O coronavírus se espalhou pelo planeta, causou incomensurável número de mortes de indivíduos e destruição de famílias, além do prejuízo econômico. Afetou a percepção das pessoas em relação a governos. Todavia, no Brasil, seus efeitos sobre os planos de Jair Bolsonaro precisam ser relativizados.
Problemas
preexistiam. A crise econômica, por exemplo, após um ano de governo, em 2020,
persistia sem solução; o extremismo político, a incapacidade de lidar com a
democracia são desde sempre traços estruturais do bolsonarismo. Logo, a
pandemia, mais do que criar problemas, os aprofundou; explicitou o mal-estar,
talvez, difuso.
E, assim, acelerou o processo de conflitos e desacertos, fazendo disparar o tempo político e eleitoral. O ano de 2020 se desenvolveu como avalanche que invadiu 2021, atravessando-o e lançando o país diretamente em 2022: antecipou a disputa eleitoral, que só não está nas ruas porque as ruas estão forçosamente vazias.
Verdade
que o presidente nunca desceu do palanque. Mas, desconfiado e competitivo ao
extremo, tornou-se mais ansioso, temeroso e temerário. Desprezando efeitos
previsíveis da proliferação do vírus, reforçou sua propensão ao voluntarismo e
à beligerância diante de inimigos imaginários e adversários reais. Brigou com a
ciência, governadores, instituições públicas e organizações civis; calcinou o
discurso moralista e o liberalismo de ocasião, ostentados em 2018. Blindado
pelo Centrão, é incapaz de afirmar quem é mesmo base de quem.
Também
para parcela da sociedade o tempo acelerou. Se não como ação coordenada, de
frente política, pelo menos pelo convencimento a respeito dos problemas do
país. Desinteligências explicitadas serviram de alerta para instituições como o
STF, por exemplo. Ainda há dispersão, mas já se pode notar disposição – e
pressão social – para que se evite fragmentação política e eleitoral para além
do inevitável, em 2022. A pandemia mostrou que poço, às vezes, não tem fundo; e
que é preciso encontrar um modo urgente de tampá-lo.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Nenhum comentário:
Postar um comentário