Por
diferentes motivos, mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e
modernizantes de Bolsonaro começam a suspeitar que foram enganados
O desapontamento com o governo Bolsonaro não é um fato novo. Há quem tenha se desencantado com Jair Bolsonaro em razão, por exemplo, da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça em abril de 2020. Na ocasião, o ex-juiz da Lava Jato relatou tentativas de interferência por parte do presidente na condução da Polícia Federal. O episódio levou a que muita gente revisse sua ideia sobre a suposta carta branca que Jair Bolsonaro teria dado a Sérgio Moro para o combate à corrupção.
Na
semana passada, a interferência de Jair Bolsonaro na presidência da Petrobrás
produziu uma nova onda de decepção. Além dos efeitos devastadores sobre a
empresa, com prejuízos muito concretos para as centenas de milhares de
acionistas minoritários, a ordem para mudar a chefia da empresa consolidou a
percepção de que Jair Bolsonaro não tem nenhum compromisso com a agenda liberal
proposta na campanha de 2018. Não há mais nem mesmo o cuidado de manter as
aparências.
Sempre
houve bons motivos para desconfiar da adesão de Jair Bolsonaro a uma pauta de
reformas. Basta pensar, por exemplo, que, por mais de duas décadas, a atuação
do ex-capitão na Câmara dos Deputados foi oposta a todo o conjunto de reformas
anunciado por Paulo Guedes na campanha eleitoral do então candidato do PSL à
Presidência da República.
O
fato, no entanto, é que muita gente confiou em Jair Bolsonaro: em sua
disposição e capacidade de promover uma profunda mudança liberal no Estado
brasileiro. A ideia era a de que, sob a batuta de Paulo Guedes, haveria um
choque de gestão. O déficit fiscal acabaria, muitas privatizações seriam
feitas, o poder público seria mais eficiente e o ambiente de negócios sofreria
uma revolução.
“Quando candidato, Bolsonaro falava em privatização, e o ministro Guedes, que é liberal, defendia a tese da redução do tamanho do Estado. Me senti motivado a deixar meus negócios para contribuir com isso”, disse o empresário Salim Mattar ao Estado. De janeiro de 2019 até agosto de 2020, Salim Mattar foi o secretário especial de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia.
Hoje,
ao falar daquele sonho liberal, Salim Mattar não esconde sua decepção. “O
ministro Guedes é resiliente, obstinado e determinado, mas não percebeu que foi
vencido. Por exemplo, há quanto tempo a história da Eletrobrás está no Congresso
e não consegue autorização?” Como se sabe, a resistência à venda da Eletrobrás
não vem apenas do Legislativo. Até a edição da MP 1.031/21, Jair Bolsonaro
tinha colocado mais condições do que defendido sua privatização.
Ao
avaliar o panorama atual do País, citando, entre outros pontos, o episódio do
deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da
Petrobrás, Salim Mattar não é otimista. “Nós perdemos o foco como país, não vai
dar certo, não tem jeito de dar certo. O País precisa de foco para aquilo que é
importante para o cidadão”, disse.
Paulo
Uebel também não esconde sua decepção com os rumos do governo federal. Segundo
o ex-secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do
Ministério da Economia, mais do que simplesmente não promover as reformas, o
presidente Jair Bolsonaro segue o caminho das administrações petistas. “Isso (a interferência na política
de preços da Petrobrás) é uma mudança que vai contra o que foi
aprovado nas urnas e aproxima Bolsonaro de práticas que o PT fazia. E isso é o
oposto do que o eleitor de Bolsonaro gostaria de ver”, disse Paulo Uebel
ao Estado.
Em sua avaliação, o resultado da interferência pode ser a “destruição de valor
muito grande da empresa, como vimos durante a gestão do PT”.
O
abandono de qualquer imagem de governo reformista se dá num momento em que a
aprovação de Jair Bolsonaro caiu para 44%, uma queda de oito pontos em quatro
meses, de acordo com a pesquisa realizada pela Confederação Nacional do
Transporte (CNT) em parceria com o Instituto MDA. No período, também diminuiu a
avaliação positiva do governo (ótimo e bom) de 41% para 33%. Por diferentes
motivos – a irresponsável atuação do governo federal na pandemia é apenas um
deles –, mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e modernizantes
de Bolsonaro começam a suspeitar, ora vejam, que foram enganados.
Dívida, auxílio e credibilidade – Opinião / O Estado de S. Paulo
Novo
auxílio sem contrapartida pode ser muito perigoso para a gestão fiscal
O Brasil completa um ano de pandemia com o setor público superendividado, num quadro de muita incerteza e de muita oscilação no mercado financeiro. O governo geral fechou janeiro com dívida bruta de R$ 6,67 trilhões, soma equivalente a 89,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e muito acima dos padrões observados na média dos países emergentes (cerca de 62%). O governo geral inclui os poderes da União, de Estados, de municípios e o INSS, e o principal devedor é a União. Cuidar da imagem e da credibilidade é condição indispensável para evitar problemas muito sérios para o setor público e, como consequência, para os negócios e para o emprego. Daí a necessidade, adverte o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, de garantir compensação para qualquer novo programa de auxílio emergencial às famílias mais carentes.
Senadores
têm considerado a aprovação de mais quatro meses de ajuda sem definição
imediata de contrapartida. Sem esse cuidado, serão mais R$ 30 bilhões – já se
falou até em R$ 40 bilhões – sem cobertura, num período de enorme insegurança
quanto às condições fiscais. O novo socorro às famílias mais necessitadas,
pode-se argumentar, dará impulso ao consumo, à produção e à arrecadação de
impostos, mas o resultado final para as contas públicas é incerto. Maior
incerteza, lembrou o secretário, pode resultar em piora da avaliação de risco,
juros mais altos, maior dificuldade para a retomada econômica e menor geração
de emprego e renda.
A
proposta orçamentária elaborada pelo governo – e ainda nem aprovada no
Congresso – indica um déficit primário (sem os juros) de R$ 247,1 bilhões para
o poder central. Isso dependerá de um severo controle das finanças federais,
indispensável também para a contenção do endividamento. Nos 12 meses terminados
em janeiro, o governo central acumulou déficit primário de R$ 776,44 bilhões,
segundo o Tesouro.
Mas
o balanço de janeiro pode parecer animador, porque o governo central obteve
superávit primário de R$ 43,22 bilhões. Mas ninguém deve ficar entusiasmado. O
saldo de janeiro é normalmente positivo. Além disso, o superávit foi
ligeiramente inferior ao de um ano antes, quando chegou a R$ 44,13 bilhões em
valores correntes. A receita líquida do mês, R$ 155,29 bilhões, foi 2,1% menor
que a de janeiro de 2020. A despesa total foi 0,4% inferior à de um ano antes.
A
situação do Tesouro fica mais clara quando se considera a relação entre
despesas obrigatórias e receita líquida. Desde 2015 esses gastos consomem toda
a receita líquida e até um pouco mais. Nos 12 meses de 2020, no entanto, as
despesas obrigatórias, incluídas aquelas destinadas ao enfrentamento da crise,
foram 53% maiores que a receita.
Essa
proporção se manteve nos 12 meses até janeiro. Isso explica o enorme déficit
primário acumulado no período. A relação pode ter melhorado em fevereiro, mas a
volta do auxílio emergencial deverá causar uma reversão. Sem garantia de
contrapartida, o mercado poderá reagir mal. O financiamento do Tesouro, nesse
caso, ficará mais difícil e os efeitos baterão na atividade econômica.
Para
uma visão mais ampla das finanças públicas é preciso recorrer aos dados mensais
do Banco Central (BC). Nessas contas, o resultado fiscal é calculado como
necessidade de financiamento do setor público. Pelo novo levantamento, o
governo central teve superávit de R$ 43,16 bilhões em janeiro e déficit de R$
747,60 bilhões em 12 meses. Quando se incluem as contas de Estados, municípios
e estatais, chega-se ao resultado primário do setor público: superávit de R$
58,37 bilhões no mês e déficit de R$ 700,85 bilhões no intervalo de um
ano.
Somando-se
os juros, obtém-se o chamado resultado nominal: excedente de R$ 17,93 bilhões
em janeiro, com buraco de R$ 1,02 trilhão em 12 meses, valor correspondente a
13,67% do PIB. Entre dezembro e janeiro a dívida bruta do governo geral passou
de R$ 6,61 trilhões para R$ 6,67 trilhões (89,7% do PIB) – fortíssima razão
para o governo cuidar da credibilidade. Seria bom o presidente Bolsonaro saber
disso.
Saídas da crise para a América Latina – Opinião / O Estado de S. Paulo
Qualquer
solução para os problemas da América Latina passa pela educação
“Hoje nos encontramos ante um enorme paradoxo: não há dúvida de que a pandemia teve grandes efeitos destrutivos”, constatou o ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento Luis Moreno, “mas também levou a uma enorme aceleração da inovação e da transformação digital.” Para Moreno, “temos duas grandes tendências no mundo de hoje: um movimento rumo a uma economia mais digital e o eixo do mundo, em termos econômicos, cada vez mais orientado para a Ásia”. Neste cenário, quais os desafios da América Latina para a saída da pandemia? A questão serviu de alavanca a um debate entre Moreno e Fernando Henrique Cardoso, promovido pela Fundação FHC.
A
pandemia atingiu uma economia latino-americana debilitada. Se em 2020 a
economia global encolheu cerca de 3,5% e, em 2021, deve crescer cerca de 5,5%,
na América Latina a contração foi de quase 8% e o crescimento deve ser de 3,5%.
A dívida pública da região, que no início de 2020 estava em torno de 60%, agora
chega a 70%. “Ou seja”, constatou Moreno, “boa parte de todo o estímulo fiscal
foi feita com dívida.” E ainda que estes estímulos tenham aliviado
momentaneamente a pobreza, ela crescerá – em alguns casos nos níveis de duas
décadas atrás.
Some-se
a isso o fato de que a transformação do mercado de trabalho promovida pela
revolução digital foi acelerada pela pandemia. Estima-se que em oito meses o
comércio eletrônico, por exemplo, avançou o equivalente a três ou quatro anos.
Mas nos países desenvolvidos o avanço foi maior e menor nas regiões em
desenvolvimento, como a América Latina. Segundo Moreno, enquanto nos EUA o
comércio eletrônico saltou algo entre 50% e 80%, no Brasil foram cerca de 40% a
50%.
Nestas
condições, “não creio que a recuperação será em V, temo que será em U”,
constatou FHC. “Será difícil, porque as mudanças na tecnologia produtiva são
muito grandes e as pessoas não estão capacitadas para isso.” De resto, sobre o
cenário político, FHC pontuou: “O sistema partidário não se deu conta do salto
que está se produzindo na consciência das pessoas sobre a política”. Neste
estado de desagregação, “pode haver um agravamento do populismo”.
Nem
por isso, os latino-americanos imbuídos de espírito cívico podem renunciar à
“grande questão”, segundo Moreno: “Como aproveitamos esta crise para gerar
mudanças profundas na América Latina?”.
De
pronto, há algum esteio econômico com as perspectivas para a exportação
agrícola – sobretudo ante o desempenho econômico da China. Mas isso nem de
longe será suficiente para um crescimento sustentável e muito menos para
“desnaturalizar a desigualdade”, nas palavras de FHC. Ao contrário, sem
reformas estruturais do “contrato social”, a desigualdade e, logo, as rupturas
sociais podem aumentar.
Entre
essas reformas, os debatedores deram especial destaque à educação, um setor no
qual o desempenho latino-americano já era ruim antes da pandemia e foi agravado
por ela. As taxas de paralisação das escolas na região foram em geral maiores
do que nos países desenvolvidos, e o acesso a meios digitais, mais escassos.
A
capacitação para novas tecnologias é essencial. Moreno citou alguns casos
exemplares de capacitação por parte da iniciativa privada. Contudo, “não há políticas
públicas que cheguem a milhões de pessoas”. O avanço “exigirá uma conversa
público-privada muito mais profunda”. Analogamente, do ponto de vista político,
Moreno citou experiências exitosas de governadores e prefeitos na resolução de
problemas imediatos em nível local. Mas, para que esses exemplos se enraízem,
ramifiquem e frutifiquem, também será necessária uma educação capaz de fomentar
nos latino-americanos o espírito cívico e forjar lideranças comprometidas com a
coisa pública.
Ante
a recessão econômica, o desgoverno político e o avanço precário da vacinação na
América Latina, a curto prazo “não se pode olhar adiante com muitas
expectativas”, disse com franqueza FHC. Mas, a longo prazo, as soluções para a
crise econômica, cívica e política da América Latina passam todas pela
educação.
O efeito positivo do Minha Casa Minha Vida – Opinião / O Globo
O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), que financia habitações populares (e que o governo Jair Bolsonaro pretende modificar), completa 12 anos no próximo dia 25 envolto em polêmica. Das quase 6,3 milhões de unidades habitacionais contratadas, 5,3 milhões haviam sido entregues até 2020, 1,5 milhão à população mais pobre. Mas o déficit habitacional nas cidades brasileiras continua perto de 6 milhões de casas. É um número que se mantém no mesmo patamar ao longo dos últimos anos e é frequentemente usado pelos críticos para mostrar que o MCMV não cumpriu seu principal objetivo: dar moradia a quem não tem.
Outra
crítica frequente é que, ao transferir a população para zonas periféricas, o
programa encarece o custo de vida e reduz a renda dos mais pobres, com gastos
em transporte e energia antes inexistentes. Mais que isso, morar em regiões
mais distantes também diminui, segundo os críticos, as chances de achar
emprego. Tudo isso pode piorar a condição social e financeira.
Num
país em que a discussão das políticas públicas é contaminada por achismo e
ideologia, sem a vacina dos fatos, o MCMV oferece uma chance única de pôr
opiniões à prova. Todos os beneficiários estão cadastrados e, como o
financiamento costuma ser concedido por um sorteio, é possível comparar com
precisão, isolando a interferência de outros fatores, o que acontece na vida
dos agraciados. Foi o que fez a economista Laísa Rachter de Sousa Dias em
doutorado defendido na Fundação Getulio Vargas em dezembro.
Ela
comparou a situação de cerca de 3 mil vencedores do sorteio no Rio de Janeiro à
dos perdedores. A primeira conclusão é que não houve efeito perceptível nem no
nível de renda, nem na empregabilidade de quem foi morar mais longe. Gastos com
prestação, transporte e luz acabam compensados pela economia em aluguel e
outras despesas. Mesmo morando em bairros com menos infraestrutura, o custo de
habitação cai para os beneficiários.
A
maior contribuição dela foi ter descoberto efeitos secundários nem sempre
levados em conta pelos críticos. O mero fato de morar em casas com acesso a
água, luz e esgoto tem impacto perceptível na saúde. O trabalho detectou queda
de 18 pontos percentuais na proporção de famílias vivendo em condições
precárias, aumento no peso dos bebês recém-nascidos e redução na mortalidade
infantil. “É importante avaliar a multidimensionalidade de impactos”, afirma
Dias. “A lição é que morar numa casa melhor importa.”
É
legítimo questionar se, uma vez que a melhora na saúde resulta das condições de
saneamento, não valeria mais a pena investir em água e esgoto nas comunidades
originais, em vez de erguer casas distantes. “Não sei dizer se seria melhor.
Não dá para dizer que o MCMV seja necessariamente a política ótima, é preciso
estudar mais.”
O
indiscutível é que esse impacto secundário positivo diminuirá, já que, desde
2019, o programa não contrata mais nenhuma casa para a faixa mais pobre. O foco
do governo Bolsonaro em conceder crédito a reformas domésticas e àqueles que
têm maior condição de honrar o empréstimo pode fazer sentido para o setor da
construção civil, além de ter impacto (mínimo, é verdade) nas contas públicas.
Mas, se não vier acompanhado do investimento necessário em saneamento e
benfeitorias, o mais provável é um recuo na qualidade de vida dos mais pobres.
Combate ao tráfico só será viável com inteligência e cooperação – Opinião / O Globo
A apreensão de um veleiro com 2,2 toneladas de cocaína no litoral do Nordeste, há duas semanas, ganha importância menos pela quantidade da droga — nada desprezível, diga-se — e mais pelo que representa na luta — quase sempre inglória — contra o tráfico. A embarcação, que transportava o carregamento para a Europa, foi abordada a 270 quilômetros do Recife pelo navio-patrulha Araguari, da Marinha, e por agentes do Grupo de Pronta-Intervenção, da PF.
A
bem-sucedida operação não ocorreu ao acaso. Ela é fruto de uma inédita
cooperação entre agências internacionais, envolvendo Brasil, Portugal, Estados
Unidos e Reino Unido. O veleiro pôde ser interceptado graças a um trabalho
minucioso de inteligência, feito em conjunto com o Centro de Análise e
Operações Marítimas-Narcóticos (MAOC-N), de Lisboa, a agência antidrogas
americana (DEA) e a britânica National Crime Agency. Cinco tripulantes
brasileiros foram presos. Tudo sem disparar um tiro.
Na
ocasião, o Ministério da Defesa disse que o objetivo dessas operações, no longo
prazo, é identificar organizações criminosas responsáveis pelo transporte da
droga e, ao mesmo tempo, manter o controle sobre águas jurisdicionais
brasileiras com o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul.
Não
se pode imaginar que o tráfico de drogas, que afeta de forma brutal as
estatísticas de criminalidade no Brasil, seja um problema estanque. É sabido
que facções criminosas de São Paulo e Rio de Janeiro atuam fortemente nas rotas
internacionais do tráfico, levando a droga aos Estados Unidos e aos países da
Europa.
A
apreensão bem que poderia representar uma mudança de ventos na guerra contra as
drogas. É nítido o fracasso das atuais políticas de “enxugar-gelo”, cujos
resultados mais visíveis são as balas perdidas que, dia sim outro também, matam
inocentes em comunidades tomadas por quadrilhas de traficantes com um arsenal
poderoso. Décadas de maus resultados deveriam ter nos ensinado algo. As mortes
crescentes de civis e policiais em confronto não significaram aumento na
segurança. O tráfico não arredou pé de suas trincheiras.
Da
mesma forma, é ingenuidade achar que, num mundo interconectado, estados
isolados terão sucesso nesse enfrentamento. As quadrilhas cada vez mais atuam
em todo o país, até em nações vizinhas. Sem uma política nacional de segurança
não se chegará a lugar algum. As estatísticas de violência estão aí para provar:
o número de homicídios cresceu mesmo na pandemia.
Ao
menos, a operação que resultou na apreensão do veleiro no Nordeste nos traz a
esperança de que autoridades de segurança usem menos a força bruta e mais a
inteligência, a tecnologia e a cooperação nacional e internacional para
combater um problema que excede em muito as vastas fronteiras do Brasil.
Plano mínimo – Opinião / Folha de S. Paulo
Para
evitar ano perdido é preciso vacina, auxílio e programa de ajuste fiscal
Jair
Bolsonaro desperdiçou, até aqui, as oportunidades que ganhou com a vitória nas
eleições para o comando do Congresso e com o início da vacinação, que poderia
atenuar o desastre de seu governo na gestão da pandemia. As perspectivas de uma
gestão racional do que resta de seu mandato permanecem pouco promissoras.
O mandatário
se mostra infenso ao planejamento e ao mero interesse pragmático na sobrevivência
de sua administração, que, passado um mês do reinício do ano político, vive
renovado desarranjo.
O
morticínio da Covid-19 agora supera os piores números de 2020. Há risco de que
se multipliquem variantes mais contagiosas ou letais do vírus. Sem controle, a
doença pode abater também a expectativa de crescimento de 2021, que ora segue
trajetória de queda e ronda muito modestos 3,3%.
Bolsonaro
tumultuou o ambiente com seus novos decretos sobre armas e ameaças de “meter o
dedo” em estatais, que levou a cabo na Petrobras, espalhando desconfiança geral
de intervencionismo e degradando o crédito das empresas nacionais e do governo.
Em
vez de ter preparado um plano de novo auxílio emergencial, em discussão desde
setembro do ano passado, o governo improvisou e agregou à medida um tardio e
politicamente mal articulado ajuste orçamentário. Como era de esperar, o plano
corre o risco de ser abandonado pelos parlamentares.
Trata-se,
cumpre ressaltar, de medidas mínimas para manter a viabilidade do teto para os
gastos inscrito na Constituição e evitar o grave risco de apagão da máquina
federal. No momento, nem mesmo há Orçamento aprovado para o ano.
Tal
cenário torna irrealista uma agenda mais ambiciosa —que deveria incluir, além
de ampla reforma do Estado, a reversão do desmonte em áreas fundamentais como
educação, meio ambiente e relações exteriores. Resta, de imediato, defender
medidas de redução de danos e alguns avanços pontuais.
O
mais urgente e óbvio é a vacinação em massa, com a maior celeridade possível,
da qual o país depende para interromper a escalada macabra da Covid-19 e
retomar alguma perspectiva de normalidade.
Enquanto
isso, é imperativo amparar famílias carentes e trabalhadores informais que
perdem renda na pandemia. O auxílio emergencial deve ser reformulado com foco
mais preciso e a contrapartida de um programa mínimo de reequilíbrio
orçamentário.
Aperfeiçoamentos
regulatórios em setores como energia e saneamento, bem como concessões e, quem
sabe, vendas de estatais, compõem o plano de sobrevivência até 2022. É pouco
diante das necessidades do país, mas não diante das capacidades de Bolsonaro.
Um velho normal – Opinião / Folha de S. Paulo
Alta
do gasto militar global na pandemia é compreensível, ainda que lamentável
O
fim da Guerra Fria, com o ocaso e dissolução da União Soviética em 1991, trouxe
uma era efêmera de esperanças para os amantes da paz.
Não
era o dito fim da história, mas uma transição em que o militarismo perdera
tração e sentido —o Ocidente triunfara, afinal. Seja como for, os gastos
militares que estiveram na base da derrota comunista refluíram por um tempo.
Como
seria previsível, o motor da geopolítica seguiu ligado e novas realidades
emergiram: os ataques do 11 de Setembro, em 2001, emolduraram todo um novo
ciclo de violência. Com a supressão parcial do terror, chegamos aos anos 2020
com o renovado conflito entre grandes potências.
A
assertividade da China de Xi Jinping, a ressurgência da Rússia sob Vladimir
Putin e os anos de Donald Trump no poder deram tons militaristas a esse
contexto.
Com
efeito, nas contas do prestigioso Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos, de Londres, o gasto militar global deu saltos sucessivos a partir
da chegada do americano à Casa Branca, em 2017.
No
seu estudo anual sobre o tema, o instituto apontou que em 2020 foi mantido
o ritmo de crescimento de gastos na casa dos 4% sobre o ano anterior.
Os
números são impressionantes: 171 países gastaram US$ 1,83 trilhão com defesa no
ano passado, o que contemplaria quase todo orçamento do Bolsa Família no
período a cada 24 horas. Desse valor, nada menos que 40% couberam aos Estados Unidos,
quase quatro vezes a fatia da China.
Países
previdentes investem em defesa e nas cadeias produtivas a ela associadas —no
Brasil, 11º no ranking de gastos, o dinheiro da área vai quase todo para pagar
pessoal militar ativo e inativo.
Mas
chama a atenção que tais somas tenham sido despendidas com uma atividade que
tem a morte em seu centro, enquanto o mundo se engalfinhava com um vírus letal.
É
sempre um tanto tacanho cotejar objetivos incomparáveis, mas não deixa de ser
tentador pensar no cenário em que uma fração desse dinheiro fosse direcionada à
pesquisa de fármacos e à mitigação da tragédia global em curso.
O
gasto é todavia compreensível, já que períodos de incerteza sempre demandaram,
ao longo da história, o reforço das fronteiras reais e simbólicas do interesse
nacional.
Mas
também é lamentável, pelo caráter revelador do atavismo violento que acompanha
o ser humano, do tacape ao míssil hipersônico.
Urgência no auxílio e na responsabilidade fiscal – Opinião / Valor Econômico
Mesmo
com a aprovação da PEC, as necessidades sociais e fiscais só serão atendidas se
o governo acelerar o processo de vacinação
O recuo do senador Márcio Bittar (MDB-AC) na desvinculação dos pisos de saúde e educação em seu relatório da PEC Emergencial marcou o fim de uma semana cheia de altos e baixos para a equipe econômica na questão fiscal. A promessa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) era votar na última quinta-feira o texto que autoriza a volta do auxílio emergencial ao mesmo tempo em que promove um ajuste de longo prazo nas contas e viabiliza o teto de despesas pelo menos até o fim do próximo ano. Mas a Casa da Federação sequer permitiu a leitura do substitutivo de Bittar, tal o clima de conflagração que estava instalado.
Retirado
o “bode da sala” (a desvinculação), a promessa de Pacheco agora é que o tema
seja examinado na semana que hoje se inicia. A expectativa é que Bittar, que
ficou bastante irritado com a derrota imposta nos minutos iniciais da partida,
apresente um novo relatório entre hoje e amanhã. A intenção do comando da Casa
é que as discussões formalmente se iniciem nessa terça-feira e a matéria possa
ser votada na próxima quarta pelo Plenário.
Ainda
há dúvidas, porém, se a equipe econômica conseguirá seu intento de aprovar o
pacote fiscal. O texto já está bem desidratado. É o caso de lembrar que
inicialmente o governo também queria ter a possibilidade de cortar em 25% a
jornada e os salários dos servidores públicos, medida que infelizmente caiu na
versão protocolada por Bittar.
Não
há dúvidas que o Brasil há muito tempo precisa de um arcabouço fiscal robusto,
que dê conta da necessidade de se dar sustentabilidade à dívida pública no
longo prazo. Essa necessidade se tornou mais evidente após o esforço de guerra
imposto pela covid-19, que levou ao maior déficit público da história e
empurrou as dívidas bruta e líquida para níveis de fato inquietantes (89,7% no
dado de janeiro para a bruta e 61,6% para a líquida), ainda que por ora
administráveis.
Além
do problema do endividamento, tão ou mais grave é a dificuldade de manejo do
orçamento público, que tem transformado o gasto público no Brasil em algo
extremamente ineficiente. Penaliza-se cada vez mais o investimento público com
um desenho fiscal que acaba reforçando o pífio desempenho da economia
verificado na última década.
A
estratégia do governo de vincular a necessária volta do auxílio emergencial à
aprovação dessa PEC, mesmo desfigurada, vai no sentido de zelar pela
responsabilidade fiscal. O país vive um drama inédito com a explosão de casos
da segunda onda da covid-19 e é urgente que o benefício para aqueles que o
ministro da Economia já chamou de “invisíveis” seja retomado, permitindo que
haja um maior distanciamento e isolamento social que contenha a dramática
expansão do vírus.
Não
cabe dizer que as medidas fiscais propostas na PEC tiveram pouco tempo de
discussão. Elas estão aí desde o fim de 2019 e o assunto é tema recorrente na
sociedade. Alguns penduricalhos extras, que tradicionalmente são colocados em
matérias desse gênero, podem ser retirados, mas a versão mais enxuta da PEC já
é praticamente o mínimo possível que se deve fazer para recriar o auxílio (e
eventualmente dar recursos extras para a saúde) com responsabilidade fiscal.
Tampouco
cabem reclamações sobre a extensão do congelamento de salários de servidores. O
ideal era que a medida que permitia reduzir em 25% as jornadas e os vencimentos
tivesse sido mantida, como foi autorizado ao setor privado no ano passado e que
o governo estuda retomar para as empresas neste ano. Por que os servidores não
poderiam passar por isso dada a gravidade da situação sanitária e fiscal do
país?
Mas
já que esse capítulo ficou para trás nas negociações, que ao menos a retirada
das desvinculações seja considerado o último passo para que essa PEC seja
aprovada pelos congressistas. Assim, o auxílio emergencial poderá ser retomado,
permitindo proteção para os mais vulneráveis desse país em meio a essa grave
crise, sem abrir mão do zelo pelas contas públicas.
Em tempo, mesmo com a aprovação da PEC, as necessidades sociais e fiscais só serão atendidas de forma eficaz se o governo tomar rumo e acelerar o processo de vacinação. É imperioso que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, comece a se preocupar de fato com o ritmo de expansão da covid-19 e acelere o ritmo de imunização em todo o país. As UTIs lotadas na maioria dos Estados e os recordes de mortos mostram que os governos, em especial a administração Bolsonaro, estão errando feio e precisam urgentemente corrigir o rumo.
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