A
vacina contra a hiperfragmentação não pode ser cancelada
O
que há em comum entre a bancada federal de Espírito Santo, Roraima, Rondônia,
Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e Amapá? E de Goiás, Tocantins, Mato
Grosso, e Mato Grosso do Sul, Acre, Amazonas, e Piauí?
No
primeiro grupo todos os deputados provêm de partidos diferentes; a fragmentação
alcançou o maior valor matematicamente possível. No segundo, a situação é
marginalmente diferente: o maior partido da bancada tem dois representantes, os
demais um. Sim, a hiperfragmentação política entre nós ultrapassou as raias do
absurdo.
O número efetivo de partidos na Câmara Federal alcançou em 2018 o maior valor já registrado em qualquer país, 16,46. Não me refiro ao número nominal de partidos mas ao número efetivo, uma métrica que pondera os partidos pelo seu tamanho. O número nominal não importa: o Reino Unido tem 408 partidos registrados, inclusive o Church of the Militant Elvis Party; dez possuem pelo menos um representante no parlamento. Os EUA têm 61 nominais, inclusive o Marijuana Reform Party. O número efetivo no Reino Unido e nos EUA é 2,4 e 1,99, respectivamente.
Pesquisas
já identificaram os fatores que explicam comparativamente a variação no número
de partidos. O principal é a regra eleitoral: o voto em distritos de um só
representante produz bipartidarismo; a representação proporcional, o
multipartidarismo.
Outros
fatores importam: a magnitude do distrito eleitoral (no Brasil, os estados); o
número total de cadeiras no legislativo; cláusulas de barreira; adoção do
segundo turno; o peso das eleições subnacionais; e a heterogeneidade social.
Mas
há uma especificidade brasileira: a estarrecedora soma de recursos públicos
distribuídos aos partidos na forma de fundo partidário, de campanha e tempo de
TV. Por exemplo, o desconhecido Unidade Popular recebeu em 2020 R$ 1,2 milhão.
Os partidos não precisam de votos para receber fundos e tempo de TV. (A
astronômica soma para quem tem voto é outro assunto). Essa é a diferença entre
o Brasil e o Reino Unido.
Fora
os dois maiores partidos que detém 10% do total de cadeiras, há dez partidos
médios com algo entre 5% e 7%, situação inédita no mundo, e que tem causado
profundo cinismo cívico que está na base da situação em que vivemos.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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