sábado, 13 de setembro de 2025

O custo da deslealdade à democracia. Por Oscar Vilhena Vieira e Theo Dias

Folha de S. Paulo

Condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro representa passo importante na interrupção do legado de impunidade no país

A impunidade tem sido a regra para os que conspiram contra a ordem constitucional no Brasil. Ao longo da República, mais de uma dezena de golpes, insurgências e intentonas ficaram impunes. Mesmo os autores de crimes contra a humanidade foram, ao final, anistiados.

A condenação de Jair Bolsonaro representa, assim, passo importante na interrupção desse legado de impunidade, que tem servido como incentivo para sucessivas rupturas das regras básicas do jogo democrático. Se o parlamento não forçar uma anistia, o custo para um novo golpe terá ficado mais alto no Brasil.

A decisão do STF assume, ainda, importância que transcende as fronteiras da política nacional. A responsabilização do ex-presidente e de militares de alta patente, que lhe assistiram na empreitada, representa um alento para outros regimes democráticos que se encontram sob severo ataque por parte de líderes populistas e movimentos autoritários.

O tema da defesa institucional da democracia não é novo. Sob impacto da experiência totalitária, a Alemanha do pós-guerra erigiu um modelo constitucional de "democracia defensiva", composto de diversas ferramentas, como cláusulas pétreas, proibição de partidos políticos antidemocráticos ou restrição aos discursos de ódio. A "democracia defensiva" também prevê o emprego do direito penal para proteção contra "inimigos" da Constituição.

Constituição de 1988, reativa à nossa acidentada trajetória política, também adotou um modelo de "democracia defensiva", com mecanismos que se demonstraram indispensáveis para sobrevivermos a esse ciclo populista. Importa destacar, no entanto, que se o Brasil resistiu às investidas autoritárias, muito se deve àqueles que habitam as instituições, assim como setores da sociedade e da imprensa, que não subestimaram a gravidade das ameaças e adotaram uma postura defensiva, mobilizando inclusive o direito penal e eleitoral para proteger as eleições e para punir os que ameaçaram as regras do jogo.

O direito penal cumpre papel essencial no enfrentamento de casos com violência ou grave ameaça, mas não deve ser visto como panaceia, devendo haver estratégias educacionais e políticas "capazes de isolar os partidos de extrema direita sem ignorar as suas pautas, o que não significa reproduzir os seus discursos ou abordar os problemas da mesma maneira" (Cas Mudde, A Extrema Direita Hoje, 2022).

Nesse sentido, embora a condenação de Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais tenha sido passo importante para excluir do jogo político atores desleais à Constituição, a sobrevivência da democracia depende de mais do que isso.

O desafio colocado à frente dos atores leais ao jogo democrático, neste momento, é reconstruir um consenso em torno de regras de convivência política básicas; de respeito entre os poderes; de competição política baseada no respeito à legalidade; da solução pacífica dos conflitos; assim como a necessidade de formar governos capazes de responder aos interesses e necessidades de toda a sociedade.

Sem que os governos sejam capazes de contribuir para o desenvolvimento econômico e social, promover a segurança dos cidadãos, empregar eficientemente o orçamento público e implementar políticas públicas de qualidade, que contribuam para o bem-estar da população, reforçando a confiança nas instituições, a democracia continuará vulnerável aos ataques de parasitas, que dela se nutrem para destruí-la.

 

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