Ajuste
fiscal da PEC emergencial foi esvaziado
Coribe
(BA), Propriá (SE), Cascavel (PR), Florianópolis (SC), Alcântara (MA), Sertânia
(PE), Campinas (SP), Rio Branco (AC), Foz do Iguaçu (PR), Tianguá (CE) e
Fortaleza (CE). Nos últimos 40 dias, o presidente da República visitou 12
cidades brasileiras. Além das críticas à promoção de aglomerações no período em
que a pandemia atinge seu ápice, o roteiro também deixa claro que Bolsonaro já
está em campanha para ser reeleito em 2022.
Com
a exceção de Rio Branco, para onde se dirigiu com os justos propósitos de
sobrevoar as áreas atingidas pelas enchentes e acompanhar a ação das Forças
Armadas e dos órgãos de Defesa Civil, os outros deslocamentos tiveram motivação
meramente política.
Reagindo
à queda de popularidade e aos ataques intensos que vem recebendo pela condução
do país durante a crise de covid-19, Bolsonaro botou o pé na estrada. Afinal, é
preciso manter o entusiasmo em regiões que o apoiaram massivamente em 2018
(como Santa Catarina e o oeste do Paraná) e prestigiar grupos cativos como os
militares, ainda que a visita seja apenas para desejar boa sorte a novos
cadetes no seu curso de formação em Campinas.
Todavia,
chama a atenção o destino preferencial de suas viagens. Em cinco das últimas
seis semanas o presidente voou para inaugurar obras no Nordeste, seu calcanhar
de Aquiles nas últimas eleições e onde ele tem seu pior desempenho nas
pesquisas. Não por acaso, na maioria das vezes ele aterrissou em Estados
governados por partidos que lhe fazem oposição.
Entregar trechos de estradas, pontes e ações contra a seca faz parte do jogo político. Como todos os seus antecessores desde que Fernando Henrique Cardoso inventou a reeleição, Bolsonaro está utilizando os recursos de que dispõe como chefe do Poder Executivo para agradar eleitores cativos e ampliar sua base de apoio visando se manter no poder até 2026.
Essa
antecipação do clima eleitoral, porém, emite sinais claros a respeito de como
será conduzida a economia na metade final de seu primeiro mandato. Tanto a
teoria quanto nossa história indicam que é bastante improvável que um
governante resolva adotar políticas fiscais restritivas quando está em
campanha.
A
vitória de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do
Senado foram comemoradas por muitos no mercado como um indicativo de que o
governo passaria a ter à sua disposição uma ampla base capaz de aprovar uma
agenda econômica mais ambiciosa.
As
muitas semelhanças e afinidades entre Jair Messias e a maioria dos
parlamentares que compõem essa massa amorfa que chamamos de Centrão deram
esperança de que as propostas fiscais de Paulo Guedes poderiam avançar de modo
mais fluido. A hipótese faz sentido; pena que as condições para a sua
concretização estavam presentes há dois anos - e foram desperdiçadas.
Reformas
econômicas abrangentes, que rompam estruturas, são implementadas mais
facilmente em início de mandato, quando ainda não se verifica o desgaste
natural de todo presidente. Além disso, precisam contar com o empenho dos
líderes no Congresso, de preferência se comungarem do mesmo apetite por
mudanças.
Quando
tomou posse, Bolsonaro tinha em mãos todos esses ingredientes: um alto índice
de popularidade, um Congresso que é a sua cara e, na presidência na Câmara,
Rodrigo Maia, que desde o governo Temer conduzia uma agenda liberalizante, com
a aprovação do teto de gastos e a reforma trabalhista. A rápida aprovação das
novas regras da Previdência mostrou que essa parceria poderia render, mas
depois disso a química com Maia desandou - e as propostas foram colocadas em
banho-maria.
O
contexto atual é bastante diferente, a começar pela interminável pandemia, que
exige cada vez mais recursos para lidar com seus imensos custos sociais e
econômicos.
Bolsonaro
também não é mais o mesmo, pois em exatos dois anos, sua desaprovação subiu de
17% para 42%, segundo a última pesquisa XP/Ipespe. Essa piora tem literalmente
um preço: além de todas as emendas extraordinárias liberadas para eleger seus
aliados para a presidência do Congresso, o envio da nova MP da Eletrobras
trouxe consigo um agrado de R$ 8,75 bilhões para as bancadas do Nordeste, da
Amazônia e de Minas Gerais destravarem o processo de privatização. Outras
faturas virão.
A
maior prova, porém, de que o novo arranjo entre Bolsonaro, Lira e Pacheco não
resultará em medidas econômicas de impacto está no novo relatório da PEC
emergencial, apresentado na semana passada pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Comparando-se
o substitutivo do relator com a proposta inicial, encaminhada por Paulo Guedes,
a PEC nº 186/2019 foi bastante desfigurada. Além de autorizar, sem parâmetros
ou limites, uma nova rodada do auxílio emergencial, Bittar busca cristalizar na
Constituição um regime fiscal extraordinário para calamidades públicas,
suspendendo-se travas relativas a contratação de pessoal, obras e serviços,
abrindo-se a possibilidade de se criar despesas sem prévia previsão
orçamentária e dispensando a observância da regra de ouro do endividamento
público.
Para
contrabalançar, o substitutivo propõe compensar o aumento de despesas seguindo
a velha tática de impor ônus sociais em lugar de desagradar grupos de
interesses bem identificados.
O
acordo entre Bittar e a equipe de Paulo Guedes (ou seja, entre o Centrão e
Bolsonaro) tem uma lógica clara. De um lado, desobriga o Estado de gastar um
percentual mínimo com educação e saúde; de outro, preserva os servidores
públicos de terem seus salários reduzidos e blinda os empresários que se
aproveitam dos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, do Simples, das
entidades sem fins lucrativos, dos produtores de bens da cesta básica e da bolsa
empresário dos fundos de desenvolvimento.
Com
Bolsonaro em clima eleitoral e o Centrão no comando do Congresso, é muito pouco
provável que uma reforma fiscal de verdade seja aprovada antes de 2023. De
emergencial, só sobrou o auxílio.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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