata na qual preserva o poder dos comandantes das Forças Armadas quanto à gestão de pessoal, ou seja, promoções, transferências e passagens para a reserva. O decreto havia irritado os militares.

Jarbas de Holanda - Dilma acuada, o Bradesco, bases petistas, a alternativa Temer, a Lava-Jato

Setembro começa apontando para erosão ainda maior do que a ocorrida em julho e agosto (e que pode completar-se até novembro) das possibilidades da presidente Dilma de conseguir recuperação do governo (dividido e paralisado diante de repostas ao descalabro fiscal) e de garantir a preservação do próprio mandato. 

As tentativas nesse sentido, contraditórias e toscas, foram marcadas pela proposta de nova CPMF, objeto de forte rechaço econômico, político e social, pela transferência, irregular, para o Congresso da montagem do próximo orçamento com déficit primário além dos R$ 30 bilhões, e, por fim, pela retórica de negação do déficit, em face da consequência de precipitação da perda do grau de investimento do país. Cabendo assinalar que este recuo deveu-se à forte reação negativa do conjunto do mercado – coincidente com a da maioria da sociedade – à opção do Palácio do Planalto pelo reconhecimento e pelo uso do déficit para favorecer mais gastos estatais em 2016. 

Na contramão do combate à crise fiscal por meio de amplo corte deles - defendido pelo ministro Joaquim Levy, sem sucesso diante da trinca pró-gastos constituída por Nelson Barbosa, Aloizio Mercadante e a própria presidente. Tal reação refletiu-se no verdadeiro ultimato feito pessoalmente a Dilma pelo presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, contra a opção do déficit e em favor da manutenção e do fortalecimento do, ainda, titular do ministério da Fazenda. O ultimato de Trabuco, a que Dilma se rendeu de pronto, certamente reforçou o “Fora Levy” nas magras manifestações dos petistas e seus aliados radicais, no dia 7 de setembro.

Já a preservação do mandato presidencial vai depender, de um lado, de um entendimento – complicado e ainda não definido – entre os três grupos dominantes do PMDB e a oposição, à frente o PSDB, em torno da alternativa Michel Temer. E, de outro lado, dos desdobramentos da apuração das “pedaladas fiscais” pelo TCU, de decisões do TSE sobre irregularidades no financiamento da campanha reeleitoral da presidente e da operação Lava-Jato, a respeito da relação entre estas e outras irregularidades do gênero com os desvios de recursos da Petrobras e da Eletrobras. 

A chegada da Lava-Jato ao núcleo do governo foi o pedido da Procuradoria Geral da República ao STF, semana passada, de autorização para abertura de investigações da Polícia Federal, que confirmarão ou não, denúncia do delator Ricardo Pessoa sobre o repasse de vultosa propina do petrolão para a referida campanha, através de Edinho Silva, tesoureiro do comitê eleitoral de Dilma e atual ministro da Comunicação Social. E os passos do Poder Judiciário, bem como sobretudo os do Congresso, nos desdobramentos da crise política, econômica e ética, vão ser condicionados por novas pesquisas de opinião pública e por mais manifestações de protesto, a serem provavelmente robustecidas pelo agravamento dos efeitos sociais do processo recessivo.

Quanto à alternativa Temer, as dificuldades para negociação política envolvem desde a demora, natural, do processo de distanciamento (e desembarque) do partido em relação ao governo até as implicações da operação Lava-Jato sobre suas principais lideranças (entre elas os presidentes da Câmara e do Senado). Implicações que podem convertê-las em alvo quase tão relevante quanto as do lulopetismo das manifestações sociais de protesto. Problema que, devidamente explorado, o ex-presidente Lula espera possa representar um obstáculo eficiente à formação do mínimo de 2/3 pró-impeachment nas duas Casas do Congresso. 

Obstáculo que, não transposto, favoreceria também outro objetivo central do lulismo: a articulação de uma resistência do Legislativo (e por extensão da cúpula do Poder Judiciário) à Lava-Jato e as condenações que dela resultarão. Objetivos, ambos, cuja viabilidade, porém, segue em nível decrescente.

Voltando à economia, cabe registrar o destaque da imprensa nesta quarta-feira a uma das respostas, perversas, ao descalabro das contas públicas, que será tentada: o aumento do Imposto de Renda.

-----------------------
Jarbas de Holanda é jornalista

Maria Cristina Fernandes - Sete a um

• Quem causou o problema tornou-se o artífice da solução

- Valor Econômico

Ela divorciou-se do primeiro marido em poucos anos de casada, ascendeu na política apadrinhada pela principal liderança de seu partido, discursa como lesse manuais, é fissurada por planilhas, promoveu uma queda histórica no desemprego, submeteu-se a uma dieta bem-sucedida e tem gosto em derrotar homens vaidosos.

Angela Merkel é sete anos mais nova que Dilma Rousseff, está no poder há dez, e, na semana passada, empurrou seu prazo de validade como chanceler da Alemanha por tempo indefinido.

Ao liderar a busca de saídas para a crise de refugiados numa Europa comovida com o garoto Aylan, mostrou como a política é capaz de transformar quem é a causa do problema em artífice de sua solução.

Em janeiro, ao mandar tropas para o Iraque, a chanceler enfrentou, com o aval de ampla maioria do parlamento, o veto constitucional ao envio unilateral de missões militares. A Alemanha já estava na região como integrante de forças das Nações Unidas e da Otan, mas esta foi a primeira vez, desde a derrota nazista na segunda guerra mundial, que enviou tropas ao exterior sem um mandato internacional.

A missão unilateral, do país que hoje é o terceiro exportador mundial de armamentos, teve como justificativa o suporte a grupos locais que lutam contra o exército islâmico. Na região, o combate ao Isis é liderado pela ordem que se seguiu à primavera árabe. Diferencia-se na gradação do terror e na capacidade de negociação com o Ocidente. Pelo intensidade dos combates, que aumentou a diáspora, é razoável concluir que a estratégia alemã não teve êxito.

A governante que partiu de um fracasso militar para construir o mais retumbante sucesso na imagem da Alemanha em 70 anos, foi perfilada pela 'The New Yorker' em reportagem reproduzida na 'Piauí'.

Criada na Alemanha oriental, filha de um pastor luterano e de uma professora de inglês, estudou Química e não tinha pedigree na política. Fez-se deputada na reunificação com a fusão do seu partido com a democracia cristã. Foi escolhida ministra por Helmut Khol, que a tratava pelo diminutivo.

Passou a ser temida pela rapidez com que absorvia informações e pelo temperamento. Deu a primeira mostra do instinto frio e calculado pelo poder ao romper com seu padrinho. No final da década de 1990, a democracia-cristã foi tragada por um escândalo de financiamento de campanha. Kohl foi acusado de não declarar doações de campanha e de manter contas bancárias secretas.
O líder do CDU era reverenciado no partido, mas o Judiciário jogou o vento a favor e Merkel não se sentiu intimidada: "É hora de aprender a andar e se lançar em futuras batalhas contra os oponentes políticos sem 'o velho cavalo de guerra". Virou presidente do partido e chanceler.

No poder, a fincar o pé nas bandeiras do seu partido, abraçou as da oposição e a esvaziou. Recuou da energia nuclear e deixou a social-democracia alemã falando sozinha com o acordo arrancado da Grécia. Trouxe o país para a mais baixa taxa de desemprego (4,7%) desde a reunificação.

Não pode ser acusada de mudar de posição sobre o imigrantes. Sempre rezou pela cartilha do pragmatismo num país sem crescimento vegetativo capaz de repor sua força de trabalho, mas a crise dos refugiados árabes lhe deu uma oportunidade histórica de redenção. Não são europeus das bordas do continente asfixiados pelo arrocho dos credores alemães. São vítimas da intolerância e do terror que há 70 anos tinham na Alemanha de Merkel sua pátria.

"É como se um ano depois da vitória na Copa do Mundo no Rio, os alemães queiram desesperadamente ser campeões do mundo novamente, desta vez como o país mais acolhedor para refugiados", escreveu Doris Akrap, no "The Guardian".

A jornalista alemã, de ascendência iugoslava, teve avós mortos pelos nazistas. Não esconde ressentimentos num artigo que ignora a importância da jogada de Angela Merkel para o futuro da Alemanha no concerto das potências mundiais.

Enquanto o Reino Unido oferece abrigo para 20 mil e a França, para 25 mil, a Alemanha se propõe a acolher 800 mil. Em balanço feito pela revista "Der Spiegel" com os imigrantes que chegaram ao país no ano passado, vindos da península em conflito, mais da metade têm entre 18 e 35 anos. Estão no auge de sua capacidade produtiva. A Alemanha vai gastar € 6 bi para abrigá-los, mas eles poderão repor uma força de trabalho capaz de consumir, pagar impostos, sustentar o sistema previdenciário e recauchutar a principal indústria europeia.

Quando esteve no Brasil, há três semanas, acompanhada de 12 ministros para uma visita de 23 horas, a chanceler alemã vinha de uma votação vitoriosa do pacote de ajuda a Grécia. Encontrou uma Dilma acossada. A silhueta mais enxuta mitigou-lhes a deselegância colorida de laranjado e azul. Fizeram uma declaração conjunta de mudança climática e seus ministros assuntaram o marco regulatório da infraestrutura. Pareciam calorosas em público, mas o que quebrou o gelo nas refeições foi o sete a um. Angela Merkel deixou o Brasil com o chiste da revanche para golear o resto do mundo.

PMDB
O PMDB fez uma reunião inédita esta semana. Pela primeira vez, desde a eleição, reuniu o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes dos partidos nas duas Casas, cinco dos seis ministros e seis dos sete governadores.

O do Rio, Luiz Fernando Pezão, que acreditava ser possível angariar alguma simpatia à tese da CPMF, logo recuou. Paulo Hartung, do Espírito Santo, pareceu mais bem sucedido na tentativa de sensibilizar os parlamentares em torno de pautas que atrairiam investimentos e não dependem do Orçamento para avançar, como o projeto que acaba com a obrigação da Petrobrás em participar com o mínimo de 30% na exploração do pré-sal.

Todos os seis governadores se disseram no limite de suas finanças para bancar uma previdência em que um coronel da Polícia Militar, assegurou o do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, se aposenta aos 46 anos.

O jantar começou às 20h e terminou depois da meia noite. Não houve consenso, mas um governador avalia que o debate da crise fiscal avançou uma casa num Congresso que não quer arcar com o desgaste do ajuste mas, depois do rebaixamento, não terá alternativa.

Renato Andrade - A brincadeira acabou

- Folha de S. Paulo

Se faltava alguma coisa para coroar a sequência de erros do governo Dilma, que jogaram a economia brasileira numa espiral recessiva, agora não falta mais.

A partir desta quinta-feira, o Brasil volta a ser considerado um país pouco seguro para investidores colocarem seu dinheiro. O selo de bom pagador, concedido pela agência Standard & Poor's em abril de 2008, durante o governo do ex-presidente Lula, virou pó, apenas oito meses depois da reeleição de sua sucessora.

O governo só tem a si mesmo para culpar. Os argumentos apresentados pela agência de risco para explicar por que o país não tem mais condições de manter o título são claros.

A mirabolante ideia de apresentar uma proposta de Orçamento com um rombo de R$ 30,5 bilhões para o próximo ano –mais um ineditismo do governo petista– foi o lance derradeiro que garantiu a passagem de volta do Brasil ao clube dos países que pagam caro para conseguir dinheiro nos mercados internacionais.

A indefinição, os recuos, os sinais trocados, toda a falta de coordenação de um governo sem rumo indicavam que esse resultado chegaria em algum momento. Ao que parece, o Planalto esperava uma certa benevolência por parte da turma do dinheiro. Perdeu a aposta. Perdeu o Brasil.

Dilma e seus ministros mais próximos não podem reclamar de que não foram avisados. De Joaquim Levy ao vice Michel Temer, passando por uma infinidade de empresários, banqueiros e políticos de partidos distintos, todos ponderaram que o caminho adotado estava errado. Mesmo assim, por teimosia ou incompetência –ou ambos–, a presidente não teve pulso para mudar o rumo das coisas a tempo de evitar o desastre.

É difícil imaginar a magnitude dos estragos que a economia brasileira sofrerá a partir de agora. A única certeza é que esses estragos virão.

Dilma defendeu na segunda-feira a adoção de "remédios amargos" para resolver os problemas. Talvez seja tarde demais para salvar o paciente.

Míriam Leitão - Perda do grau de investimento é culpa do governo Dilma

• O governo brincou com os números fiscais do país, com pedaladas, truques, isenções de impostos de forma desigual

- O Globo

É a crônica de um rebaixamento anunciado. O governo brincou com os números fiscais do país, com pedaladas, truques, isenções de impostos distribuídos de forma desigual na cadeia produtiva, e gastos excessivos principalmente no ano passado, que foi de campanha eleitoral.

Isso por si só já começou a nos colocar na rota do rebaixamento. Mas houve também a dificuldade política. Ela decorre da incapacidade de gerenciamento da crise e de condução da coalizão demonstrada pela presidente Dilma. As agências começaram a somar um e outro. Crise econômica e impasse político.

Sem a coesão necessária para tomar medidas que resgatassem as contas públicas brasileiras do caminho em que entraram, e com números cada vez piores, o Brasil perdeu, pela mais influente das agências de risco, o que nos levou anos para conseguir.

O país chegou ao grau de investimento no governo Lula, mas quem pavimentou esse caminho foi o governo Fernando Henrique. Parte fundamental desta caminhada foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, a mesma que tem sido contornada pelo governo Dilma.

Vinicius Torres Freire - A cereja podre no bolo de Dilma

• Descrédito extra do país vai prolongar a recessão e levar política à beira do abismo

- Folha de S. Paulo

O descrédito já nos custava caro fazia tempo, cortesia de Dilma Rousseff. Na prática, já havíamos sido rebaixados quando os donos do dinheiro grosso sentiram o cheiro de queimado da besteirada econômica e passaram a cobrar mais para emprestar ao país.

Vai custar algo mais. A gota d'água suja foi o "Orçamento transparente" de 2016, na verdade roto e furado de deficit, causa imediata do rebaixamento da nota de crédito do Brasil mesmo segundo a "ala ortodoxa" dos economistas do governo.

Vai haver mais estragos. De óbvio e imediato: real ainda mais desvalorizado, juros algo mais altos, recessão mais longa ou profunda. Dúvida maior é o que será da política.

Vai começar o período da Regência? Dilma Rousseff vai entregar a rapadura, se não de direito, pelo menos de fato? A quem? A Joaquim Levy, segundo a versão do burburinho palaciano da noite de ontem? Será uma regência trina provisória (Levy, Temer, Congresso)? O PMDB vai antecipar a fritura final da presidente?

Como um governo ainda mais desmoralizado será capaz de coordenar um acordo entre lideranças políticas e sociais para dar um jeito mínimo nas contas públicas? Até agora, não era capaz de coordenar nem mesmo sua desordem intestina, a barafunda palaciana que cria mixórdia política e desbarata qualquer programa econômico coerente e durável.

O descrédito começou bem antes que nos dessem nota vermelha, a medalhinha de potencial caloteiro, como o fez a S&P ontem (aliás, o que será da endividada Petrobras?). Mesmo assim, foi inesperado levar agora o rótulo de "investimento especulativo", grau "caloteiro mirim", "especulativo, mas nem tanto". Imaginava-se, governo e "mercado", que seria possível enrolar até janeiro, por aí.

Por que a S&P rebaixou o país? Porque o crescente tumulto político reduziu "a capacidade e a vontade do governo de elaborar um Orçamento coerente" com as promessas do início de Dilma 2. Porque o governo baixou de novo a meta de superavit "seis semanas depois de ter cortado a meta anterior", seguindo o método confuso de desempenho reverso, o método Dilma Rousseff (não tem meta e, quando piora, dobra a meta degradada). Porque se previa um triênio de deficit primário.

A dívida crescerá, na avaliação da S&P, pois o deficit nominal será de 8% tanto em 2015 quanto em 2016, com a economia encolhendo 2,5% e 0,5%, respectivamente. Na média do quadriênio 2014-2017, o deficit seria de 7% em média. Um desastre.

Pode piorar já no ano que vem. A nota de crédito pode cair mais devido à possibilidade relevante ("33%") de que o deficit cresça mais, dada a inércia causada pelo tumulto político, ou ao risco de desordem econômica ainda maior do que a esperada agora, diz a S&P.

Sim, essas agências já foram negligentes, ineptas e mesmo cúmplices de desastres, como na crise de 2008. Sim, seguem o bonde de euforias dos mercados financeiros, dão alertas tardios, quando não apenas comparecem para matar os feridos depois da batalha. Mas, apesar de vexames e erros, tais empresas contam porque suas notas orientam, mesmo legalmente, muita decisão de investimento.

Desta vez, porém, para nosso vexame e miséria, até as agências de classificação de risco estão certas.

Lula na oposição – Editorial / O Estado de S. Paulo

A clara improbabilidade de a atual crise econômica ser satisfatoriamente superada a tempo de permitir ao PT disputar com um mínimo de competitividade a eleição presidencial de 2018 sugere que a opção politicamente mais conveniente para o lulopetismo seria passar para a oposição, livrar-se da responsabilidade de consertar o estrago que fez no País e retomar com vigor o discurso populista que tem sustentado seu projeto de poder. Isso só seria possível, é claro, se o mandato de Dilma viesse a ser abreviado a tempo de Lula assumir, na oposição, seu papel predileto – o de salvador da Pátria em luta de peito aberto contra “eles”, os inimigos do povo. Inimigos que seriam responsabilizados por Lula pelo “golpe” contra Dilma que ele próprio, na intimidade, estaria comemorando.

Essa hipótese, mais de uma vez objeto de análise neste espaço, é claramente reforçada pelo pronunciamento feito por Lula na capital paraguaia, quando contestou declaração feita na véspera por Dilma Rousseff sobre a necessidade de aplicar o “remédio amargo” do corte de gastos – inclusive em programas sociais –, para o ajuste fiscal necessário para debelar a crise econômica. Segundo Lula, a falta de dinheiro é mera “desculpa”, porque “é muito difícil encontrar alguém dos setores da Fazenda e do Tesouro” disposto a contribuir “para ajudar os que vêm de baixo”. As orelhas de Levy arderam.

Com essa manifestação marota que escamoteia o fato de que a atual crise econômica foi provocada, não apenas, mas principalmente, pela gastança descontrolada do governo petista, Lula procura descolar sua imagem da arrasadora impopularidade do poste que colocou na Presidência da República. O ex-presidente brindou a plateia paraguaia com uma exaltação a sua iniciativa de, em seu primeiro mandato, investir em programas sociais: “Era um momento em que a economia brasileira não estava bem (...) em que qualquer ministro da Fazenda (...) iria dizer que não poderia fazer o programa porque não tinha dinheiro. Eu, então, resolvi que era exatamente naquele instante que nós tínhamos que dar o exemplo da inclusão dos mais pobres no Orçamento da União”.

Lula se considera, como se vê, o primeiro e único governante brasileiro a se preocupar com os pobres, aos quais prestou sua homenagem: “O pobre ajudou a salvar o Brasil (ao se beneficiar das políticas de incentivo ao consumo). Eu sempre digo que, antes de eu chegar à Presidência, os pobres eram tratados como se fossem problemas. E hoje eu digo que cuidar dos pobres é a solução”.

Generosamente, Lula compartilhou com o presidente paraguaio, Horácio Cartes, a seu lado na solenidade, a fórmula do sucesso: “Nunca antes tinha acontecido um fenômeno que fizesse com que a economia começasse a girar com tamanha rapidez, e a gente percebeu isso: política pública, crédito e comida para as pessoas”. E acrescentou uma observação que deliberadamente desqualifica do ponto de vista social o governo de sua sucessora: “Eu, portanto, acho que nós estamos em um momento de voltar a acreditar nos pobres outra vez”.

Lula vinha sendo ambíguo em relação ao programa de ajuste fiscal de Dilma, tendo afirmado várias vezes que o PT precisa apoiar, no Congresso, os projetos apresentados pela equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Era até uma questão de coerência, considerando que foi ele próprio quem sugeriu a Dilma colocar um economista “liberal” no comando da equipe econômica. Só que, agora, o pragmático chefão do PT chegou à conclusão de que é praticamente impossível o governo recuperar a economia em tempo de viabilizar sua própria candidatura à Presidência em 2018. E tem manifestado aos mais próximos a convicção de que, como já não se pode salvar o governo, pelo menos que se salve o PT – ou seja, ele próprio.

Isso explica a situação surreal em que se encontra a presidente da República, que não se decide se conserta ou não o estrago por ela mesma provocado nas contas do governo e na economia nacional e, qualquer que seja a situação, não pode contar sequer com o apoio do partido que a elegeu.

Lula aguarda ansioso, dia após dia com menor discrição, o momento de passar oficialmente para a oposição mirando as eleições de 2018. Para isso é preciso tirar Dilma do caminho. Por razões diferentes, Lula quer o mesmo que a imensa maioria do povo.

Remédio ‘amargo’ é para o contribuinte – Editorial / O Globo

• Em vez de atacar os principais focos da crise fiscal, como o uso do salário mínimo para indexar despesas, Planalto prefere dar prioridade a mais impostos

Há longa tradição no Brasil — país em que o Estado foi constituído de cima para baixo — na preservação dos gastos públicos que beneficiam grupos políticos no poder e respectivos aliados, mesmo que, para isso, haja sucessivas derramas tributárias sobre as rendas da sociedade.

E a norma ameaça se repetir, durante uma grave crise fiscal como esta, em que o enorme salto das despesas públicas ultrapassou a capacidade de o contribuinte bancá-las. Mas, mesmo assim, ele pode ser compulsoriamente convocado a repartir mais uma parcela de suas receitas, seja pessoa jurídica ou física, com o Erário. Isso embora já arque com pesada carga tributária — de 35% do PIB, primeira no ranking das economias emergentes, acima mesmo de alguns países desenvolvidos, que prestam serviços básicos de qualidade, o oposto do Brasil.

Ao enviar ao Congresso proposta de Orçamento para 2016 com um déficit de 0,5% do PIB, ou R$ 30,5 bilhões — há informações consistentes de que o buraco é maior —, afirmou o governo querer, com isso, patrocinar um debate com o Legislativo e sociedade sobre formas de cobrir o rombo. Meras palavras dissimuladoras, pois começa a ficar evidente que o Planalto deseja mesmo é dar prioridade à pior alternativa, a velha fórmula do aumento de impostos. Cortes no custeio da obesa máquina estatal, só mesmo periféricos; e nos investimentos, outro equívoco contumaz.

Tudo isso em que pese o choque tributário piorar a situação de empresas já claudicantes devido à recessão. Quer dizer, para preservar um insano sistema de “despesas obrigatórias" com o dinheiro do Tesouro e ainda adiar reformas cruciais, o Planalto prefere estender a recessão e, consequentemente, o desemprego, por meio de mais impostos. Até mesmo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, parece convencido da necessidade de elevação de gravames, de preferência os que podem ser majorados por meio de decretos presidenciais — IOF, IPI, entre outros —, numa afronta a um Congresso já rebelado. Trata-se de mais combustível, portanto, para a crise política em evolução.

Desengaveta-se, inclusive, a velha balela do imposto “provisório”, aquele mesmo que, apesar do nome, se eterniza. Como foi a CPMF, lançada com a sigla IPMF, com “p” de “provisório”, mas que só foi revogada, pelo Senado, muito tempo depois, contra a vontade do Planalto de Lula.

Perdem-se tempo e esforço político nessa conspiração insana contra o contribuinte, quando governo e Congresso deveriam, há algum tempo, estar debruçados, por exemplo, sobre formas de desarmar o mecanismo de alta destruição fiscal representado pela regra da aplicação do aumento do salário mínimo a grande parte das chamadas despesas obrigatórias, cerca da metade do Orçamento de R$ 1,2 trilhão.

O PMDB e a falência de Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

O PMBD, acredite quem quiser, representa hoje o espantoso papel de defensor do corte de gastos, da redução de ministérios e do aumento da eficiência da administração federal – contra o aumento de impostos, exceto como “última hipótese”, expressão usada pelo vice-presidente da República, Michel Temer. Qualquer político do Partido Republicano dos Estados Unidos – especialmente se pouco informado a respeito do Brasil – aplaudiria as falas de Temer e dos presidentes do Senado e da Câmara a favor da austeridade fiscal e da parcimônia no uso do dinheiro público. “Temos de evitar remédios amargos e, se for possível, simplesmente cortar despesas”, disse Temer na terça-feira, pouco antes de um jantar com governadores, ministros e parlamentares peemedebistas no Palácio do Jaburu. Assuntos principais: política econômica e situação financeira dos Estados. Não era uma reunião de governo nem de oposição, mas uma prova a mais da crise de liderança, da fraqueza da presidente Dilma Rousseff e do desarranjo da máquina governamental.

A expressão “remédios amargos” havia sido usada no dia anterior pela presidente da República, em pronunciamento sobre a crise fiscal e a necessidade de ajuste. A presidente e parte de seus ministros vinham defendendo, nos últimos dias, um esforço maior de arrecadação – com aumento de impostos – para fechar o buraco de R$ 30,5 bilhões previsto no esboço de orçamento enviado ao Congresso. A presidente já havia declarado, em discurso em Campina Grande, haver avançado tanto quanto possível na redução de gastos. Absolutamente isolado no governo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continuava defendendo um ajuste por meio de duas linhas de ação – contenção de gastos e aumento da receita. Entrevistado em Paris, ele chegou a admitir, em resposta a uma pergunta, a hipótese de elevação do Imposto de Renda.

Ao enviar ao Congresso a proposta de Orçamento para 2016, a presidente Dilma Rousseff tentou envolver os parlamentares no esforço para equilibrar as contas do próximo ano. O presidente do Senado, Renan Calheiros, acolheu oficialmente o projeto, sem aceitar, no entanto, o encargo de tapar o buraco orçamentário. O presidente da Câmara foi igualmente claro ao rejeitar essa incumbência. Acabaram, no entanto, entrando na discussão sobre como realizar o ajuste ou, mais precisamente, o remendo financeiro necessário para cobrir os R$ 30,5 bilhões, ou talvez mais, segundo algumas estimativas.

Parlamentares participam normalmente da formatação da política fiscal, nos Estados Unidos e em outros países. No Congresso americano, republicanos tendem a rejeitar aumentos de impostos e a pregar o corte de gastos – principalmente dos chamados programas sociais – e a defender a concessão de favores fiscais. Esses favores, naturalmente, foram com frequência dirigidos a empresas poderosas e a cidadãos de alta renda, quando o partido esteve no poder. No Brasil, costuma-se deixar para o Executivo a tarefa de cuidar da saúde financeira do Estado.
Congressistas interferem no projeto de Orçamento quase exclusivamente para elevar a estimativa de receita e para incluir no texto emendas de interesse clientelístico e paroquial.

Ao entrar no debate sobre o ajuste do Orçamento, o vice-presidente, Michel Temer, e os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, preenchem um vácuo deixado pelo Executivo, atendem a uma ampla frente empresarial contrária à elevação de tributos e vestem a toga de defensores da austeridade e da boa governança.

Essa é mais uma façanha da presidente Dilma Rousseff e de sua trupe de trapalhões. Já realizaram um feito histórico ao mandar ao Congresso um projeto de orçamento com déficit nas contas de receitas e despesas primárias, isto é, sem inclusão do serviço da dívida. Mas o buraco de R$ 30,5 bilhões é irrelevante, se comparado com o déficit de organização, de representatividade e de competência de um governo sem programa, sem rumo e sem liderança – que por isso mesmo é obrigado a engolir lições de austeridade de um partido que nunca foi austero.

Carlos Alberto Sardenberg - Pequenas mordomias

• Cortar dois dos três carrões de Renan não fará muita economia. Mas são milhares de carrões na administração

- O Globo

O presidente do Senado pode se hospedar no luxuoso Hotel Emiliano, em São Paulo, com diária base de R$ 2.236,50, paga pelos cofres públicos, e ali receber um empreiteiro ao qual pediu dinheiro para a campanha eleitoral de seu filho?

Para Renan Calheiros, não tem nada demais. Está dentro de suas prerrogativas institucionais. O senador confirmou que esteve com o empreiteiro Ricardo Pessoa no Emiliano; que pediu doação para a campanha de Renan Filho a governador de Alagoas; que recebeu o dinheiro (R$ 1 milhão) via diretório estadual do PMDB.

Negou a outra parte constante da delação premiada de Ricardo Pessoa. Segundo o empreiteiro, o dinheiro doado tinha sido desviado de um contrato para construção de Angra III e era uma espécie de pedágio pago ao PMDB.

Renan disse que não sabia nada disso e que a doação foi pedida e recebida legalmente.

Digamos que ele esteja falando a verdade. Resta no mínimo uma irregularidade e, com certeza, um desvio ético grave: com o dinheiro do Senado, do contribuinte, pois, o presidente se instala no caríssimo hotel para tratar com empreiteiros da campanha de seu filho. O fato de Renan não ter se preocupado com esse detalhe, quando negou a corrupção, mostra bem como esse pessoal se julga dono da coisa pública.

Ricardo Pessoa entregou vários políticos do PMDB, como o senador Romero Jucá e o ex-ministro de Minas e Energia Edson Lobão, também senador. Todos negaram que se tratava de propina, mas também não se preocuparam com o entorno dos fatos. Confirmaram que as doações foram combinadas em jantares nos restaurantes dos hotéis Emiliano e Fasano, este um pouco mais barato, com diária promocional, ontem, de R$ 1.370,25, sem café da manhã (mais R$ 89,27).

Quem terá pago a conta dos jantares, que não saem por menos de R$ 200 por pessoa, sem bebidas? O contribuinte brasileiro ou o empreiteiro que vivia de contratos com o governo? Resultado: o povo brasileiro, em qualquer hipótese.

Pode parecer exagero, mas vamos prestar atenção às circunstâncias. Suponhamos que Ricardo Pessoa esteja dizendo a verdade, uma hipótese possível, já que a sua delação premiada só vale, e ele recebe o benefício de cumprir a pena em casa, se oferecer provas ou indícios suficientes. Nesse caso ficamos assim: um senador usa dinheiro público para se hospedar ou jantar em casas de luxo, onde recolhe dinheiro proveniente de corrupção em obras públicas.

Não era dinheiro de corrupção — é tudo que negam.

Não é de estranhar.

Querem outro exemplo desse tipo de visão do dinheiro público? Cada um dos 81 senadores tem direito a carro de luxo para uso “institucional”. Aliás, o Senado está renovando sua frota por estes dias.

Renan Calheiros, lógico, tem direito a seu carro. Mas como é o presidente da Casa, pode usar um veículo mais luxuoso e tem direito a mais um. O que nos leva a uma situação assim: Renan está deixando o Senado e o segurança pergunta ao assessor: “Sua Excelência está como simples senador ou como presidente?”

“Presidente”, responde o assessor.

E o segurança: “Então é aquele carro ali da direita.”

O terceiro carro, luxuoso igualmente, é da segurança — e neste caso é sempre o mesmo.

Vida dura
Os brasileiros passam por um momento difícil. Pesquisa da CNI mostra que mais da metade da população procurou um segundo ou um terceiro trabalho no último ano. Revela ainda que quase 60% das famílias alteraram hábitos, como mudar para casa menor ou tirar filhos da escola particular.

A ordem é economizar e buscar novas receitas.

As empresas privadas enfrentam um duplo desafio: custos em alta e vendas em queda.

Também estão se virando. Donos de restaurantes, por exemplo, fazem pool para comprar mantimentos, tiram a toalha de tecido das mesas, criam métodos para perder menos comida, e assim vão.

Em resumo, está todo mundo trabalhando mais e buscando saídas, por pequenas que sejam, para manter a saúde econômica e financeira.

O setor público está quebrado. O governo federal foi quebrado pelo gasto descontrolado dos últimos anos.

E vêm os governantes dizer que não têm onde cortar gasto? As mordomias? Ora, dizem, custam pouco, são pequenas mordomias.

Certo, dois dos três carrões do senador Renan não farão muita economia. Mas são milhares de carrões espalhados pela administração.

O presidente do Senado não precisa dormir na rua quando vai a São Paulo. Mas no Emiliano?

A presidente Dilma não precisa viajar desacompanhada quando vai para o exterior. Mas com aquelas comitivas de 50 pessoas? E aquela fileira de carros e limusines que envergonham qualquer pessoa de bom senso?

O governo federal tem mais de 140 estatais. Só o Ministério de Minas e Energia, que Lobão chefiava, tem 74 empresas. Não tem nem “uminha” só para fechar, ainda que seja só para dar exemplo?
-----------
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Demétrio Magnoli - Os pactos deles – e o nosso

• Lulopetismo impede a formulação de consensos básicos como os que sustentaram a Agenda 2010, na Alemanha, e o Pacto de Moncloa, na Espanha

- O Globo

Primeiro, foi Michel Temer, com seu “alguém precisa unificar este país”. Depois, o empresário Abilio Diniz sugeriu preencher o sujeito oculto com três nomes, os de FH, Lula e o próprio Temer, que seriam “trancados numa sala para encontrar a solução”. Na sequência, o sociólogo André Singer, porta-voz de Lula no primeiro mandato, propôs uma correção no esquema de Diniz, opinando que o chamado à reunião salvadora deve partir de Dilma Rousseff — e que a presidente precisa estar na sala lacrada. Finalmente, segundo informa a jornalista Dora Kramer, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, um conselheiro do círculo direto de Dilma, peregrinou até o Instituto Fernando Henrique Cardoso para solicitar, sem sucesso, uma audiência não agendada com o ex-presidente. Paira no ar a palavra “pacto”.

A Alemanha tem algo a ensinar, quando se trata de pacto. Perante o Bundestag (Parlamento), em março de 2003, o chanceler social-democrata Gerhard Schröder expôs sua Agenda 2010, um plano de reformas nas relações de trabalho e no sistema previdenciário. O país concluíra o penoso processo de incorporação da antiga Alemanha Oriental, liderava a União Europeia no lançamento do euro e enfrentava as novas condições de concorrência global geradas pela ascensão chinesa. As reformas destinavam-se a alavancar a produtividade, que estagnara, de modo a reativar a capacidade exportadora da indústria alemã.

Schröder obteve apoio da Democracia-Cristã, o principal partido oposicionista, do empresariado e de líderes cívicos e religiosos. Enfrentou batalhas com os sindicatos mas, em 2004, conseguiu o suporte decisivo dos dirigentes da maior central sindical. O pacto alemão implicou cortes significativos nos salários reais e no welfare state. Em compensação, propiciou a retomada do crescimento e, mais adiante, conferiu à Alemanha a musculatura indispensável para resistir à crise geral da zona do euro.

Bem antes, a Espanha fizera uma experiência de sucesso no terreno perigoso do pacto nacional. O Pacto de Moncloa, de agosto de 1977, funcionou como ponte pela qual o país transitou do franquismo à democracia e, no fim do arco-íris, ingressou na Comunidade Europeia. Menos de dois anos após a morte do ditador Francisco Franco, a Espanha ingressava no quinto ano de uma recessão marcada por fortes desequilíbrios nas contas externas, inflação crescente e altas taxas de desemprego. Por iniciativa do presidente de governo de centro-direita Adolfo Suárez, uma comissão pluripartidária redigiu os textos dos acordos, que foram aprovados no Parlamento.

Nos acordos econômicos, definiu-se uma política de austeridade fiscal e de contenção salarial. Nos políticos, garantiu-se o direito de associação, a reforma do Código Penal e a reorganização da polícia. O Palácio da Moncloa, sede do governo, serviu de palco para a conclusão do pacto, assinado pelos líderes de todos os grandes partidos: o social-democrata Felipe González, o eurocomunista Santiago Carrillo, e o ex-franquista Manuel Fraga, do Partido Popular, que apenas não subscreveu o capítulo de reforma politica.

O Brasil carece da condição prévia que permitiu os pactos alemão e espanhol: a crença compartilhada na legitimidade dos partidos políticos. Os dois grandes partidos alemães aprenderam a lição da parceria no jogo democrático durante a Guerra Fria, quando conviveram na trincheira de resistência à URSS e à Alemanha Oriental. Na Espanha, apesar da memória indelével da Guerra Civil, os principais partidos tinham um objetivo comum, que era a democratização e o acesso à Comunidade Europeia. Por aqui, em contraste, o PT não enxerga os outros grandes partidos como rivais políticos e competidores eleitorais, mas como “inimigos do povo”.

A linguagem lulopetista liga-se à tradição da esquerda nacionalista latino-americana, que usa o conceito de imperialismo para exibir os demais partidos como representações internas de um “inimigo externo”. Do ponto de vista do PT, o PSDB está devotado a vender o “patrimônio nacional” às empresas estrangeiras. Os clássicos discursos petistas sobre a Petrobras e, meses atrás, as acusações eleitorais de Dilma contra Aécio Neves e Marina Silva evidenciam a impossibilidade de um pacto legítimo.

Um pacto distingue-se de um conchavo porque se articula em torno de uma nítida, detalhada plataforma política e econômica. No Brasil, o lulopetismo impede a formulação de consensos básicos como os que sustentaram a Agenda 2010 e o Pacto de Moncloa. Nosso pacto nacional teria que associar a consolidação fiscal a reformas estruturais destinadas a incrementar a produtividade. O pensamento econômico do PT, porém, continua hipnotizado pela combinação fracassada de estatismo e expansão fiscal do primeiro mandato de Dilma — e qualifica qualquer alternativa como uma maléfica conspiração “neoliberal”. Além disso, um pacto só teria sentido se atendesse à exigência cidadã de libertar a administração pública da colonização político-partidária, algo impensável tanto para o PT quanto para um relevante setor do PMDB.

As vozes petistas que, de repente, descobriram as virtudes do “pacto” buscam apenas uma saída tática para o desastre histórico do lulopetismo. O Brasil precisa, realmente, de um pacto nacional, cujos contornos esboçam-se em meio à crise atual. Mas, infelizmente, ao contrário dos precedentes alemão e espanhol, ele não será conduzido pelo governo e excluirá a participação de um dos grandes partidos, que é o PT. Nosso pacto é para o pós-Dilma, seja isso daqui a poucos meses ou apenas em 2018.

Há pouco, FH escreveu sobre a necessidade da formação de “um novo bloco de poder que tenha força suficiente para reconstruir o Estado brasileiro”. Nessa fórmula, encontra-se o reconhecimento de que a chave do futuro não é propriedade do PSDB e nem mesmo de uma coalizão partidária. Pacto, dito de outro modo.
----------
Demétrio Magnoli é sociólogo

Roberta Sá - Menino

Fernando Pessoa - Acaso

No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.

Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.

(Álvaro de Campos)